A Justiça Federal proibiu o presidente Jair Bolsonaro de adotar medidas contrárias ao isolamento social como forma de prevenção ao coronavírus. A determinação judicial, a pedido do Ministério Público Federal, anula os decretos do presidente classificando as igrejas e casas lotéricas como serviços essenciais. Na prática, permitia o funcionamento desses estabelecimentos, mesmo em lugares em que os governos estaduais ou as prefeituras houvessem proibido aglomerações.
Na decisão, o juiz da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias, Márcio Santoro Rocha, determinou que o governo federal e a prefeitura da cidade de Duque de Caxias, "se abstenham de adotar qualquer estímulo à não observância do isolamento social recomendado pela OMS", a multa em caso de desobediência é de R$ 100 mil.. O MPF citou na inicial existirem na cidade um caso confirmado e 77 suspeitos do Covid-19. Além disso, o texto ressalta que "as medidas preventivas encontram-se, portanto, em um momento crucial para impedir a expansão do vírus". O caso ainda comporta recurso no TRF-2, pois está em primeira instância.
A decisão, em caráter liminar e sujeita a recurso antes do julgamento do mérito, decorre de ação civil pública do MPF. O mote original da ação, com pedido de liminar, era para que igrejas e lotéricas não funcionem, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, durante o período de isolamento social provocado pela pandemia do coronavírus. Para tanto, o MPF pede a suspensão da aplicação dos incisos XXXIX e XL do § 1º do art. 3º do Decreto nº 10.282/2020, inserido pelo Decreto nº 10.292/2020, editados pela União.
A liminar coincide com o lançamento de uma campanha publicitária em favor da reabertura das atividades econômicas imediatamente, 'O Brasil Não Pode Parar', paga pelo Governo Federal e orçada em R$ 4,8 milhões. A campanha é o ponto mais visível de uma pressão crescente para que os governos estaduais, particularmente do Rio e de São Paulo, estados que lideram em número de casos de Covid-19 e maiores economias do País, afrouxem a quarentena.
O discurso do presidente Bolsonaro na terça-feira (24/3) chamou atenção pela retórica agressiva, mas refletiu um crescente desconforto de parcela influente do empresariado com a quarentena. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ensaiou nominar os principais responsáveis pela intensa pressão de bastidor, ao comentar que investidores locais e estrangeiros tinham apostado pesado na alta das bolsas e do valor das empresas nacionais mais líquidas, e estavam tentando evitar perdas maiores. "Essa gente precisa aprender que capitalismo é risco, investimento rende, mas envolve a possibilidade de prejuízo,' alertou, na entrevista da quinta-feira, depois de uma reunião com líderes governistas e da oposição avançar para um aumento da renda mínima emergencial, posteriormente aprovada na Câmara, com votação remota, em R$ 600.
As redes sociais refletiram esse esforço de romper a quarentena. Áudios vazados do dono da rede de hambúrgueres Madero, Junior Durski, do empresário e apresentador Roberto Justus repercutiram ao minimizar os custos em vidas de um contágio rápido e intenso. Isolamento vertical, termo que sequer aparecia associado à discussão da Covid-19 fora de círculos especializados, como epidemiologistas, viralizou desde que um jovem empreendedor, milionário antes dos 30, sustentou que seria possível isolar e proteger exclusivamente a faixa de maior risco. Não lhe ocorreu, decerto, que as pessoas que saíssem para trabalhar, ao voltarem para casa, pudessem contaminar os parentes mais velhos com quem convivam.
Só de pessoas acima de 60 anos, o Brasil tem 28 milhões de pessoas, e as residências com mais de uma geração somam metade dos domicílios no País. No Rio, cidade mais rica do que a média, nada menos de 300 mil residências têm três ou mais pessoas domingo no mesmo cômodo, segundo pesquisa referenciada nos dados do IBGE com que a ONG Casa Fluminense tenta levantar os obstáculos para o sucesso da política de retardar o contágio da Covid-19 pelo distanciamento social, de forma a evitar o colapso do Sistema Único de Saúde.
Dados assim não comovem os mais preocupados com a saúde da Economia do que com 'cinco a sete mil mortes' a mais ou a menos, na fria contabilidade de Junior Durski. A Confederação Nacional da Indústria, 400 prefeitos e incontáveis associações comerciais e clubes de lojistas intensificaram as críticas públicas à quarentena e as gestões de bastidor para que a política de isolamento social fosse revista.
A ação sustenta que, ao incluir como essenciais atividades religiosas ou casas lotéricas - sem demonstrar a essencialidade prevista em lei, nem apresentar justificativas que permitam uma compreensão do ato normativo em consonância com as recomendações dos órgãos de saúde - o decreto acabou por assumir para si a enumeração dos serviços e atividades que seriam assim consideradas, como se houvesse uma discricionariedade ilimitada para tanto.
Na ação, requer-se ainda que a União se abstenha de editar novos decretos que tratem de atividades e serviços essenciais sem observar a Lei nº 7.783/1989 e as recomendações técnicas e científicas dispostas no art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.979/2020. Com isso, o Município de Duque de Caxias deve se abster de adotar qualquer medida que assegure ou autorize o funcionamento dos serviços e atividades de igrejas e loterias. No caso da Prefeitura da cidade, a mais rica da Baixada Fluminense, há um aspecto que agrava a questão, na visão do MPF: em vídeo que recentemente circulou nas redes, prefeito do município disse que ia manter igrejas abertas e que a cura para o coronavírus "viria de lá". Para o MPF, o decreto estimula esse tipo de postura, comprometendo as medidas governamentais no combate ao COVID-19
Ao ingressar com ação civil pública para que declare a nulidade de dispositivos do Decreto nº 10.292/2020, o MPF compreende que o dispositivo extrapola o poder regulamentar no tratamento de serviços e atividades essenciais, podendo levar a medidas que impeçam as medidas emergenciais de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), alinhando-se às diretrizes aos órgãos de saúde e comitês científicos competentes.
O decreto nº 10.292/2020 incluiu "atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde" (XXXIX) e "unidades lotéricas" (XL) como atividades essenciais. "O decreto coloca em risco a eficácia das medidas de isolamento e achatamento de curva de casos de coronavírus. É necessário conter essa extrapolação atual e assegurar que não sejam editadas medidas ainda mais ampliativas no futuro", pondera o procurador da República Julio José Araujo Junior, autor da ação.
Fonte: Com site do Ministério Público Federal