A Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou a imediata suspensão da campanha 'O Brasil não pode parar'. A medida se aplica, de forma imediata, a todo e qualquer meio físico ou digital de veiculação. A decisão é da juíza de plantão, Laura Carvalho. A ação foi protocolada já às nove da noite de sexta-feira, 27, durante o Plantão Judiciário, mantido para casos de emergência. A plantonista deferiu parte do pedido de tutela de urgência antecipada feito pelo Ministério Público Federal da 1ª Região. Com isso, todas peças da campanha, em quaisquer meios, terão que sair do ar. A intimação foi anunciada como urgente e imediata, para cumprimento sem demora. Cabe recurso no Tribunal Regional Federal, pois a decisão é de primeira instância.
A juíza Laura Bastos Carvalho cita o estudo do Imperial College sobre a evolução da pandemia em cada país, conforme a rigidez maior ou menor do isolamento social, e a oferta maior ou menor de testes e tratamento. "O achatamento da curva de casos é indicado pela comunidade científica como medida necessária para que os sistemas de saúde mantenham sua capacidade de tratar os doentes, sob pena de entrarem em colapso, o que resultaria em um número muito maior de mortes — tanto por Covid-19 como por outras causas – como bem ressaltou o Ministério Público em sua petição inicial.
Na mesma lógica, o estudo realizado pela Imperial College of London prevê que medidas de distanciamento social e reforço do distanciamento dos idosos levariam a 529.779 mortes no Brasil, ao passo que uma supressão da epidemia,consistente no isolamento social, levaria, na pior das hipóteses, a 206.087 mortes. Quando se tratam de indivíduos necessitando de leitos em UTI, no primeiro cenário teríamos 702.497 pessoas, e no segundo, 460.361.
Pois bem. Os princípios da precaução e prevenção são aplicáveis ao direito à saúde, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI 5592[4]. A doutrina de Paulo Affonso Leme Machado assim ensina:
"Em caso de dúvida ou incerteza, também deve se agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção. "O princípio da precaução
consiste em dizer não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos,sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas, também, sobre o de que nósdeveríamos duvidar" – assinala o jurista Jean-Marc Lavielle. (...) Na dúvida,opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (in dubio pro salute ou in dubio pro natura)."
Na sexta-feira, 27 de março, o governo do presidente Jair Bolsonaro sofrera outro revés. A Justiça Federal determinara a anulação dos decretos incluindo agências lotéricas e igrejas entre os serviços essenciais. Com isso, cass de aposts e templos ficavam autorizados a seguir de portas abertas e recebendo o público, mesmo contrariando normas estaduais ou municipais em vigor contra aglomerações, para prevenir o contágio pelo novo coronavírus.
Seguem trechos da decisão, nos termos usados pela juíza:
"DEFIRO EM PARTE A TUTELA DE URGÊNCIA (maiúsculas da autora) para que a União se abstenha de veicular, por rádio, televisão, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital, peças publicitárias relativas à campanha "O Brasil não pode parar", ou qualquer outra que sugira à população brasileira comportamentos que não estejam estritamente embasados em diretrizes técnicas, emitidas pelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos, de entidades científicas de notório
reconhecimento no campo da epidemiologia e da saúde pública. O descumprimento da ordem está sujeito à multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por infração.
Os demais itens do pedido de tutela de urgência deverão ser analisados pelo juízo natural, por não se verificar risco iminente que justifique a atuação do juízo de plantão. Intime-se com urgência, para cumprimento imediato da tutela deferida.
Assim, na análise preliminar do pedido de tutela de urgência, verifica-se que o incentivo para que a população saia às ruas e retome sua rotina, sem que haja um plano de combate à pandemia definido e amplamente divulgado, pode violar os princípios da precaução e da prevenção, podendo, ainda, resultar em proteção deficiente do direito constitucional à saúde, tanto em seu viés individual, como coletivo. E essa proteção deficiente impactaria desproporcionalmente os grupos vulneráveis, notadamente os idosos e pobres.
Nesse sentido, fica demonstrado o risco na veiculação da campanha "O Brasilnão pode parar", que confere estímulo para que a população retorne à rotina, em contrariedade a medidas sanitárias de isolamento preconizadas por autoridades internacionais,estaduais e municipais, na medida em que impulsionaria o número de casos de contágio no país.
Na dita campanha não há menção à possibilidade de que o mero distanciamento social possa levar a um maior número de casos da Covid-19, quando comparado à medida de isolamento, e que a adoção da medida mais branda teria como consequência um
provável colapso dos sistemas público e particular de saúde. A repercussão que tal campanha alcançaria se promovida amplamente pela União, sem a devida informação sobre os riscos e potenciais consequências para a saúde individual e coletiva, poderia trazer danos irreparáveis à população.
Fonte: Ministério Público Federal