O distanciamento social adotado por governos como forma de conter o avanço do novo coronavírus deixou de lado algumas populações menos favorecidas. Comunidades tradicionais integram o grupo de maior vulnerabilidade. É o caso dos quilombos localizados em Cabo Frio, na Região dos Lagos. Josué Ribeiro da Cota, do quilombo Botafogo e diretor de Assuntos Fundiários da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (QUILERJ), reclama da falta de assistência médica e das dificuldades para escoar a produção da agricultura familiar produzida.
Com cerca de 100 famílias, o quilombo Botafogo é composto por descendentes dos escravos da antiga fazenda Campos Novos, no século XVII. A cidade de Cabo Frio contabilizou nesta quarta-feira (15) oito casos de pessoas contaminadas com o novo coronavírus. Josué manifestou preocupação com a falta de atendimento:
"Os quilombos, em geral, principalmente os da Região dos Lagos, enfrentam um descaso, uma falta de estrutura e apoio. Com a chegada da ilusão do petróleo, muitas comunidades foram atingidas pelo impacto social que ela trouxe".
Josué explica que o quilombo Botafogo produz aipim, cana de açúcar e banana, de forma orgânica. O isolamento social dificulta o transporte das mercadorias em tempo hábil, já que são produtos perecíveis:
"Quando podíamos vender nosso produto, tínhamos apoio: o governo federal mandava um caminhão para escoar a mercadoria para a feira. Hoje, os mercados estão todos caídos, sem ter onde escoar a sua produção. No caso de Cabo Frio, o antigo mercado São Sebastião está sem condições de trabalho e interditado", disse.
A sobrevivência dos quilombolas durante o período de isolamento social tem sido difícil. Quem não conseguiu comprar um veículo depende de atravessadores.
"Eles pagam muito mal. Agora, com essa crise, o produtor não pode fazer nada. A banana não pode levar dois ou três dias para ser vendida. Vai apodrecer. Se der uma chuva, apodrece também. O produto é da roça, da Zona Rural, é tudo perecível. Não tem carro para escoamento, para vender", disse Josué.
Parte dos habitantes do quilombo Botafogo trabalha em hotéis de Búzios. Com a dependência do Turismo, setor que enfrenta dificuldades com a pandemia, tem muitos hotéis e pousadas fechados.
"Com toda a sinceridade, toda a comunidade, sendo empregado ou não, depende de ajuda. Os idosos, como no meu caso – tenho 63 anos – sequer recebe vacina dessa gripe", disse o quilombola.
Segundo Josué, os problemas enfrentados pelo quilombo são de longa data. Ele reclama da falta de apoio de diversos governos passados, além do atual.
Prefeitura de Cabo Frio responde
A prefeitura de Cabo Frio informou que já iniciou a vacinação no quilombo Botafogo. Os maiores de 60 anos estão sendo vacinados em casa. O mesmo se dá nas comunidades quilombolas Maria Joaquina, Preto Forro e Maria Romana. Todas as localidades do município estão sendo atendidas pela prefeitura no combate à Covid-19. Já em Maria Joaquina, a prefeitura está reformando o posto de saúde e mantém uma ambulância.
Apesar das ações do município, Josué teme pelo destino de seu povo durante a pandemia:
"Eu sou funcionário público em Armação de Búzios. Mas fico pensando na comunidade que eu vivo. Sei do sofrimento de cada um", desabafou.