A mitologia grega nos ensina que os titãs eram 12 criaturas originárias da união entre Urando (o céu) e gaia (a terra). Na história da música popular brasileira, os Titãs eram oito artistas criativos que sacudiram a cena roqueira nos anos 1980. Os que eram oito, hoje são três, mas que conservam a força primal de suas canções originais. Desde o ano passado, Branco Mello, Sérgio Brito e Tony Bellotto começaram a correr o Brasil com um show intimista que celebrava os 20 anos do álbum "Titãs - MTV Acústico", até hoje o campeão de vendagem do grupo. E o repertório que eles levaram ao palco nessa turnê fez-se álbum sob o nome "Titãs – Trio Acústico". Por motivo de força maior – a pandemia de Covid-19 -, os protodeuses do rock nacional adiaram a continuidade da temporada, mas o álbum encontra-se disponível nas plataformas de streaming. Uma das novidades do trabalho é a estreia do guitarrista Tony Bellotto como cantor.
Leia a entrevista abaixo:
Vocês acabaram de lançar um álbum com o repertório do "Acústico MTV", um marco da carreira dos Titãs. Ma naquela gravação vocês eram sete (e Arnaldo Antunes fez uma participação especial), havia naipes de cordas e de metais. Como foi reencontrar essas canções, trabalhar esses arranjos?
Tony Bellotto – A gênese desses arranjos foram os arranjos do "Acústico MTV". Mas começamos a trabalhar as canções buscando essa estrutura de trio, mais essencial, mais minimalista. Mas sera nosso desejo manter os elementos principais daqueles arranjos. Uma frase que a orquestra fazia a gente adaptava para só o piano fazer, coisas assim. Isso valeu para todo o show em trio e, depois, o álbum.
Mas o EP possui algumas canções que não existiam na época do "Acustico"?
Tony Bellotto – Sim, mas partir desse conceito as músicas que não foram gravadas lá, mas se adequavam ao formato trio, como é o caso de "Isso", "Epitáfio", "Porque Eu Sei Que É Amor", por exemplo, a gente foi burilando os arranjos em cima do que eram os originais e adaptando para esse minimalismo que queríamos levar ao palco. Então? houve várias maneiras de trabalhar esses arranjos, nas sempre de alguma maneira a gente tinha como ponto de partida os arranjos originais.
Você citou "Isso", uma canção de sua autoria e que você passa a interpretar. Por que você não cantava antes? Era timidez?
Tony Bellotto – Eu acho que não foi timidez não. O que me levou a não cantar nos Titãs, no início da carreira, foi mais uma visão de papeis mesmo, porque, a minha função, dentro da banda, sempre foi, principalmente, tocar guitarra e não era só a postura de um guitarrista, era de um guitarrista mesmo, com todos aqueles meus sonhos dos "Guitar Heroes" que inspiraram a minha juventude, como Jimmy Hendricks ou Keith Richards, um clássico guitarrista de banda, digamos assim.
O que já é uma grande tarefa...
Tony Bellotto – Então, me dediquei muito a tocar guitarra e havia muitos cantores na banda. Eu não precisava cantar. Sempre compus minhas músicas, apresentava ao grupo e sempre tinham muitos cantores aptos e dispostos a cantar essas músicas.
Tirando você, o Marcelo Fromer (também guitarrista, morto em 2001) e o Charles Gavin (baterista), todos os outros cantavam.
Tony Bellotto – Todos muito bons. e com estilos diferentes. Tive músicas gravadas por Paulo Mikos, Branco Mello, Nando Reis, Sergio Brito, Arnaldo Antunes, enfim. Eu, realmente, não precisava cantar. E, durante a minha vida toda, o canto exige mais, no sentido que precisa preservar a voz, cuidar da voz, e a guitarra não. Você pode estar cambaleando, mas a guitarra está sempre pronta. Então eu nunca me preocupei com isso.
Até agora?
Tony Bellotto – Realmente, neste momento, neste trabalho novo, neste trio acústico, repensando, revendo as coisas que a gente fez, neste momento que a gente está um trio, foi muito legal poder começar a cantar as minhas músicas. Foi uma espécie de renascimento, uma transformação, uma coisa muito importante no meu nível pessoal. Começar a fazer uma coisa, como eu falo nos shows, depois que 30 e tantos anos de carreira, próximo dos 60 anos de idade, tem sido muito interessante esta experiência de um reinício dentro do que você faz, uma coisa nova.
Os shows da turnê do trio acústico estava indo bem, com ótima acolhida do público, o EP foi lançado e, de repente, a pandemia? O mundo parou. Como está sendo para vocês?
Tony Bellotto – Eu acho que essa situação, desse isolamento, dessa pandemia, pegou todos de surpresa. A gente já viveu muitos momentos diferentes no país, mas essa situação inédita, que lembra muito filme de ficção científica, de ruas vazias, pessoas assustadas, afastadas e angustiadas em suas casas, isso é inédito para todo mundo. Acho que a minha rotina, a do Branco e a do Brito tem igual à de todo mundo. É uma sensação de recolhimento, de estar fechado em casa, com a família. Uma preocupação com a saúde das pessoas próximas, da família, das pessoas queridas.
Como estava a agenda de apresentações de vocês?
Tony Bellotto – A gente estava com muitos shows agendados para agora, abril, maio e junho? Estamos adiando tudo para o segundo semestre, ainda sem saber se estaremos aptos a fazer shows. Mas estamos obedecendo as determinações da Organização Mundial de Saúde e aguardando, esperando que isso passe o mais rápido possível.
Pelo menos o lançamento do EP serviu para não manter vocês tão distantes do público, vai servindo de aperitvo para a volta?
Tony Bellotto – Tocar o trabalho é uma forma da gente passar por isso de uma maneira menos dolorosa. O lançamento desse EP já estava programado. O lançamento da música "Sonífera Ilha" com aquele clipe acabou sendo muito oportuno porque, sem a gente pensar, por uma coincidência, ele acabou virando uma espécie de hino da quarentena. As pessoas se sentiram muito acolhidas (o clipe conta com a participação de muitos artistas e amigos dublando os vacais). A letra da música "Sonífera Ilha", que é uma música de quase 40 anos, fez sentido face os acontecimentos recentes e atuais. Divulgar esse trabalho é uma coisa que ajuda a passar por esse período e também reforça a nossa união.
Clipe de "Sonifera Ilha" (2020), com participações de Rita Lee, Lulu Santos e Fernanda Montenegro
E como tem sido com o Branco e o Sérgio? Vocês têm conversado desde o isolamento?
Tony Bellotto – Nós estamos longe (Bellotto vive no Rio; e os demais, em São Paulo), mas nos falamos muito. Claro que cada um de nós está sempre compondo, trabalhando em coisas novas.
Esse isolamento, no seu caso, está te trazendo ideias musicais?
Tony Bellotto – Esses acontecimentos são muito recentes, no meu caso recente até demais para que eu consiga me inspirar, escrever ou compor alguma coisa relacionada a isso, mas, com certeza, isso tudo que está acontecendo vai influenciar todo mundo de uma maneira muito intensa e não vai demorar a surgir músicas ou canções que, de alguma forma, comentem isso. Na verdade, já está acontecendo.
O que esta situação está trazendo de aprendizado para você? E para a sociedade?
Tony Bellotto – O momento é bastante perturbador e angustiante, mas, pela minha experiência e pelo conhecimento que a gente tem da aventura humana, a raça humana já enfrentou muitas dificuldades maiores que essa ao longo das eras, para podermos estar aqui do jeito que a gente está, dominando o mundo, às vezes até de formas complexas e questionáveis. Mas acho que a gente tem que ter calma, confiar muito na ciência, que é um dos grandes instrumentos que a gente tem para sobreviver e progredir, e confiando também na solidariedade, que é outro sentimento humano muito importante neste momento. Todo mundo está sentindo que, apesar de sermos indivíduos, não funcionamos sozinhos. A gente funciona em sociedade, então, precisamos estar ligados nestes movimentos coletivos, de se resguardar.
Você tocou numa questão muito importante, que é ouvir a voz da ciência. Infelizmente, nem todos pensam assim?
Tony Bellotto – De fato, é preciso ouvir os ditames da ciência, e não essas besteiras que os aproveitadores, os doutrinadores, tentam nos impingir. Acho que a gente tem que ter um pouco de calma e, com certeza, vamos passar por isso aí, como já passamos por outras crises. O importante agora é a gente ter confiança, consciência e ficarmos todos precavidos, seguindo o que as pessoas estão falando na sua maioria, que são as orientações da Organização Mundial da Saúde, dos cientistas, e não dar ouvidos para esses aventureiros que aparecem por aí, às vezes até em cargos importantes e elevados da nossa República.
Sua mensagem é de otimismo. Você acredita que podemos sair melhores disso tudo?
Tony Bellotto – Acredito, sim, que vamos sair renovados dessa situação, como indivíduos e como sociedade. Acho que estamos aprendendo muito com esta angústia, essa aflição com a nossa relação humana e com a natureza. Acho que boas lições vão vir dessa crise terrível, que há de passar logo.
Por Affonso Nunes, Na Caixa de CD (nacaixadecd.com.br)