Em ofícios assinados neste domingo (14/6), o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou a instauração de procedimentos para apurar eventuais responsabilidades por invasões a hospitais destinados ao tratamento de pacientes com covid-19. Endereçados aos procuradores-gerais de Justiça dos estados onde, segundo divulgado pela imprensa, houve casos de invasão, os documentos pontuam que "condutas dessa natureza colocam em risco a integridade física dos valorosos profissionais que se dedicam, de forma obstinada, a reverter uma crise sanitária sem precedentes na história do país".
Ainda, conforme os ofícios, os episódios de invasão narrados pela imprensa, são graves e podem ensejar, em tese, a responsabilidade criminal dos autores. Por isso, Augusto Aras solicita que o respectivo procurador-geral de Justiça distribua o documento como notícia-crime, de acordo com as regras da unidade, para que o promotor natural adote as medidas que compreender necessárias.
Os ofícios serão enviados nesta segunda-feira (15/6). Os primeiros têm como destinatários os chefes dos MPS nos estados de São Paulo e Distrito Federal, Mario Luiz Sarrubbo e Fabiana Costa, respectivamente. No caso de São Paulo, a invasão relatada teria ocorrido no Hospital de Campanha do Anhembi, em 4 de junho. Já no Distrito Federal, a ocorrência foi em 9 de junho, no Hospital Regional de Ceilândia.
O pedido foi feito após os estados de São Paulo, Espírito Santo e o Distrito Federal registrarem que deputados e outras pessoas não identificadas entraram em unidades de saúde para verificarem se leitos estavam sendo ocupados por pacientes com covid-19.
Mais cedo, em uma mensagem publicada no Twitter, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes cobrou a apuração do caso. "Invadir hospitais é crime - estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso - para não dizer ridículo - que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública", disse o ministro.
Na quinta-feira, 11/6, em sua live semanal no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro estimulou a população a filmar hospitais dedicados ao tratamento da Covid-19, para flagrar eventuais irregularidades: "Tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não", disse o presidente. Sem apresentar qualquer prova, o presidente insinuou que os números da covid-19 estão sendo manipulados por prefeitos e governadores para "ganho político". A mesma acusação de inflar números sobre a doença foi dirigida a um antigo colaborador, o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta.
Em nota, a Associação Paulista de Medicina criticou o incentivo de Bolsonaro para que as pessoas invadam e filmem unidades de saúde, de acordo com trecho reproduzido pelo Conselho Federal de Enfermagem em seu portal oficial. "Hospitais são áreas de circulação restrita, com fluxo de pessoas orientadas para garantir rapidez, eficiência, segurança e privacidade dos pacientes assistidos. Todas as informações necessárias ao acompanhamento dos casos internados é sempre imediatamente disponível às autoridades de saúde", diz a entidade.
Entrada sem autorização de cinco deputados no Hospital do Anhembi foi caso de maior repercussão
Maior unidade do gênero no País, com capacidade para 1800 leitos, o Hospital de Campanha do Anhembri, montando pela Prefeitura da capital paulista, foi alvo da ação de maior repercussão. A entrada sem autorização prévia no hospital foi feita por deputados de oposição ao governador João Dória (PSDB). Foram eles Marcio Nakashima (PDT), Adriana Borgo (Pros), Coronel Telhada (PP), Leticia Aguiar (PSL) e Sargento Neri (Avante) — os quatro últimos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Pessoas ligadas a eles também participaram da ação, de acordo com o relato do site do Conselho Federal de Enfermagem.
O depoimento de uma enfermeira de 41 anos, cujo sobrenome foi omitido para evitar represálias, chamou a atenção em uma reportagem da BBC. uma das principais agências públicas de informação no planeta. Carla afirma que as apurações sobre supostas fraudes nas gestões de hospitais devem ser feitas por autoridades responsáveis, como a Polícia Federal. "As pessoas não podem invadir um hospital, sem qualquer permissão para filmar o local e os pacientes", declara a enfermeira, que ressalta que não é permitida a entrada de pessoas sem autorização em hospitais.
"Um dos grandes problemas é que muitas pessoas podem, como no caso dos deputados, filmar e mostrar apenas o que lhes interessa. Eles filmaram os rostos dos pacientes e causaram muito constrangimento. Depois, foram para áreas desabilitadas e compartilharam como se o hospital estivesse vazio", diz.
"Estávamos trabalhando normalmente e, de repente, chegaram essas pessoas como se estivesse acontecendo uma guerra mundial. Eles invadiram, falaram alto e desrespeitaram a todos. Foi uma situação muito ruim. Eles pensam que podem fazer isso por conta dos cargos que possuem. É assustador isso", afirma.
Os parlamentares afirmavam que o hospital estaria "vazio" e disseram que precisavam fiscalizar supostas irregularidades. A unidade de saúde é administrada pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS).
O IABAS é investigado por supostas irregularidades em contratos para administrar hospitais em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde também era responsável por hospitais de campanha. A Organização Social (OS) é um dos alvos de uma apuração sobre desvio de dinheiro da saúde, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No Rio, o Iabas teve o contrato interrompido, depois de receber um adiantamento de R$ 256 milhões dos R$ 770 milhões previstos no contrato e entregar em funcionamento apenas uma das sete unidades previstas, com metade da capacidade, o Hospital do Maracanã, na Zona Norte do Rio. Os representantes do instituto negam qualquer irregularidade.
"Eles viram pacientes em diversas áreas. Mas há partes do hospital em que não há pacientes, pois a capacidade é para 1,8 mil leitos. As áreas são abertas conforme a chegada de pacientes, porque buscamos otimizar o local", explica Carla.
"Os leitos ficam vazios e sem colchão quando não há muitos pacientes. Caso necessário, colocamos o colchão e colocamos as roupas de cama. O que alguns deles mostraram nos vídeos foi o esqueleto de um setor que estava sem pacientes naquele momento e disseram que todo o hospital estava vazio", critica ela.
Depois da ação no Anhembi, os deputados criticaram o hospital de campanha. "O governo quer alugar leitos de hospitais privados e vemos esta estrutura inoperante", disse Nakashima. Ele classificou a unidade de saúde como "um exemplo de má gestão dos recursos públicos".
Após a ação dos parlamentares, a Prefeitura de São Paulo divulgou nota informando que os deputados filmaram áreas desativadas, mas prontas para serem postas em funcionamento quando necessário. A gestão criticou a postura dos deputados e afirmou que eles filmaram pacientes sem autorização prévia, muitos durante o período em que estavam sendo higienizados em seus leitos. Na data em que os deputados foram ao local, segundo a Prefeitura, 397 dos 1,8 mil leitos disponíveis no hospital estavam ocupados.