O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) requereu nesta segunda-feira (29/06) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de Reclamação, o deferimento de medida liminar para cassar a decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) que estendeu foro por prerrogativa de função ao senador Flávio Bolsonaro em âmbito estadual. O MPRJ requer a autorização para a continuidade das investigações contra Flávio Bolsonaro pelos fatos ocorridos enquanto deputado estadual, em primeiro grau, com a atribuição do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC/MPRJ) e sob a supervisão das medidas do Juízo da 27ª Vara Criminal da Capital (TJRJ).
De acordo com o documento encaminhado ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, o julgado da 3ª Câmara Criminal do TJRJ, proferido na última quinta-feira (25/06), nos autos do HC nº 0011759-58.2020.8.19.0000, descumpriu as decisões proferidas pelo STF na RCL nº 32.989/RJ, no julgamento do mérito da ADIN n. 2.797/DF, e na decisão pertinente ao julgamento da questão de ordem da Ação Penal (AP) 937, usurpando, assim, a competência da Suprema Corte para definir os limites do foro por prerrogativa de função de senadores da república e estendeu foro por prerrogativa de função a ex-ocupante do cargo de deputado estadual.
A Reclamação proposta é cabível porque a decisão em questão desrespeitou decisões monocráticas e colegiadas da Corte Suprema. Além da medida liminar, o MPRJ também requer a declaração de nulidade do acórdão da 3ª Câmara Criminal. O recurso foi elaborado por meio da Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos e da Assessoria de Recursos Constitucionais Criminais (ARC Criminal/MPRJ).
No caso específico, o MPRJ busca garantir a autoridade e a eficácia da decisão proferida pelo ministro Marco Aurélio Mello nos autos da Reclamação nº 32.989 que estipulou que o senador Flávio Bolsonaro não possui foro por prerrogativa de função concernente a fatos investigados pelo MPRJ. O julgamento do HC também se mostrou atentatório à autoridade de coisa julgada constitucional decorrente do julgamento da ADIN 2.797/DF que reconheceu como inconstitucional a Lei 10.628/2002 que criou foro por prerrogativa de função para ex-ocupantes de cargos públicos, ressuscitando a anteriormente cancelada Súmula n. 394 da jurisprudência dominante do STF.
O julgamento da Corte Estadual, ainda segundo o documento, também limitou o alcance de outra decisão do STF, proferida em Questão de Ordem na Ação Penal nº 937, tendo criado, indevidamente, uma nova exceção à mitigação do alcance do foro privilegiado estabelecido pela Suprema Corte que só teria aplicação para senadores oriundos do Rio de Janeiro.
A decisão do TJRJ, ainda de acordo com o recurso do Ministério Público fluminense, contraria diversos precedentes jurisprudenciais dos Tribunais Superiores, que, apreciando situações análogas, sempre se pautaram pelo entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, além de ferir o basilar princípio da isonomia. Ou seja, senadores da República oriundos do Rio de Janeiro que já tivessem ocupado outros cargos públicos com foro por prerrogativa no TJRJ e que fossem investigados ou acusados por condutas típicas cometidas no exercício dos cargos anteriores manteriam foro por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça e decorrente do cargo não mais ocupado.
Portanto, sempre de acordo com o recurso do MPRJ, a decisão da 3ª Colenda Câmara Criminal promoveu uma 'inovação' indevida em nosso ordenamento, pelo que não merece prosperar”, descreve trecho do documento que acrescenta ter a decisão acabado por conferir uma vantagem de cunho pessoal, privilégio esse incompatível com o estado republicano.
Histórico revela sucessivas tentativas de garantir foro privilegiado para o senador Flávio Bolsonaro
A primeira medida tomada pelos advogados do senador Flávio Bolsonaro, após ser notificado para prestar depoimento perante o MPRJ sobre os fatos investigados no PIC/MPRJ nº 2018.00452470 foi alegar que possuiria foro por prerrogativa de função perante o STF e, em 16 janeiro de 2019, o senador ajuizou a Reclamação nº 32.989 perante o Supremo.Inicialmente o ministro Luiz Fux, em regime de plantão, suspendeu o curso da investigação até que o ministro relator se pronunciasse “quanto ao pedido de avocação do procedimento e de declaração de ilegalidade das provas que o instruíram”.
Ao receber os autos o ministro Marco Aurélio, em 1º de fevereiro de 2019, negou seguimento à Reclamação. A investigação formalizada no PIC/MPRJ nº 2018.00452470 prosseguiu regularmente sob a supervisão do Juízo da 27ª Vara Criminal da Comarca da Capital quanto às diligências submetidas à reserva de jurisdição.
Em 28 de agosto de 2019, os advogados do senador, apesar de cientes da decisão do STF sobre a inaplicabilidade da prerrogativa de foro, impetraram o HC nº 0054306-50.2019.8.19.0000 perante o TJRJ alegando que caberia ao Órgão Especial do TJRJ julgar o atual senador da República, pois os fatos investigados foram praticados durante o exercício do mandato de deputado estadual, apesar do mandado já findado.
A desembargadora Mônica Tolledo de Oliveira indeferiu a medida liminar em 02 de setembro de 2019, fundamentando sua decisão em precedentes do STF e, em especial, na decisão da Questão de Ordem da Ação Penal nº 874/DF, quando o Superior Tribunal de Justiça remeteu para a primeira instância a ação que tramitava naquela Corte em face do governador Wellington Dias.
Após a desistência por parte dos impetrantes, o habeas corpus foi extinto em 1º de outubro de 2019. Em 02 de março de 2020 os advogados do senador insistiram e renovaram a alegação de foro privilegiado para o senador ao impetrar o habeas corpus nº 0011759-58.2020.8.19.0000, que culminou com o julgamento pelo Colegiado da 3ª Câmara Criminal do TJRJ cuja validade ora se contesta.
Fonte: Site do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro