Soava o sinal de início da aula de matemática na Faetec de Quintino. Enquanto isso, em algum quartel do Corpo de Bombeiros, disparava o sinal de chamada para mais uma das muitas emergências que desafiam os bombeiros militares. Aquele parecia ser mais um dos muitos dias comuns do ano de 2006, porém alguma coisa de diferente começava a acontecer na vida de um menino de doze anos chamado Julio Sobral, como também no cotidiano da professora de matemática Márcia Queiroz.
O burburinho na sala de aula rolava até a professora Márcia chegar. O panorama mostrava que a mistura de letras, números e símbolos com figuras de várias formas causava um certo temor aos estudantes. Entretanto, o que parecia ser um ponto de distanciamento entre o interesse do aluno para com o aprendizado da matemática, ganhou o traço da intercessão. À frente do quadro, o olhar da exigente, mas carismática e simpática, professora encontrou o brilho dos olhos daquele que se sente bem com a ciranda de números da matemática. Era um garoto de baixa estatura e que carregava diante dos olhos seus óculos de grau forte.
A professora entendeu que aquele guri, filho de uma funcionária que atuava na Faetec, tinha uma admiração e uma compreensão diferenciadas pela matemática. Com inteligência e dedicação fora da média da turma, o adolescente percebeu que, se sofria bullying dos colegas por ser considerado um CDF, um nerd, por outro lado podia contar com o amparo, a capacidade e o amor de ensinar da professora Márcia. A partir desse entendimento, Julio Sobral passou ser a sombra dela pelo Campus da Faetec.
Entendimento e prazer da Matemática
Certo na escolha, o guri foi absorvendo o entendimento e o prazer de estudar a matemática de forma divertida e prazerosa. As notas, sempre altas, o habilitavam nas Olimpíadas de Matemática como forte concorrente. Nesse momento, o anjo da guarda dele, a professora Márcia, teve atuação exemplar. Durante a prova, o sinal disparou anunciando o final do exame. Quando iniciou o movimento de recolher as provas, o garoto franzino se agarrou ao caderno de questões, argumentando que ainda havia tempo para o final das questões. Observando aquele movimento anormal, a professora Márcia concordou com o estudante e disse que ficaria com ele até o final estabelecido pelo regulamento em âmbito nacional do concurso.
Márcia Queiroz ganhou um lugar muito especial no coração do garoto. Sempre driblando dificuldade, ele e a mãe, Tânia Cardoso, seguiram no objetivo de fazer a diferença. Eles contaram com o amparo da professora em todos os sentidos. Márcia foi luz no caminho de filho e da mãe. O menino seguiu firme nos estudos, sempre se destacando.
Mas chegou a hora de buscar outros ventos e ele conquistou outra vaga, desta vez no Colégio Militar. Nesse novo cenário escolar, o adolescente sentiu que precisava se dedicar muito mais para cumprir a missão com louvor. O sinal de emergência soou tão forte no peito do estudante quanto no quartel do Corpo de Bombeiros. Guerreiro, o rapaz foi buscar o resultado. Conseguiu as notas e concluiu bem o ensino médio. Como já havia ocorrido na Faetec, a professora Márcia foi a sua madrinha.
Aprovação
A luta por dias melhores seguia. O guri cresceu. Já rapaz, buscava uma oportunidade na Escola de Oficiais do Corpo de Bombeiros. Julio Sobral prestou concurso para as escolas militares, mas o grau elevado da deficiência visual o impedia de ingressar. Obstinado em seguir a carreira do avô e do pai, o concurseiro tentou mais uma vez. Aprovado nas provas teóricas, o desafio seria vencer os demais exames.
Decidido, ele partiu para uma atitude extremada. Sabendo que o problema visual o levaria à derrota, Julio partiu para a cirurgia. Por questão de tempo, ele encarou a operação nos dois olhos ao mesmo tempo. O mais comum é fazer a cirurgia em um olho e depois esperar a recuperação para partir para a intervenção cirúrgica no outro olho. Guerreiro, assim foi feito. Foi possível a recuperação em tempo de participar do exame físico. Como estratégia, aceitou a sugestão do pai oficial bombeiro. Ele disse: "segue o rastro do primeiro colocado. Tanto na corrida, quanto na prova de natação".
O grande dia havia chegado. A professora Márcia seguia em oração para que tudo saísse da melhor forma possível. Ela estava diante de um exemplo de que o professor tem papel fundamental na vida do aluno. O ex-aluno dela, aquele garoto franzino, CDF, nerd, que sofreu com as encarnações dos colegas, estava diante de um grande desafio. O competidor colocou em prática a estratégia elaborada pelo seu pai. Assim, conseguiu realizar uma boa prova e foi aprovado. Lágrimas desenharam o rosto de todos.
Bombeiro que cursa Matemática
Três anos depois, ao final do curso de Oficiais do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, o aspirante escolheu mesma professora que ele conheceu aos 12 anos e a seguiu como modelo de dedicação para ser sua madrinha na formatura. “Nos conhecemos no ensino fundamental, ela me ajudou a estudar para ingressar como aluno do Colégio Militar e dali em diante me acompanhou e me acompanha durante toda a minha carreira profissional e acadêmica. Foi e sempre será rainha de todas as minhas formaturas, assim como minha amiga pessoal”, destaca o agora tenente Bombeiro Sobral, comandante do Destacamento de Bombeiros Militares de Seropédica e, atualmente, cursando licenciatura em matemática pela Universidade Federal Fluminense (UFF), não por acaso.
A professora Márcia Queiroz emociona-se e fica com o coração cheio de orgulho ao falar do rapaz lutador, resultado da boa educação escolar e familiar. “A vida de cada aluno vale o meu tempo de minha trajetória como professora. Cada instante desse encontro precisa ter sentido e impregnado de muito amor. Então, quando um aluno como o Julinho supera as dificuldades do caminho, com tanta garra, entrega e atinge o seu objetivo, é aí que a magia da educação acontece: a missão foi cumprida e a felicidade dele é a minha”, define, com os olhos brilhando.
A mãe do bombeiro, Tânia Cardoso, explica a receita da educação que deu resultado na formação de estudante e de cidadão do filho. “Desde pequeno sempre dei limites e responsabilidades para o meu filho. Uma delas era o compromisso com os estudos. Ele tinha um roteiro a seguir. Havia hora para tudo: brincar, comer, dormir e, principalmente, estudar. Eu sabia que o único caminho para vencer na vida seria através do estudo. Só sobe a escada quem estuda”, conta ela, com a voz embargada.
Tânia comenta também que foram feitos muitos sacrifícios ao longo da vida escolar de Julio. Até mesmo para comprar livros paradidáticos. Nesses momentos, a professora Márcia estava presente. “Ela via no meu filho uma esperança. A professora Márcia parecia olhar lá na frente e nos ajudava no que era preciso”, conta. Com emoção, a mãe recorda uma passagem inesquecível. “Me lembro quando havia os passeios da escola e eu não podia pagar para o Julio ir. A Márcia sempre fazia gincana e, quem ganhasse o prêmio, receberia o ingresso do passeio. Em outras vezes, iria ao passeio sem custo quem tirasse a melhor nota. Meu filho sempre conseguia”, revela.
Julio sempre agradece a atitude de solidariedade e amor ao próximo da professora Márcia. A matemática divertida e prazerosa da professora Márcia levou o oficial bombeiro a também estudar a graduação na universidade. "Ela sabe o quanto eu caminhei para chegar aqui. Eu a amo, ela é motivo de minha inspiração. Logicamente, estou seguindo a carreira de professor graças a ela”, declara Julio.
Um dos sentimentos nobres é a gratidão. A mãe do ex-aluno de Márcia Queiroz se emociona ao falar sobre ela. “Tenho muito a agradecê-la. Sinto-me orgulhosa dela ter sido 'a' professora do meu filho. Ela tornou-se amiga e madrinha de todas as formaturas do Julio, sempre o incentivou e o acompanhou em todas as conquistas. Hoje, inspirado nela, quer lecionar a disciplina”, finaliza Tânia Cardoso.