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Doadores voluntários descobrem a realidade invisível da população de rua

Membros do Projeto Só Vamos relatam trajetórias individuais de pessoas esquecidas desde antes da pandemia

Por Cláudio Rangel em 26/07/2020 às 11:56:43

Foto: Divulgação

A pandemia da covid-19 tornou a realidade das pessoas que vivem em situação de rua ainda mais difícil, pois o isolamento social e o desemprego atingiram também, de modo duro, os cidadãos que prestavam auxílio humanitário a essas pessoas. Os poucos que ainda integram grupos mobilizados descobrem a cada dia a diversidade de situações que envolvem os "invisíveis" da sociedade. Cada história é uma bomba.

Descobrir as realidades pessoais dos moradores da rua faz parte da rotina de final de semana de Ronaldo Ferreira, criador do Projeto Só Vamos. Hoje (26), ele participa de mais uma entrega de alimentos a pessoas que vivem pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro. Serão 350 refeições, além de água, frutas, cobertores, e muita ajuda de voluntários.

A ação de cada dia começa, na verdade, bem antes. No dia anterior, a equipe se dividiu entre o Ceasa, para a aquisição dos itens a serem distribuídos e a visita a farmácias e a possíveis doadores.

Enquanto preparava a ação, Ronaldo Ferreira encontrou um tempo para falar ao Portal Eu, Rio! sobre a atividade:
"No começo da pandemia, vendo as pessoas nas portas dos supermercados e farmácias, pedindo ajuda em dinheiro e alimentos, tomei a iniciativa de fazer um post no Instagram e convoquei alguns amigos para fazermos algo por essas pessoas", conta.

Além de alimentos
Enquanto organizações não governamentais e grupos da sociedade se direcionam para ajudar as comunidades cariocas, o grupo Só Vamos foca em auxiliar os moradores das ruas do Centro. O motivo foi a redução da ajuda dada a essas pessoas, antes prestada pelos trabalhadores da região que se viram na obrigação de ficar em casa durante a quarentena. Foi quando Ronaldo e o grupo de amigos começaram a perceber as diferentes realidades de cada indivíduo da rua.

"Iniciamos um trabalho de formiguinha, que era de levar refeições e água a essas pessoas, mas ao longo do projeto vimos que eles tinham outras demandas que não se resumiam a comida. Nas ruas, a carência vai além da questão financeira. Também envolve afeto, atenção, dificuldade e mil obstáculos para conseguir documentos, benefícios e emprego. Então, abraçamos essa missão e estamos levando a eles mais do que só a comida que vai matar a fome naquele dia", salienta.

Além de oferecer alimento, o grupo auxilia a regularizar os documentos desses moradores de rua, bem como ajuda na obtenção do auxílio emergencial e do bolsa família, além de retornar as pessoas às suas cidades de origens. "O projeto inicialmente era pra suprir uma carência que 'descobrimos' durante a pandemia, mas pretendemos manter e dar continuidade enquanto formos capazes", explica Ronaldo.

Voluntários
A funcionária pública do TJRJ, Michelle Ferreira, é voluntária do grupo Só Vamos. Ela revela que, em três meses de atividade, o grupo distribuiu mais de quatro mil refeições, além de água e kits de higiene, além de centenas de cobertores, ração canina, roupas e calçados.

"Tudo é custeado a partir de doações da sociedade civil e da divulgação nas redes sociais. Com o decorrer das ações, percebemos a necessidade de ampliar a atuação do grupo, para orientar e auxiliar os assistidos na obtenção de documentos, pois muitos sequer possuíam RG e CPF. Alguns deles já conseguiram até receber o auxílio emergencial", declarou.

Michelle gravou uma rápida entrevista para o Portal Eu, Rio!, que pode ser ouvida no áudio em anexo desta reportagem e na Rádio Eu, Rio! (eurio.com.br)



Ouvidos para escutar

O grupo conta com o apoio de uma assistente social, para providenciar vagas em abrigos e a inscrição em cadastros para benefícios sociais:
"Mas, além disso, percebemos que a necessidade mais urgente dos assistidos é a escuta. Acostumados a viver sob um 'manto de invisibilidade', suas histórias individuais são ignoradas. As pessoas em situação de rua ainda são vistas como se fossem um corpo homogêneo, que muitas vezes causa repulsa e temor. Mas cada um tem uma trajetória única. Passamos a acompanhar cada assistido individualmente, semana após semana, e assim, uma relação de confiança foi se estabelecendo", disse Ronaldo.

E o resultado da ação de ajuda humanitária do grupo Só Vamos começa a surgir. Michelle cita o caso do Wallace, morador da praça do metrô Estácio, que estava com um quadro grave de desnutrição, diarreia e tuberculose.
"Apesar de toda a relutância do Samu, que sequer queria transportá-lo para o hospital, Wallace foi internado e segue sob cuidados médicos, mesmo com várias ameaças de alta hospitalar, apesar de o rapaz não conseguir sequer ficar de pé sozinho".

Michelle cita outros exemplos, como o de Ronaldo, que vive embaixo do Viaduto da Paulo de Frontin. A necessidade dele é completar a leitura dos livros da série Harry Potter. O grupo conseguiu a doação do volume quatro da série. As histórias de Dona Rita, que precisa de leite em pó pra netinha; do senhor Álvaro, cuja banca de doces no Campo de Santana foi roubada, além das histórias dos muitos que viviam no local e foram vencidos pela covid-19.
"Enfim, são inúmeras histórias de vida e nenhuma é igual à outra. O mais importante para nós é justamente enxergar, compreender e atender, sem julgamento, a cada pessoa como um indivíduo merecedor de todo nosso respeito e afeto", diz Michelle.

Por Cláudio Rangel
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