O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, nesta quinta-feira (20), medida cautelar para suspender qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública que tenha por objetivo produzir ou compartilhar informações sobre a vida pessoal, as escolhas pessoais e políticas e as práticas cívicas de cidadãos e de servidores públicos federais, estaduais ou municipais identificados como integrantes do movimento político antifascista, além de professores universitários e quaisquer outros que exerçam seus direitos políticos de se expressar, se reunir e se associar, dentro dos limites da legalidade.
A decisão, por maioria, foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 722, ajuizada pela Rede Sustentabilidade para questionar investigação sigilosa que teria sido aberta pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública contra um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários identificados como integrantes do "movimento antifascismo". A iniciativa do partido foi motivada por notícia veiculada na imprensa informando que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça teria produzido um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas, todos críticos do governo do presidente Jair Bolsonaro, e distribuído um relatório às administrações públicas federal e estaduais.
Prevaleceu o entendimento da relatora da ADPF 722, ministra Cármen Lúcia, de que a coleta de informações para mapear as posições políticas de determinado grupo ou identificar opositores ao governo configura desvio de finalidade das atividades de inteligência.
Confira, abaixo, como votaram os demais ministros.
Ministro Alexandre de Moraes
Primeiro a votar na sessão desta quinta, o ministro Alexandre de Moraes observou que, embora os dados enviados ao STF mostrem um relatório precário, em sua grande maioria, com informações de acesso público retiradas da internet, é preocupante que os dados referentes à posição política de policiais tenham sido remetidos aos comandos das polícias estaduais. “Não é permitido a nenhum órgão bisbilhotar, fichar ou estabelecer classificação de qualquer cidadão e enviá-los para outros órgãos”, afirmou. “Relatórios de inteligência não podem ser utilizados para punir, mas para orientar ações relacionadas à segurança pública e do Estado”.
Ministro Edson Fachin
No entendimento do ministro, os documentos anexados à ADPF mostram um aparente desvio de finalidade na elaboração dos relatórios, pois o direito à livre manifestação e à liberdade de expressão e o direito ao protesto não estão na órbita da infração penal ou de investigação criminal. “A administração pública não tem, nem pode ter, o pretenso direito de listar inimigos do regime. Só em governos autoritários é que se pode cogitar dessas circunstâncias”, disse.
Ministro Luís Roberto Barroso
O ministro observou que, no passado recente do país, foram registrados diversos episódios da utilização indevida de órgãos de inteligência para encobrir crimes cometidos no âmbito do governo e que a simples possibilidade da volta dessa prática no estado democrático brasileiro é preocupante. “Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários é completamente incompatível com a democracia, a menos que se tivesse qualquer elemento para supor que eles tramavam contra o Estado ou contra as instituições democráticas”, frisou.
Ministra Rosa Weber
No entendimento da ministra, apesar do seu caráter essencial, para que a atuação dos órgãos de inteligência seja considerada lícita, é necessário que esteja vinculada a fato ou evento relevante para a segurança do Estado. Para a Rosa Weber, configura grave desvio de finalidade da administração pública a utilização do aparato institucional de inteligência com a finalidade de dissimular a produção de material viciado tanto no conteúdo, por violar direitos e garantias fundamentais, quanto na motivação, incorrendo em confusão entre interesses públicos do Estado e interesses políticos. “O poder arbitrário, sem o freio das leis, exercido no interesse do governante e contra os interesses dos governados, o medo como princípio da ação, traduzem as marcas registradas da tirania”, afirmou.
Ministro Luiz Fux
O ministro destacou que o Supremo tem dado exemplos significativos de que liberdade de expressão é algo inerente à democracia. “Uma investigação enviesada, que escolhe pessoas para investigar, revela uma inegável finalidade intimidadora do órgão de investigação, inibe servidores públicos e professores e difunde a cultura do medo”, afirmou.
Ministro Ricardo Lewandowski
Na avaliação do ministro, o Estado pode, legitimamente, exercer atividades de inteligência, para garantir a segurança nacional e a estabilidade das instituições republicanas. Essas ações, de acordo com a Constituição, estão acobertadas por sigilo, salvo para o Judiciário. “O que não se admite, num Estado Democrático de Direito, é a elaboração de dossiês sobre cidadãos dos quais constem informações sobre suas preferências ideológicas, políticas, religiosas, culturais, artísticas ou, inclusive e especialmente, de caráter afetivo, desde que licitamente manifestadas”, afirmou.
Ministro Gilmar Mendes
O ministro também ressaltou que a utilização dos instrumentos de inteligência é prerrogativa de Estado e não deve servir para monitorar adversários políticos. Com base em informações sobre o “pedido de busca” em que foi solicitada a produção de informações sobre agentes antifascistas no Rio de Janeiro e em outras unidades da federação, ele considera possível concluir que esses relatórios tenham sido produzidos durante grande parte do tempo de instalação do atual governo. “Além da violação à liberdade de expressão e informação das pessoas monitoradas, os atos são incompatíveis com o princípio fundamental do pluralismo político”, disse Mendes.
Ministro Dias Toffoli
O presidente do STF salientou a necessidade de impor parâmetros à atuação dos órgãos de inteligência para que se dê sempre dentro dos limites da Constituição e das leis e observou que a produção do relatório questionado na ADPF ocorreu antes que o atual ministro da Justiça assumisse o cargo. De acordo com Toffoli, o ministro André Mendonça atuou de forma transparente na tramitação da ação, fornecendo todas as informações solicitadas.
Ministro Marco Aurélio
Único a divergir, o ministro, preliminarmente, considerou inadequada a ação impetrada pela Rede. Segundo ele, a questão poderia ser objeto de um habeas data, caso o Ministério da Justiça não fornecesse as informações requisitadas. No mérito, o ministro votou pelo indeferimento da medida acauteladora, pois considera que o alegado risco de que se mantenha a produção de relatórios semelhantes não é relevante para justificar a concessão da cautelar, pois o documento está mantido em sigilo. Ele argumentou, ainda, que a matéria é estritamente política e que o controle sobre a atuação do Estado nesse campo deve ser feito pelo Congresso Nacional, que tem poderes para convocar ministros da área para que expliquem eventual desvio.