"Eu queria ser dono dela. Homem tem que dar as ordens". A certeza do ajudante de obras X, de 30 anos, deu lugar ao arrependimento por agredir a companheira depois de 4 anos de união e duas filhas – ele a considerava uma ‘propriedade’. A última, de várias agressões, aconteceu por ciúmes no meio da rua na saída de uma festa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Para sorte da vítima, uma pessoa flagrou o agressor dando um soco na mulher e chamou a polícia.
O caso de X é apenas um, entre muitos, de agressores que atentaram contra mulheres e acabaram encaminhados à Escola de Homens na comarca de Nova Iguaçu-Mesquita. Previsto na Lei Maria da Penha, o grupo reflexivo retomou suas atividades nesta segunda-feira (31/08). Em função da pandemia, o trabalho da escola do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) ficou suspenso por cinco meses e foi reformulado para atender a demanda que aumentou nesse período.
As aulas, que aconteciam 2 vezes por semana com grupos de 15 homens por 2 horas por um período de 2 meses, vão acontecer todos os dias em grupos de 6 pessoas para melhor atender aos participantes. Criada em 2009, a Escola de Homens já acolheu mais de 1.700 alunos e registra reincidência menor que 8% desde que foi estabelecida.
De acordo com o titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Nova Iguaçu-Mesquita, juiz Octávio Chagas de Araújo Teixeira, o objetivo é coibir o número de reincidência e estimular o rompimento do comportamento agressivo com o auxílio de uma equipe técnica composta por psicólogos e assistentes sociais:
- A metodologia é baseada em reflexões sobre assuntos que funcionam como gatilhos para a violência. Abordamos sobre a ausência de empatia, falta de diálogo, sentimentos como a raiva, desnaturalização da violência doméstica, desconstrução da masculinidade tóxica, por exemplo. Além disso, falamos sobre conceito de gênero, que desencadeia outros temas como orientação sexual, identidade de gênero e homofobia, e a violência de gênero, tópico no qual trabalhamos a inversão de papéis sociais – informa o magistrado.
Os autores da violência doméstica são encaminhados por determinação judicial. A partir daí, eles passam por uma entrevista preliminar com o objetivo de levantar o perfil socioeconômico, demandas e necessidades. Após essa identificação, o encaminhamento é feito. De acordo com o magistrado, em um primeiro momento o homem apresenta, em geral, resistência em participar das aulas.
- O agressor inicia o curso desconfiado e aos poucos vai mudando de comportamento até encontrar uma alternativa que não seja a violência. A mudança é consequência da forma respeitosa com a qual é recebido e tratado durante todos os encontros. Lembrando que não é porque são acolhidos que não serão responsabilizados – ressalta.
Joelma Perruti, psicóloga da equipe multidisciplinar do Juizado de Violência Doméstica de Nova Iguaçu-Mesquita, aborda desde 2012 nas aulas as razões pelas quais o marido não pode agredir uma mulher. Ela desenvolve um trabalho de reflexão através de temas relacionados à violência doméstica de acordo com o perfil do grupo, que tem a faixa etária entre 25 e 50 anos.
- Procuro mostrar o quanto a atitude deles causa dor em uma mulher e que de nenhuma forma a gente tem que passar por violência doméstica. O aluno precisa refletir sobre como ele acha que é visto pelas pessoas e o que ele realmente sente ser. Sempre digo aos participantes: pior do que as discussões, é o tom dessa conversa e o desrespeito à opinião do outro. Não me permito levantar a voz com qualquer um deles e nunca fui desrespeitada. É preciso mostrar a possibilidade discutir, sem nos agredirmos – observa a psicóloga.
Após participar da Escola de Homens, X. aprendeu que qualquer violência contra a mulher é inaceitável.
- Com o curso descobri outras possibilidades de me relacionar sem que não seja através da violência. Graças às aulas consegui melhorar meu comportamento e pretendo, com isso, me aproximar das minhas filhas.
Os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher surgiram com a Lei 11.340/06, mais conhecida como "Lei Maria da Penha". Em junho de 2007, o TJRJ inaugurou os dois primeiros Juizados, sendo um no Centro e o outro em Campo Grande. Em virtude da demanda, foram criados núcleos em Jacarepaguá e em Nova Iguaçu.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro