Em um século de história e produção científica, os números alcançados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro impressionam. A UFRJ é considerada a 2ª melhor universidade do Brasil e a 3ª da América Latina, tem cinco áreas de estudo entre as 100 melhores do mundo (antropologia, arqueologia, arquitetura/ambiente construído, estudos de desenvolvimento e línguas modernas), oferta 176 cursos de graduação, sendo 24 cursos noturnos e quatro a distância. No total, são oferecidas, por ano, 9 mil vagas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), com as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Atualmente, a UFRJ conta com 53,5 mil estudantes de graduação.
Criada em 1920 com o nome de Universidade do Rio de Janeiro, a instituição surgiu da fusão de três escolas criadas depois da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808: a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, da área de engenharia, a Faculdade Nacional de Medicina e a Faculdade Nacional de Direito. Na década seguinte, se somaram a Escola Nacional de Belas Artes e a Faculdade Nacional de Filosofia, sob o nome de Universidade do Brasil.
Para comemorar a data, a instituição lançou o documentário 'Centenária: a Universidade do Brasil entre duas pandemias', às 17h de segunda, na página da universidade no YouTube. O documentário, resumido em um videoclipe com a narração do ator Matheus Natchergaehle, abre com a lembrança de que a universidade surgiu quando a cidade se recuperava do pesadelo da gripe espanhola, e completa seu centenário empenhada na busca de soluções contra a Covid-19. Ouça os depoimentos de artistas e a versão de Ciência & Arte, de Cartola e Carlos Cachaça, em comemoração à trajetória centenária da universidade, no podcast do Eu, Rio! (eurio.com.br)
A abertura da cerimônia contou com a apresentação da Orquestra Sinfônica da UFRJ. Para a terça-feira (8/9), estão programadas, a partir das 8h40, mesas de debates, apresentações e intervenções artísticas de diversos departamentos, começando pelo Museu Nacional, a mais antiga instituição científica ainda em funcionamento no País, cujo acervo foi parcialmente destruído por um incêndio em setembro de 2018.
Produção científica é um dos trunfos da Universidade, a primeira a ser fundada no Brasil
O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ, é o maior centro de ensino e pesquisa em engenharia da América Latina - Coppe/UFRJ/Direitos reservados
Na pós-graduação são 15,7 mil estudantes, em 200 cursos de especialização lato-sensu, 130 de mestrados acadêmico e profissional e 94 de doutorado. O corpo de profissionais conta com 4.218 docentes, 3.611 técnicos-administrativos que atuam em hospitais e 5.542 técnicos-administrativos nas demais unidades da UFRJ. Na área de extensão universitária, são 1.863 projetos pedagógicos, atividades artísticas e cursos para a população.
A UFRJ conta com 14 prédios tombados como patrimônio histórico, 1.456 laboratórios, 45 bibliotecas, 13 museus e nove unidades de saúde. A instituição abriga o maior centro de ensino e pesquisa em engenharia da América Latina, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), e o tanque oceânico mais profundo do mundo para testes de equipamentos da área de petróleo e gás offshore.
Pandemia exigiu respostas, com readaptação de pesquisas e troca das aulas presenciais por remotas
Uma das principais instituições científicas do país, a UFRJ se adaptou rapidamente para responder às demandas urgentes da sociedade com a pandemia de covid-19. A reitora, Denise Pires de Carvalho, explica que a capacidade de pesquisa e adaptação vem da longa jornada em busca da excelência científica pela instituição.
"Nós não tínhamos nenhum grupo de pesquisa trabalhando com coronavírus na UFRJ. Nenhum. E temos agora mais de 120 projetos de pesquisa em coronavírus em menos de 6 meses. Isso é a característica de uma instituição de pesquisa, ela responde rapidamente às demandas da sociedade. Um grupo que trabalhava com zika, com HIV, agora está trabalhando também com coronavírus. Se esse grupo não existisse, era praticamente impossível termos os novos teste sorológicos", avalia.
Um desses grupos de pesquisa é o do professor Jerson Lima, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, que trabalha com proteínas envolvidas no câncer e proteínas de vírus como o Zika e o da Influenza. Com a pandemia, o foco se voltou para o SARS-CoV-2, vírus que causa a covid-19, e o resultado é um soro produzido por cavalos com cem vezes mais anticorpos do que o de pacientes da doença. O material pode auxiliar no tratamento da covid-19, assim como o soro antiofídico funciona para picada de cobra e o soro antirrábico para mordida de animais.
"A vacina é uma imunização ativa, usa o vírus ou pedaço do vírus e vai gerar a resposta imune, os anticorpos. O soro é uma imunização passiva. Nós estamos imunizando os cavalos, para nossa surpresa, eles estão produzindo muito anticorpo. Esse material é processado para ficar só com uma parte do anticorpo, que reage com o vírus. Provavelmente, ele vai servir para tratar aquele paciente que foi para a enfermaria, está recebendo um pouco de oxigênio suplementar e o soro vai ter um efeito importante de combater a infecção", explica o professor.
O potencial do tratamento foi verificado em testes pré-clínicos, feitos em laboratório, e, no momento, a equipe dialoga com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os testes clínicos, com pacientes, onde será verificada a eficácia, dosagem e recomendação do tratamento.
Déficit alcançou R$ 150 milhões ano passado, e corte para ano que vem chega a R$ 65 milhões
Em meio a enormes desafios, principalmente, a pandemia de covid-19, e inúmeras contribuições para as ciências e a pesquisa no país, em todas as áreas de conhecimento, a UFRJ enfrenta cortes de orçamento e dificuldades para manter a infraestrutura de pesquisa conquistada e consolidada neste século de história. Segundo a reitora, os cortes orçamentários dos últimos anos fizeram o déficit da UFRJ alcançar R$ 150 milhões no ano passado, com perspectivas de a universidade receber R$ 65 milhões a menos em 2021.
"Se hoje nós temos orçamento para 10 meses de funcionamento, em 2021 nós teremos esse orçamento para 8 meses. Então, imagina um hospital que tem CTI covid, que tem enfermaria covid ter que fechar essas áreas porque não pode pagar a limpeza das enfermarias por quatro meses. Tem laboratórios de pesquisa cultivando coronavírus, sequenciando, desenvolvendo vacinas, que vão gerar riqueza para o país, tendo que ser fechados porque não há limpeza nos laboratórios", explica Denise.
O professor Jerson Lima, que também preside a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), destaca que a falta de investimento em ciência, tecnologia, pesquisa e inovação no Brasil, cujo momento mais crítico foi em 2016, levou à volta da "fuga de cérebros" do país, com pesquisadores buscando melhores condições de trabalho na Europa ou nos Estados Unidos.
"Poderíamos ter muito mais estudos se tivéssemos uma infraestrutura melhor de laboratórios com biossegurança. Tudo isso é um custo, precisa ter o investimento, na formação de pessoal, nos pós-doc. A gente perde muitos talentos. Uma pessoa que quer trabalhar com técnicas como edição genômica, aqui a gente poderia ter mais, mas isso requer recursos. Os cientistas brasileiros competem com os cientistas americanos, europeus, só que lá eles têm condições muito melhores".
Ele compara o investimento feito no Instituto Nacional de Saúde americana (NIH), que tem um orçamento de US$ 35 bilhões, com o orçamento de todo o Ministério de Ciência e Tecnologia, de R$ 7,36 bilhões em 2020.
"Você não tem como ter desenvolvimento econômico e social sem investir na inovação, em pesquisa e desenvolvimento. Desde a pesquisa base, as pessoas estão entendendo isso agora com a pandemia, a pesquisa aplicada é uma consequência do que você entende da pesquisa básica. Se a gente não entender como o vírus age quando infecta a célula, em que receptor que ele se liga, conhecer exatamente como é a doença em termos básicos, você não vai poder fazer vacina, ou soro, ou medicamento", destaca.
Reforma de Getúlio Vargas iniciou modelo mais integrado de ensino e pesquisa, na década de 1930
A professora Marieta de Moraes Ferreira, do Instituto de História da UFRJ, explica que, apesar de a Universidade do Rio de Janeiro ter sido criada em 1920, a instituição só passou a funcionar como uma universidade, com integração interdisciplinar, após a reforma educacional instituída por Getúlio Vargas a partir de 1930, que tinha entre os pensadores que defendiam a educação pública, laica e gratuita nomes como Anísio Teixeira e Afonso Arinos.
"Em 1931 tem uma reforma educacional, com a preocupação de reestruturar a educação básica e também de colocar em pauta o desejo de fazer com que aquela antiga universidade se tornasse real. É criada em 1937 a Universidade do Brasil, que vai de fato integrar a faculdade de medicina, direito, engenharia e mais outras escolas que estavam sendo criadas naquele momento. Dois anos depois, em 1939, é criada a Faculdade Nacional de Filosofia, que tinha como objetivo formar professores para a educação básica, de todas as disciplinas".
De acordo com a historiadora, o nome UFRJ é adotado em 1967, após outra reforma universitária. A universidade participava dos debates sobre as reformas de base no começo da década de 1960 e Darcy Ribeiro propunha um novo modelo, com a criação da Universidade de Brasília (UnB), em 1962. Mas a reforma só ocorreu em 1968, com o governo militar em vigor.
"Há então, nesse período, grandes discussões, não só sobre o conteúdo das disciplinas, das matérias, mas também sobre qual é o lugar da universidade de um país moderno, de um país que queria enfrentar o problema da desigualdade social", relembra Marieta.
"Mas em 1964 ocorre o golpe militar e esse processo é interrompido. A partir daí volta, pelo regime militar, a ter uma discussão sobre a reforma universitária, que é imposta de cima para baixo. Extingue-se o regime de cátedra, cria-se o modelo de departamentos, cria-se também o sistema de créditos", conta a historiadora.
A reitora Denise Pires de Carvalho destaca que a universidade de pesquisa é implantada no Brasil na década de 1930, seguindo o modelo alemão e também utilizado em locais como Oxford, na Inglaterra, e Harvard, nos Estados Unidos. Com isso, a Universidade do Brasil é utilizada como modelo para as demais universidades criadas no período, como a Universidade de São Paulo (USP), de 1934.
"Desde o início ela se torna uma universidade de pesquisa e vem se fortalecendo mais em algumas áreas, como por exemplo óleo e gás, em parceria com a Petrobras, que vem da década de 70. Isso fez com que o Brasil detivesse a tecnologia de extração de petróleo em águas profundas. Nós podemos fazer essa extração porque os laboratórios da UFRJ, em parceria com a Petrobras e empresas da área de óleo e gás, chegaram a essa tecnologia. Isso é um exemplo de como é importante uma universidade de pesquisa, porque ela resolve problemas que são importantes para o país."
Futuro traz desafio de manter pesquisa de ponta e ensino para mais de 40 mil com verbas minguantes
Para os próximos anos, o professor Jerson Lima espera que a UFRJ consiga superar as dificuldades financeiras, em meio à retração da economia do país. "O primeiro desafio é esse, como vai ser manter todo esse parque de ciência e tecnologia, manter toda essa infraestrutura com diminuição de recurso."
Para o médio prazo, o professor se diz otimista e afirma que a UFRJ e todas as instituições de pesquisa do Brasil e do mundo sairão da pandemia fortalecidas e mais respeitadas, pelo excelente trabalho que vêm desenvolvendo nesta crise. Para o longo prazo, Lima diz que os alicerces estão muito bem estabelecidos para que a universidade ofereça à sociedade as respostas que ela precisa. Porém, é preciso que os investimentos correspondam às necessidades.
"Infelizmente ainda há os movimentos anticiência, mas a ciência sai fortalecida, em todas as suas mensagens ela diz que não tem verdades absolutas, mas o melhor que temos é fazer com muito cuidado. A universidade não é um custo, ela é um investimento que dá retorno. Esse retorno tem que ser cobrado, mas para cobrar você tem que investir."
A reitora cita os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) como guia de ações, com metas a serem atingidas até 2030. Porém, para Denise, o Brasil precisa abraçar esses objetivos para o próximo século.
"Nós entramos nos últimos 10 anos dos ODS e eu gostaria que a universidade se debruçasse seriamente sobre esses objetivos, porque vai ajudar que o nosso país avance. Para isso, nós precisamos de mais investimento e de menos burocracia também. Para isso, precisamos de apoio dos governos, todos, porque somos um projeto de Estado e precisamos permanecer como um projeto de Estado para garantir o desenvolvimento do Brasil."
Como exemplo desse olhar para o futuro, a reitora explica que a UFRJ tem se atualizado e tem aberto novos cursos, como nas áreas de nanotecnologia, biotecnologia e engenharia matemática com foco na inteligência artificial.
Fonte: Agência Brasil, Radioagência Nacional, site da UFRJ