O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Tóquio-2020 vem confirmando, apesar de rumores contrários, que o evento, adiado por causa da epidemia do Covid-19, está mantido de 23 de julho a 8 de agosto de 2021.
Mesmo com todas as incertezas e habituais dificuldades, os atletas brasileiros vêm se preparando para este momento único de competição mundial em diversos esportes.
Sendo a Vela uma das modalidades com mais esperança de medalhas, o Portal Eu, Rio! ouviu, com exclusividade, uma das maiores autoridades no assunto, o medalhista olímpico Lars Grael.
“As chances são grandes. O Brasil tem, ao mesmo tempo, renovação, experiência e tradição. Por exemplo: a dupla na classe 49 FX Martine Grael e Kahena Kunze são as atuais campeãs olímpicas, se mantém no topo do ranking mundial na classe e possuem favoritismo”, disse o iatista sobre as expectativas reais de pódio.
O velejador, que tem amplo conhecimento e uma histórico familiar de conquistas no esporte, além do pioneirismo em relação à Vela no Brasil, apenas pondera que é difícil afirmar sobre favoritismo, porque a Vela depende de variáveis não controláveis, no caso a natureza.
“Mas se alguém tem uma chance maior para medalha de ouro, são Martine Grael e Kahena Kunze. Tem ainda a experiência de Robert Scheidt, maior atleta olímpico de todos os tempos, com 47 anos nos jogos olímpicos. A idade é improvável para medalha na classe laser, mas com seis olimpíadas, cinco medalhas e quarto lugar no Rio de Janeiro, a capacidade é inquestionável e ele é favorito”, ressalta Grael.
Na classe 470 feminino, a dupla Fernanda Oliveira e Ana Barbachan, na opinião de Lars Grael, possuem alguma chance. Elas estão entre as oito melhores do mundo.
“Fernanda foi medalha de bronze nos jogos olímpicos em Pequim. Na classe finn, Jorge Zarif, que já foi campeão mundial, campeão mundial juvenil duas vezes, campeão mundial de Star, foi quarto lugar no Rio de Janeiro, está entre os melhores e é um candidato a medalha”, acrescenta sobre as possibilidades dos atletas brasileiros.
“Ainda na classe Nacra 17, Samuel Albrecht, fazendo agora dupla com Gabriela Nicolino Sá, possui chance. Samuel, que foi top 10 na Olimpíada Rio 2016, vem subindo de produção e velejando muito bem. Em outras classes, o Brasil pode surpreender”, afirma.
Sobre a Vela ter se tornado o esporte olímpico número 1 no Brasil, o iatista esclarece que a cultura do esporte no país teve influência dos europeus que chegaram por aqui no final do século XIX, início do século XX. Sobretudo germânicos, britânicos e escandinavos.
“Surgiram os primeiros clubes de Vela no Brasil. Depois teve um fato marcante, nos anos 30: a chegada de um alemão bicampeão de Vela na classe Star, Walter von Hütschler. Ela trouxe muito conhecimento técnico aos brasileiros”, conta.
Mas foi no ano de 1968 que a dupla Burkhard Cordes e Reinaldo Conrad ganhou o bronze na classe Flying Dutchman. Desde então, o Brasil tem presença quase certa nos pódios olímpicos.
“Desde lá começou uma tradição que colocou a Vela no topo, considerando ouro, prata e bronze no quadro de medalhas”, observa Lars.
Ele enaltece dois clubes brasileiros de Vela: o Rio Iate Clube, em Niterói/RJ, e o Iate Clube Santo Amaro, em São Paulo. Segundo o medalhista, as duas associações produziram a ampla maioria das medalhas conquistadas pelo Brasil na modalidade.
“Santo Amaro é o clube do Reinaldo Conrad, de onde vieram outros medalhistas, como Alex Welter, medalha de ouro em Moscou; como Lars Bjorkstrom; assim como Robert Scheidt. Já do Rio Iate Clube, dos irmãos Schmidt, Axel e Erik, tricampeões mundiais no Snipe nos anos 60 e ouro/prata nos jogos panamericanos, vieram os sobrinhos Torben e Lars Grael, assim como outros medalhistas como Clinio de Freitas, Isabel Swan e, mais tarde, Martine Grael”, historia.
Ambos os clubes concentram muito conhecimento e, diante dos resultados, contribuem para que a Vela do Brasil seja respeitada internacionalmente, inclusive com o lugar mais alto no pódio em Moscou (1980) e Atlanta (1996).
Lars acredita que as chances de conquistas na Vela podem crescer ainda mais com o resgate da Lei de Importação do Material Olímpico e Paralímpico. Os materiais estrangeiros não possuem similar técnico nacional.
“São esportes que dependem fundamentalmente da aquisição de equipamentos importados, que incidem taxas com o imposto de importação, imposto de produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). O preço do imposto no Brasil, infelizmente, é mais que o dobro, o que torna o equipamento inacessível para grande parte dos velejadores”, conclui Lars.
Foto: Divulgação
O medalhista prega que o Brasil precisa associar esporte com educação e saúde.
“Vimos, nesta pandemia, a importância da imunidade, e que atividade física é fundamental. Não há educação com qualidade sem a valorização do esporte, que precisa de relevância, fazendo com que tenha uma transversalidade permanente com as políticas públicas de educação e saúde", fundamenta.
Além disso, Lars chama a atenção para a responsabilidade dos atletas que possuem protagonismo no esporte.
“Atletas olímpicos, paralímpicos e de modalidades não olímpicas precisam ter noção da capacidade que temos de formar opinião, de gerar exemplo para o bem ou para o mal. Que os atletas se preparem para preencher cargos de gestão quando terminarem as carreiras. Isso já vem acontecendo de forma geral, mas o sentimento de comportamento é fundamental”, vislumbra.
Para Lars Grael é necessário que os atletas participem mais das decisões envolvendo o esporte brasileiro.
“É uma luta começada pela Comissão Nacional de Atletas e pela Ong Atletas Pelo Brasil: a mudança da Lei Pelé com os artigos 18 e 18A, que permitiu que atletas participem do colegiado de direção de federações estaduais, de confederações brasileiras, dos comitês. Esse é um movimento importante e saudável", diz.
Desde que teve sua carreira olímpica interrompida pelo acidente, em setembro de 1998, quando perdeu a perna direita, o medalhista passou a se dedicar à gestão esportiva.
“Fui Secretário Nacional do Esporte de 2001 a 2002 e Secretário Estadual de Esporte e Lazer de São Paulo de 2003 a 2006. Presidi em três oportunidades a Comissão Nacional de Atletas. Cheguei a ser presidente do Fórum e secretário de gestores estaduais de Esporte”, relata.
Atualmente, atua ainda no campo empresarial, colaborando no pacto pelo esporte, voluntariamente, na Atletas Pelo Brasil. Também é conselheiro do Instituto Rumo Náutico, tocado pelo Projeto Grael, fundado há 22 anos. Preside o Lide Esporte, plataforma de liderança empresarial e o Conselho Empresarial do Esporte da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
“São atuações que tento fazer para influenciar o esporte nas mudanças que sonhamos e defendemos. Mas não deixo de praticar, continuo na Vela”, conta.
Mesmo após o acidente, Lars Grael conseguiu acumular sete títulos continentais e o título mundial da classe Star em 2015, que para ele, em termos de superação foi muito relevante. Além deles tem o vice-campeonato mundial em 2017.
“Ainda deu tempo de escrever um livro e fazer palestras motivacionais por todo país. Hoje, acho que o nosso papel é contribuir compartilhando valores e a paixão pelo esporte”, finaliza o iatista com o entusiasmo de um eterno competidor.
Que os bons ventos soprem a favor dos atletas brasileiros, do esporte e da volta à normalidade.