A dor de uma família pode significar uma nova chance para uma outra. Em março de 2021, Angélica Martins, que tinha acabado de perder o irmão por conta de um aneurisma, tomou uma decisão que salvou a vida de oito pessoas: ela autorizou a doação de órgãos. A partir desse ato de altruísmo, foi possível realizar a primeira captação de intestino da história do Rio de Janeiro.
Tudo isso teve como cenário o Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Desde o início de 2020, o hospital está em segundo lugar no ranking nacional de captação de órgãos: foram 50 no ano passado. A unidade também atingiu a taxa de 78% de conversão, que são as doações efetivas em um total de casos de morte encefálica.
- Chegamos a essa colocação com muito trabalho e suor. Existem alguns fatores que proporcionam esse resultado: o apoio dos gestores do hospital, uma equipe altamente capacitada e a cultura da doação de órgãos, que vem sendo fortalecida desde 2014 - explica Gilberto Malvar, coordenador de enfermagem da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos (CIHDOTT).
Ao todo, no ano passado, o Programa Estadual de Transplantes (PET) do Rio de Janeiro alcançou a marca de 698 cirurgias no estado, sendo 22 de coração, 270 de fígado, 383 de rins, além de um transplante simultâneo de coração e rim, 10 de rins e fígado e 12 de rins e pâncreas. Já no primeiro trimestre de 2021, foram 118 cirurgias, sendo três corações transplantados, 47 fígados e 65 rins, além de duas cirurgias simultâneas de rins e pâncreas e uma multivisceral.
Criada de forma exclusiva em 2014, a principal função da comissão é buscar pacientes em situação crítica que podem se tornar doadores de órgãos. Apesar de não ser um trabalho fácil, Gilberto e sua equipe já conquistaram alguns marcos.
- Fomos pioneiros em captação de pulmão, intestino e multivisceral. A última, sozinha, beneficiou mais de 50 pessoas com um único doador. Com esses resultados, a gente consegue dar uma segunda chance e salvar inúmeras vidas - afirma.
Foi graças a um transplante de coração que Thayane Santos viu sua vida mudar para melhor. Diagnosticada com cardiopatia hipertrófica dilatada, mais conhecida como coração musculoso, ela não conseguia tomar um simples banho sem se sentir cansada.
- Eu não fazia nada. Não conseguia subir escada, fazer exercícios e nem sair de casa - conta.
Após oito meses de espera na fila para transplante, ela finalmente conseguiu. O coração foi captado no Hospital Adão Pereira Nunes.
- Quando recebi a notícia, eu chorei e ri ao mesmo tempo. No dia seguinte à cirurgia eu não acreditava que tinha um coração novo no meu peito - relembra.
Para quem tinha medo só de olhar para uma escada, hoje Thayane leva uma vida completamente normal, com direito a corridas de rua de cinco quilômetros.
Angélica, até hoje, sente conforto por ter doado os órgãos do irmão. Ela acredita que a doação é uma forma de levar esperança para quem precisa.
- Que as pessoas não olhem somente para a dor e a tristeza. Não foi fácil para mim diante do luto, mas não posso negar que fiquei orgulhosa de saber que o meu irmão conseguiu ajudar a transformar outras vidas - finaliza.