Com a chegada das estações frias, as doenças respiratórias alcançam um pico que segue em alta, momento em que o clima e o ar estão mais secos. Os vírus respiratórios, que causam infecções das vias aéreas superiores – gripes e resfriados, pneumonias, crises de asma e bronquite, estão circulando com mais frequência no período.
Segundo pesquisa da Universidade de Ciências Médicas de Teerã, publicada em 2018, um acúmulo de evidências sugere que o sistema endocanabinóide, através de receptores presentes no organismo (especificamente o tipo 2 - CB2) que se ligam nas substâncias presentes na cannabis (fitocanabinóides), desempenha um papel significativo na melhora de infecções respiratórias virais.
Para entender melhor o assunto, o Portal Eu, Rio! entrevistou a médica Maria Teresa Jacob, que atua no tratamento de Dor Crônica desde 1992 e há alguns anos em Medicina Canabinóide para diversas patologias em sua clínica localizada em Campinas, São Paulo. Ela é Pós-graduanda em Endocanabinologia, Cannabis e Cannabinoides pela Universidade de Rosário, Argentina.
Médica Maria Teresa Jacob. Foto: Divulgação
Portal Eu, Rio!: Quais os resultados apresentados pelas pesquisas com o uso do cannabis medicinal no tratamento e melhora de infecções respiratórias virais?
Maria Teresa Jacob: O estudo realizado na Universidade de Teerã incluiu 180 crianças com Infecção Respirátoria Viral, sendo 90 internadas e 90 acompanhadas ambulatorialmente. Foi demonstrado que alterações genéticas nos receptores CB2 do aparelho respiratório podem predispor a quadros mais graves da doença. A estimulação destes receptores com o uso de canabidiol (CBD presente na Cannabis) pode aumentar a resposta imunológica do organismo diminuindo assim a severidade da doença.
PER: Como se dá essa ação? Ou seja, como essa substância age no organismo humano de forma a auxiliar nesse processo?
MTJ: A cannabis medicinal atua em um sistema orgânico chamado Sistema Endocanabinóide. Este sistema está presente em praticamente todos os órgãos, glândulas, tecidos, cérebro e nervos periféricos. Esta atuação se deve à ligação de substâncias ativas presentes na planta, aproximadamente 500 substâncias diferentes, a locais do sistema endocanabinoide chamados receptores. Esta ligação restabelece o equilíbrio da região que apresente a doença. No caso das doenças respiratórias as evidências sugerem que a ligação dos fitocanabinóides aos receptores CB2 desempenha um papel significativo na melhora de infecções respiratórias virais.
PER: Quais os benefícios apresentados? E quais doenças podem ser tratadas com essa substância?
MTJ: A cannabis vem sendo utilizada para tratar dezenas de patologias ao redor do mundo, nos casos em que os tratamentos tradicionais não surtem efeito e também apresentam uma série de efeitos colaterais. As substâncias presentes na planta se ligam ao nosso sistema endocanabinóide restabelecendo o equilíbrio orgânico, com uma menor incidência de efeitos colaterais, trazendo mais qualidade de vida para os pacientes.
O uso da cannabis pode tratar pacientes com doenças como epilepsia refratária, Alzheimer, autismo, dor crônica, entre outras, seguindo sempre as mais rígidas práticas de um medicamento de qualidade. Um outro exemplo do uso da cannabis é no tratamento da endometriose, patologia relativamente frequente entre mulheres na fase reprodutiva, que compromete enormemente a qualidade de vida pela dor severa e por complicações genito-urinárias. Estudos demonstram que a cannabis atua na melhora da dor, com recuperação da qualidade de vida e diminuição de complicações.
PER: Em meio à pandemia de COVID-19, qual a importância do uso desse tipo de tratamento?
MTJ: Um artigo publicado em novembro de 2020, pela revista Frontiers in Pharmacology, aponta que a cannabis atua na chamada tempestade de citocinas inflamatórias, que está associada à infecção aguda da covid-19 e à Síndrome da Angústia Respiratória Aguda. O estudo foi realizado em modelos animais utilizando o THC (um dos fitocanabinóides da planta), administrado por via intraperitoneal em camundongos. O tratamento levou à atenuação da inflamação e à diminuição de citocinas nos pulmões resultando em 100% de sobrevivência.
Pesquisas científicas de todo o mundo mostram que principalmente o THC mas também o CBD (outro fitocanabinóide) atuam como potentes agentes anti-inflamatórios. Esses estudos sugerem que os canabinóides atuam em diferentes vias e em grande número de células para suprimir a inflamação e, portanto, podem ser adequados para suprimir a tempestade de citocinas causada pelo coronavírus.