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Psicóloga avalia desistência da ginasta Simone Biles de disputar finais nas Olimpíadas

"Cultura de desempenho superior dos EUA pode ser cruel com atletas de alto rendimento", avalia Renata Ishida

Por Anderson Madeira em 30/07/2021 às 07:22:36

Simone Biles: desistência em plena Olimpíada. Foto: Divulgação

Nesta semana, o mundo foi surpreendido com a decisão da ginasta estadunidense Simone Biles, considerada a melhor do mundo de todos os tempos na modalidade, de desistir de participar das finais nos Jogos Olímpicos de Tóquio, após errar em uma apresentação. Ela declarou que precisava cuidar de sua saúde mental e que há vida além da ginástica. O fato provocou uma discussão sobre o tema: como as pressões externa e interna podem impactar no desempenho do esportista? Além disso, começou um debate acerca da importância da educação socioemocional das crianças e jovens.

Para a psicóloga clínica Renata Ishida, coordenadora pedagógica do Laboratório de Inteligência de Vida (LIV) e mestra em Psicologia Social pela PUC-São Paulo, mesmo com todo o apoio psicológico que a Federação Americana de Ginástica oferece à ginasta, isso não vai garantir que ela não sofra nenhuma pressão.

“O apoio psicológico é importante para a pessoa conseguir cumprir uma meta, ter mais condições emocionais de entender os seus limites, de conseguir sair de crises. Vou dar um exemplo: uma mãe que está sofrendo um luto por causa de um filho. Se ela tem um apoio psicológico, não vai deixar de ficar triste, mas vai ter mais estrutura para lidar com essa tristeza. Sobre a Simone, o fato dela ter tido apoio psicológico, provavelmente isso a ajudou a entender que não estava bem e ter a coragem de falar: esse é o meu limite”, afirma.

De acordo com Ishida, não dá para separar a ginasta da Simone. “Ela pode ter sido afetada de diversas formas, ter tido crise de ansiedade, inclusive. Eu sei que ela teve depressão porque, no ano passado, no momento em que foram adiadas as Olimpíadas, ela teve uma crise depressiva grave, chegou a abandonar um tempo a ginástica e isso pode afetar os relacionamentos interpessoais dela. Pode alterar a fome, o sono e diversos comprometimentos, inclusive o desempenho dela como atleta. O nervosismo faz com que a gente erre o movimento e que a gente adoeça no dia da prova. Imagina você como atleta, o mundo inteiro te acompanhando”, explica.

A psicóloga acrescenta que a cultura de desempenho superior dos Estados Unidos pode ser cruel com os atletas de alto rendimento. “Eles buscam conseguir pessoas para alcançar os resultados que eles querem. Mas isso tem seus prejuízos. A gente não sabe como estão atletas que já passaram por estes desafios e como eles estão hoje. Vários têm histórico de entrar nas drogas. A Simone chegou nestas Olimpíadas com uma pressão enorme, porque antes quem representava os superatletas eram o Michael Phelps, o Usain Bolt, e agora não tinham figuras como essas, além da Simone. A expectativa era de que ela seria a grande superatleta e ganharia todas as medalhas, quebraria vários recordes e, então, a pressão estava enorme”, afirma.


Renata Ishida, psicóloga. Foto: Divulgação

Segundo a especialista, o fato de Biles ser negra torna a pressão ainda maior. “A mulher negra vive uma opressão de muitos lados, tanto pelo machismo como pelo racismo. O que as mulheres negras acabam sofrendo é que elas não podem falar não. Se elas quiserem garantir um lugar no mundo e serem respeitadas, precisam lutar muito mais do que as outras pessoas. Ela tem um histórico difícil. Especialmente por ser negra, conseguir colocar um limite e se colocar em primeiro lugar, é uma conquista enorme e super importante para outras mulheres negras do resto do mundo que acompanham. Ela mostra que as mulheres negras são tão merecedoras de respeito quanto qualquer outra pessoa”, analisa.

“A ginástica foi por muito tempo um lugar de meninas loiras brancas e magrinhas. A Daiane dos Santos foi a primeira mulher negra que ganhou um mundial. O fato dela ser uma mulher negra campeã de ginástica com o desempenho que ela tinha, se tornou uma coisa muito de pressão para ela mesma, querendo representar as mulheres negras, mostrar que elas podem. O fato dela pegar e falar 'olha, eu me coloco em primeiro lugar, eu quero me cuidar' também dá oportunidade para outras mulheres negras falarem não. 'Vocês querem que eu seja uma máquina e eu sou uma pessoa, eu vou me cuidar, eu tenho sentimentos e vou olhar para mim. Eu mereço cuidado'. Isso é muito importante”, acrescenta a psicóloga.

O fato de Biles ser um ícone para muita gente é um fator de pressão sobre a atleta, de acordo com Ishida. “É muito difícil você chegar num nível de desempenho muito alto. Mais difícil do que isso é manter. A constância é muito difícil, porque tem uma porção de fatores afetando a nossa vida. A gente pode ter dormido mal, a gente pode ter brigado com alguém, a gente pode ter comido alguma coisa que não caiu bem, a gente pode ter brigado com o nosso treinador. Então, tudo vai afetar, não vou ser a pessoa que não erra. O erro para o atleta é menos tolerável. Fica todo mundo assistindo os atletas nas Olimpíadas como se a gente pudesse fazer algo parecido e é muito difícil. A gente precisa entender que os erros fazem parte”, afirma a especialista.

A psicóloga lembra que a ginasta tem um histórico familiar complicado. “Vamos lembrar que ela vem de uma família com questões complicadas. A mãe dela tinha dependência química. Ela é negra e última atleta na ativa que sofreu abuso por um médico da equipe norte-americana. Ele abusou de diversos ginastas e foi denunciado. Ela é uma referência como veterana para toda equipe dela. São questões que ela conseguiu atravessar, mas que podem deixar marcas. Fora outras questões pessoais dela que não nos dizem respeito. Não é porque a pessoa vira pública que deve explicações. Os nossos maiores sofrimentos são aqueles que a gente não compartilha com as pessoas. É importante a gente respeitar”, afirma.

O LIV faz trabalho de educação socioemocional em mais de 500 escolas no Brasil com um programa que está presente na grade curricular da educação infantil até o ensino médio. O laboratório ajuda estudantes a conhecerem seus sentimentos e desenvolverem suas habilidades socioemocionais para a vida, como a comunicação, a colaboração, a perseverança e o pensamento crítico, com atividades estruturadas realizadas em sala de aula e atividades voltadas para a família, para que a aprendizagem possa ter continuidade em casa.

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