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Questionário polêmico gera conflito em tradicional escola carioca

Feminismo, doutrinação e assédio sexual agitam Colégio Santo Inácio

Por Moura Júnior em 24/08/2021 às 19:08:01

Colégio Santo Inácio. Foto: Rede Social

O Colégio Santo Inácio, localizado em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, está no meio de um conflito que envolve temas como feminismo, assédio sexual e doutrinação política. A discussão ganhou ainda mais notoriedade após uma nota da coluna do jornalista Ancelmo Gois, de "O Globo", repercutir sobre um possível questionário bolsonarista que estaria circulando entre um grupo de pais e responsáveis.

De acordo com informações publicadas no veículo, um inquérito foi aberto no Ministério Público para investigar as acusações de assédio, bem como os docentes envolvidos já haviam sido demitidos. No entanto, mesmo diante da gravidade dos fatos, um grupo de pais estaria mais preocupado com a possibilidade da influência do feminismo e da ideologia política terem sido a principal motivação das queixas.

Formado por ex-alunas do CSI e feministas, o Coletivo Inaiá surgiu no ano passado, quando as denúncias de assédio sexual foram publicadas anonimamente por alunas da escola. Desde então, o coletivo vem se mobilizando para providenciar apoio jurídico e psicológico às vítimas e para conscientizar a população sobre a ocorrência de abuso sexual em centros educacionais do Rio de Janeiro.

Segundo uma integrante do Coletivo Inaiá, o grupo trabalha diretamente com o Coletivo Medusa, que é formado somente por feministas e alunas do CSI. Ao Portal Eu,Rio!, ela também deu detalhes sobre o inquérito aberto pelo Ministério Público e do episódio do questionário que estava circulando por iniciativa de alguns responsáveis

"Em junho de 2021, o Ministério Público ajuizou uma Ação Civil Pública contra o Santo Inácio. Logo em seguida, em julho deste ano, a diretora acadêmica do CSI pediu para se afastar do cargo. Na semana passada, descobrimos que o questionário mencionado na coluna do Ancelmo Gois estava circulando em um grupo de pais. Eles buscavam angariar apoio para os valores cristãos tradicionais do colégio, demonstrando preocupação com o envolvimento de coletivos feministas dentro da instituição", contou a representante.

Na noite da última segunda-feira (23), o Coletivo Inaiá emitiu uma nota oficial se posicionando a respeito dos fatos.

"Quando tomamos conhecimento do questionário que estava circulando entre um grupo de pais de alunos do CSI ficamos indignadas, mas, infelizmente, não ficamos surpresas. Não é de hoje que ideias sobre feminismo e a defesa dos direitos das meninas e mulheres encontram barreiras e críticas de pessoas que tendem a confundir o pensamento feminista com algum tipo de ideologia política específica. Como nos tempos atuais qualquer assunto é razão para polarização, o movimento contra o assédio sexual de estudantes do CSI também gerou polêmicas. O mencionado questionário traz a afirmação de que os pais 'são favoráveis a melhorias, não transformações' e isso nos assusta, pois se não fossem as transformações empreendidas na instituição, até hoje o colégio não aceitaria mulheres. A atuação do Coletivo Inaiá, em conjunto com o Coletivo Medusa, de fato tem lutado para provocar mudanças no ambiente escolar. Consideramos fundamental por um fim na cultura do silêncio em relação aos abusos de professores e alunos, não só envolvendo o assédio sexual, mas qualquer atitude que vise oprimir a figura feminina. Para isso, é preciso ensinar a crianças e jovens sobre igualdade de gênero e respeito mútuo entre homens e mulheres. Dizer que este tipo de educação se iguala a doutrinação política e ideológica de qualquer matiz não nos parece razoável. Confiamos que os pais que se mobilizaram para proteger as 'tradições e valores cristãos' não gostariam de ver suas filhas sendo assediadas ou sofrendo qualquer tipo de preconceito em razão do seu gênero. Por isso, iremos seguir lutando pelo direito dessas jovens serem ouvidas!", afirmou o comunicado.

Quem também comentou a situação foi a advogada feminista Luciana Boiteux. Por meio de suas redes sociais, ela comemorou a criação de um abaixo-assinado, virtual, em plataforma online, promovido por um grupo de pais que são contra o questionário.

"No Santo Inácio, quem questionou o feminismo e a 'politização' foi um grupo liderado por um famigerado deputado do PSL, ou seja, a proposta era que o CSI tomasse 'partido' do bolsonarismo. Parabéns aos pais que repudiaram tal atitude e apoiaram a democracia e a liberdade de ensino. Hoje foi divulgada nota de repúdio de um número grande de pais e mães indignados com o que consideraram uma ameaça à democracia, liberdade de expressão e à formação cidadã e consciente de seus filhos", escreveu a advogada.


Colegio Santo Inácio. Foto: Rede Social

"O que eles querem: a volta da Santa Inquisição?"

Carlos Roberto é pai de uma aluna do CSI. Para ele, a distorção da realidade promovida pelo grupo influenciado pelo bolsonarismo é uma piada.

"É assustador ver como a distorção de valores afetou a nossa sociedade de forma tão negativa. Ver pais criticando o Colégio Santo Inácio por 'feminismo e doutrinação política' chega a ser piada. O colégio mal sabe se articular nesses temas. Pior é ver os pais de alunos questionando o posicionamento político e sexual de professores. O que eles querem, a volta da Santa Inquisição? Ou será a manutenção dos seus privilégios? O mau catolicismo e o bolsonarismo são patéticos! A Igreja Católica Apostólica Romana, da qual faço parte, precisa urgentemente de uma reforma! A maior parte dos seus seguidores não entende mais qual é a mensagem de Cristo", afirmou Roberto.

Ele ainda falou sobre o questionário e criticou a posição da instituição

"O questionário não chegou a mim. Dificilmente ele chegaria, pois a minha posição ficou bem clara desde o ano passado, quando surgiram as denúncias de assédio contra professores. Eu fui um dos responsáveis por fazer a notícia circular nas redes sociais e me coloquei como intermediário em diversas cobranças dirigidas ao colégio. Também sou antibolsonarista, o que me coloca no hall daqueles pais que são afastados desse tipo de envio de comunicados. Todos no colégio sabem das minhas posições críticas a atitudes de pais e diretoria. Sei que isso circula entre os bolsonaristas e os pais que ainda não manifestaram uma posição crítica em relação a atitudes do colégio e à política no país", alertou Roberto.

O que diz o Colégio Santo Inácio?

Diante dos relatos e da repercussão do caso em páginas como "Quebrando o Tabu" e "Mídia Ninja", o Portal Eu, Rio! tentou contato com o CSI para obter um posicionamento oficial da instituição. O Colégio Santo Inácio enviou uma nota oficial, que reproduzimos abaixo:

"Com mais de três mil famílias compartilhando o dia a dia do Colégio, é esperado que coabitem posicionamentos distintos e entendimentos variados sobre os desafios vividos pela sociedade. O Colégio Santo Inácio, alinhado com a proposta educativa jesuíta, acolhe a pluralidade dos estudantes, famílias e colaboradores que fazem parte de sua comunidade escolar, respeitando as diferenças, mas sempre mantendo a fidelidade aos princípios inacianos de formar cidadãos conscientes, competentes, compassivos e comprometidos.

Os movimentos autônomos que se organizam entre famílias são de responsabilidade dos próprios grupos e não fazem parte da estrutura organizacional do Colégio. Com todos, a Direção e os educadores buscam uma convivência baseada no diálogo saudável e no respeito.

É importante ressaltar que, quando se trata de atividades propostas pelo Colégio, elas são construídas a partir do Projeto Educativo Comum dos colégios da Rede Jesuíta de Educação (RJE) e não sofrem influência alguma de política ou orientação ideológico-partidária.

Posicionamento sobre as medidas adotadas em relação às denúncias:

Os relatos referentes a episódios ocorridos em 2018 geraram melhorias e avanços no Colégio Santo Inácio. Uma série de iniciativas foi adotada para fortalecer e aprimorar a cultura institucional do cuidado, entre elas a implantação de um Código de Ética, a estruturação de um setor de compliance, a ampliação da formação continuada de colaboradores, alunos e famílias, além do lançamento da Política de Proteção às Crianças e Adolescentes – documento que define as condutas aceitáveis e recomendadas no espaço escolar para garantir a segurança de todos e as relações saudáveis e adequadas. Investimos em medidas institucionais que ampliem e assegurem processos seguros e confiáveis para toda nossa comunidade educativa", conclui a nota.

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