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UFRJ instala sindicância para apurar racismo sofrido por professor

Por Anderson Madeira em 27/08/2021 às 21:02:16

A direção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da UFRJ, apura denúncia de racismo feita por professores do Departamento de Ciência Polí

A direção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da UFRJ, instaurou comissão de sindicância para apurar denúncia de racismo feita por professores do Departamento de Ciência Política do Ifcs contra o cientista político e historiador Wallace dos Santos de Moraes, professor da instituição, durante reunião virtual entre professores membros de uma banca para escolher novo professor adjunto para a universidade.

A Reitoria da UFF divulgou a seguinte nota sobre o caso:

“A Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apoia de maneira inequívoca a conduta da Direção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), que instaurou comissão de sindicância para apurar com celeridade a denúncia de possível atuação imprópria e de conotação racista perpetrada por servidores públicos docentes do departamento de Ciência Política do instituto, durante reunião ocorrida no dia 11/8/2021. Conforme determina a legislação em vigor, coube à Direção do Ifcs proceder a abertura de processo a fim de investigar os fatos. A comissão que vai apurar as circunstâncias foi instaurada nesta sexta-feira, 27/8, com a necessária presença de servidores negros na sua composição, após a formalização da denúncia feita no dia 26/8.

A maior universidade brasileira reafirma o compromisso de diariamente aperfeiçoar procedimentos e práticas inclusivas e igualitárias, repudiando o racismo, estimulando e implementando condutas antirracistas.

A Reitoria da UFRJ informa que serão tomadas as providências cabíveis para apurar o caso de maneira sigilosa, garantindo o direito à ampla defesa e ao contraditório, em consonância com a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990”.

A instauração da comissão atende a pedido feito pelo advogado de Wallace, Gustavo Proença. “Semana que vem entraremos com medida criminal. Ainda estou estudando. Mas, será em instância federal. Queremos pedido de retratação e punição administrativa de cunho pedagógico. Houve ofensa à reputação do professor, com, no nosso entender, motivação racial”, contou Gustavo.

De acordo com o advogado, a punição cabível seria multa e prisão de um ano, caso a justiça entenda assim. “Não é pelo tempo, mas, pela necessidade de delimitação entre certo e errado. Não há um valor certo da multa, mas, o usual é 1 salário mínimo é o usual. Neste caso, pediremos uma multa maior de três salários no mínimo, devido à capacidade dos agentes”, explica Gustavo.

Para o advogado, episódios como esse acontecem por não ser comum pessoas negras ocuparem lugares de poder. “As pessoas negras não ocupam comumente lugares de poder e destaque como o círculo restrito de professores universitários, por exemplo. É aí que as estruturas subjetivas da hierarquização racial se apresentam. Até de modo inconsciente, opaco, parece que há um “algo errado” em aquela pessoa negra estar naquele lugar. Nesta hora, eles tentam se agarrar a “qualquer” falsa justificativa para impedir, barrar ou retirar aquele corpo negro daquele lugar o qual eles entendem que o mesmo não deve ocupar”, afirma Gustavo.

Wallace entrou com representação administrativa no IFCS. Na denúncia, ele conta que foi excluído da banca sob pretextos de que seria ‘brigão’, ‘desequilibrado’, e que não teria equilíbrio emocional para estar ali, além de se vitimizar por ser negro. As ofensas teriam sido ditas pelo professor Josué Medeiros, com anuência dos também professores Thaís Aguiar (Chefe do Departamento) e Pedro Lima (Substituto eventual da Chefia).

Na ocasião, cinco membros do departamento indicaram Wallace para participar como membro da unidade na banca de escolha do certame. A escolha se deu em função do professor possuir conhecimentos acadêmicos e formação na área do concurso. Wallace é professor Associado II do Departamento de Ciência Política e dos Programas de Pós Graduação em Filosofia e História Comparada da UFRJ, portanto, atendendo às exigências administrativas e acadêmicas para integrar a banca. Ele é o único negro no departamento.

O Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ criou um abaixo-assinado que pede à universidade abrir uma investigação interna para apurar o caso. Até o momento, 1.980 pessoas assinaram. O documento circula nas redes sociais. Eis um trecho:

“Por que o professor Wallace, com a qualificação exigida para tal, não foi incluído na composição dessa banca? É importante frisar que supostas valorações subjetivas infundadas acerca de um servidor público não podem servir de impedimento para negar sua participação em uma banca, nem permitir a propagação de injúrias e difamações no âmbito da universidade. (...) O professor Wallace de Moraes, o único docente negro do Departamento, com competência para exercício da atividade, sofreu além disso, ataques pessoais desferidos pelo professor Josué Medeiros. Este professor questionou a capacidade psicológica de Wallace e apresentou como justificativa à interdição de seu nome a alegação de que Wallace se “vitimizava” por ser negro, fazendo referência pejorativa a importantes debates levantados pelo professor sobre o racismo estrutural no Brasil. (...) Nós Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ, conclamamos os mais diversos segmentos da UFRJ a reafirmarem o compromisso com a resistência e a luta antirracista, pois não somos e não seremos coniventes com posturas que ferem os direitos da pessoa humana, que ferem a nossa Constituição, o Estatuto do Servidor Público, fomentando-se práticas que fogem ao interesse público, ao respeito à diversidade, à pluralidade, mantendo-se práticas que têm produzido assimetrias e desrespeitos ao mais sublimes preceitos de igualdade, respeito e convívio urbano no interior de nossa instituição. Não aceitaremos!”.

Os professores do Departamento de Ciência Política do IFCS citados na denúncia de Wallace, divulgaram nota afirmando que a decisão de excluir o colega não foi individualizada. O documento é assinado por Josué Medeiros (o coordenador da banca na ocasião), Pedro Luiz Lima, Thaís Aguiar, Daniela Mussi, Jorge Chaloub e Mayra Goulart.

“Diante disso, reafirmamos um compromisso com uma agenda institucional antirracista prática na UFRJ, no IFCS e no DCP. Agenda com a qual buscamos e buscaremos sempre colaborar. Entendemos, também, que a imputação de atos racistas individuais é uma acusação de outra ordem, de extrema gravidade para a vida da universidade e do nosso departamento. Os que estavam presentes na reunião consideram que a descrição dos eventos contida na petição (abaixo-assinado) não é minimamente condizente com a realidade dos fatos”, disse a nota, que também pediu à UFRJ uma apuração interna dos fatos.

Para o BabalawôIvanir dos Santos, professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ e conselheiro estratégico do Ceap – Centro de Articulação de Populações Marginalizadas. Também é interlocutor da CCIR – Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.

“O racismo é ainda uma triste realidade vivida por muitos docentes e discentes negros nas universidades. Precisamos colocar a questão como um caráter de urgência em nossa sociedade. Não discutir a pauta os impactos do racismo dentro das universidades é fortalecer os privilégios estabelecidos pelos processos coloniais no Brasil”, afirma Ivanir.

A íntegra do Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ:

NOTA DO COLETIVO DE DOCENTES NEGRAS E NEGROS DA UFRJ PELA DEVIDA INVESTIGAÇÃO DE CASO DE RACISMO OCORRIDO NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA – IFCS/UFRJ

O Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ vem a público se manifestar em solidariedade ao professor Wallace dos Santos de Moraes e solicitar providências da Universidade para apuração de fatos envolvendo situação de discriminação racial quanto à participação do mesmo em comissão julgadora do concurso para provimento de vaga de professor adjunto do referido Departamento regido pelo Edital UFRJ nº 953, de 20 de dezembro de 2019 MC 064. Em reunião extraordinária do Departamento de Ciência Política da UFRJ, ocorrida no dia 11 de agosto de 2021 às 9:30h, por meio remoto (https://meet.google.com/pny-udfr-qwz), para escolha da banca examinadora do concurso para provimento de vaga de professor adjunto, foram praticadas condutas desrespeitosas em relação ao prof. Wallace de Moraes pelos professores Josué Medeiros, Thaís Aguiar (Chefe de Departamento) e Pedro Lima (Substituto eventual da Chefia), todos do Departamento de Ciência Política da UFRJ. Na ocasião, cinco membros do Departamento indicaram o prof. Wallace para participar como membro da unidade da UFRJ na banca de seleção do certame. A escolha se deu em função deste professor possuir conhecimentos acadêmicos e formação na área do concurso. Ademais, é professor Associado II, portanto atende às exigências administrativas e acadêmicas para compor a citada banca. Todavia, nesta reunião, o prof. Josué Medeiros passou a desqualificar a personalidade do professor Wallace, alegando que o mesmo não possuía qualidades para exercer a função de membro de banca de concurso, negando sua participação. Assim, atribuiu ao professor a condição de “brigão, desequilibrado, sem condições emocionais, e que constantemente se vitimizava por ser negro”.

Depois de todos esses ataques discriminatórios, a Chefe do Departamento (prof.ª Thaís Aguiar), bem como seu substituto eventual (prof. Pedro Lima), que dirigiam a plenária, não só não tomaram nenhuma atitude de repulsa às discriminações, como fizeram questão de apoiar o professor Josué Medeiros em seus argumentos, ratificando que um membro “desequilibrado” não poderia compor a banca do concurso. Os pronunciamentos de alguns professores em contrário a esses atos de discriminação com relação ao prof. Wallace, único negro do Departamento, não surtiram efeito e a maioria vetou sua participação na banca. Por que, o professor Wallace, com a qualificação exigida para tal, não foi incluído na composição dessa banca? É importante frisar que supostas valorações subjetivas infundadas acerca de um servidor público não podem servir de impedimento para negar sua participação em uma banca, nem permitir a propagação de injúrias e difamações no âmbito da Universidade. O professor cumpria todos os requisitos acadêmicos para tal, isto é, atendia às exigências do certame. Ainda assim, seu nome foi preterido para a composição da banca e o Departamento de Ciência Política deliberou por aprovar uma comissão julgadora composta inteiramente por nomes externos à UFRJ. Professor Wallace de Moraes, o único docente negro do Departamento, com competência para exercício da atividade, sofreu além disso, ataques pessoais desferidos pelo professor Josué Medeiros. Este professor questionou a capacidade psicológica de Wallace e apresentou como justificativa à interdição de seu nome a alegação de que Wallace se “vitimizava” por ser negro, fazendo referência pejorativa a importantes debates levantados pelo professor sobre o racismo estrutural no Brasil. Argumentos desqualificadores e as tentativas de frear a voz de quem se coloca na luta contra o racismo - como a vivida pelo professor Wallace de Moraes - embora frequentemente silenciados por quem sofre essas agressões, são corriqueiros nas Instituições de Ensino Superior, vitimando docentes, funcionários terceirizados, técnico-administrativos e discentes. Já foi o tempo do silêncio. É preciso dar um basta. Não ficaremos mais calados. Quando se tem em mente que o racismo estrutural, agravado na sua manifestação institucional, ao se tomar conhecimento de qualquer situação de discriminação, a autoridade pública deve atuar no sentido de averiguar a realidade dos fatos com os mecanismos administrativos existentes e aplicáveis para tanto e imediatamente adotar atitudes adequadas contra quem foi o causador dessa situação. Nesse sentido, o Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ, diante da evidência de RACISMO e DESQUALIFICAÇÃO pessoal do professor Wallace de Moraes, torna indispensável a presente manifestação em sua defesa e de todos os demais docentes negras e negros, que são atingidos indiretamente pelo acontecimento. Fazemos isso a partir de valores de colaboração, solidariedade, reconhecimento e respeito às diferenças. Em defesa da vida, da dignidade e de direitos arduamente conquistados, irrenunciáveis e inegociáveis por uma sociedade livre do racismo que tem nos afetado moral, emocional, física, cultural, política e economicamente. Dessa forma, sendo implementadas condutas específicas pelo docente que foi alijado na situação ocorrida no Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ, vem este Coletivo se solidarizar com o mesmo e também requerer que sejam implementadas as devidas condutas investigativas e de verificação pela Administração Superior da UFRJ, bem como pela Direção do IFCS/UFRJ, para que seja levantada a realidade dos fatos ocorridos e, em sendo verificados os fatos apontados aqui como RACISMO e/ou DISCRIMINAÇÃO/DESQUALIFICAÇÃO, que possam ser tomadas as medida legais e administrativas cabíveis para a punição dos autores do fato, dentro das regras que balizam a vida acadêmica da UFRJ. Importa, por fim, destacar que a Resolução Consuni 15/2020 estabelece a necessária recomendação quanto à diversidade de raça e gênero em comissões julgadoras de concursos. As mudanças históricas e sociais no aspecto do RACISMO ESTRUTURAL e INSTITUCIONAL precisam ser objeto de adequada verificação, pois a extirpação dessas condutas deletérias de racismo não se faz apenas com denúncias ou com repúdio moral ao crime de racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas efetivas, implementação de políticas públicas eficazes e da adoção de práticas antirracistas que estejam presentes em todos os aspectos das relações de poder que existam na estrutura da Universidade. Portanto, nós, Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ, conclamamos os mais diversos segmentos da UFRJ a reafirmarem o compromisso com a resistência e a luta antirracista, pois não somos e não seremos coniventes com posturas que ferem os direitos da pessoa humana, que ferem a nossa Constituição, o Estatuto do Servidor Público, fomentandose práticas que fogem ao interesse público, ao respeito à diversidade, à pluralidade, mantendose práticas que têm produzido assimetrias e desrepeitos aos mais sublimes preceitos de igualdade, respeito e convívio urbano no interior da nossa Instituição. Não aceitaremos! Seguimos enfrentando as opressões que produzem desigualdades que atingem diretamente nossas existências. Sendo assim: por que o professor Wallace, com a qualificação exigida para tal, não foi incluído na composição dessa banca?

Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 2021 Coletivo de Docentes Negros e Negras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


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