Um homem negro, pobre e feirante de Petrópolis foi abordado sob a acusação de um roubo que não cometeu e colocado para reconhecimento exclusivamente ao lado de homens brancos, embora a vítima tivesse apontado como única certeza que o homem que o atacou era negro. Esse foi o panorama que levou um jovem inocente à prisão, onde ficou por 15 meses, sem que houvesse provas contra ele. O ato, considerado de racismo estrutural e institucional, levou a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), assistente no caso, a entrar com um pedido para que o Estado indenize o acusado por danos morais ocasionados por erros na investigação, no julgamento e na acusação.
Ouça no podcast do Eu, Rio! (eurio.com.br) o depoimento do defensor público Marcílio Brito, que atua em Petrópolis, no caso do jovem preso injustamente.
No dia 23 de agosto de 2019, Bruno (nome fictício) foi abordado em um mercado na Praça Inconfidência, em Petrópolis, onde faria uma entrevista de emprego. Os policiais afirmaram ter contra ele um mandado de prisão em razão de um roubo ocorrido três meses antes, o que foi reforçado na delegacia pelo delegado responsável. Mas, em ambos os casos, o documento não foi apresentado.
Ainda na delegacia, Bruno foi colocado em uma sala para reconhecimento ao lado de dois outros homens brancos. A vítima do roubo, que em depoimento anterior havia dito que apenas tinha certeza sobre o assaltante ser negro e ter uma cicatriz no rosto, apontou o jovem como autor do crime. A defesa comprovou, entretanto, que na data e no horário do assalto, Bruno estava na igreja e voltou para casa cedo, já que tinha médico no dia seguinte pela manhã. Apesar disso, o jovem foi mantido encarcerado por 15 meses, sendo libertado apenas em 23 de novembro de 2020, com decisão de absolvição pautada na insuficiência de provas.
O defensor público de Petrópolis, Marcílio Brito, em parceria com a estagiária Brenda de Sousa e com o residente jurídico Simão Bernardo, entrou com o pedido de indenização levando em consideração os 15 meses de prisão, devendo o Estado pagar um salário mínimo por mês; as dificuldades para a obtenção de novo emprego após sair da prisão, calculada em cima de 24 meses, onde o Estado também deve pagar remuneração mínima mensal; e os danos morais equivalentes a 300 salários mínimos, somados a 50% (150) pedidos em dano bifásico, baseado no racismo implícito e período de encarceramento, totalizando 489 salários mínimos.
Questionando a atuação racista que culminou na prisão de Bruno, o defensor Marcílio Brito ressalta no pedido de danos morais que “o prejuízo suportado pelo autor é irreparável. A razão de cada dia de sofrimento, este imposto pelo Estado, que somados se aproximam de 450 dias , deve ser exposta: RACISMO IMPLÍCITO. Por que colocar o autor deste feito, homem negro, junto com dois homens brancos, quando sabidamente o autor do delito era também negro?" pontuou o defensor Marcílio Brito, em atuação em Petrópolis, no pedido de danos morais.
O defensor afirma ainda que houve erro triplo gravíssimo do Estado como julgador, acusador e investigador, o que ocasionou a prisão injusta durante longo período. Isso representa danos irreparáveis, como a perda da banca de legumes em que Bruno trabalhava e impossibilidade de regressão ao mercado de trabalho. Outro ponto destacado pelo defensor foi a absolvição por insuficiência de provas, considerada errada, visto que o correto seria absolvê-lo pela não autoria do crime.