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Queda no número de mortes, após assassinato de Ecko, tem dedo da milícia, dizem pesquisadores

"Milícias têm uma maneira de atuar mais discreta, mas não menos letal", ressalta professor da UFF

Por Anderson Madeira em 14/09/2021 às 22:39:19

Ecko foi morto pela polícia. Foto: Divulgação Polícia Civil

Três meses após o assassinato do miliciano Wellington da Silva Braga (morto no dia 12 de junho último), conhecido como Ecko, foi registrada uma queda no número de assassinatos na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, onde ele atuava. Levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado e Pista News, mostra que o número de tiroteios em áreas outrora dominadas pela milícia de Ecko caíram drasticamente.

O Instituto Fogo Cruzado mapeou desde então 1.043 tiroteios/disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Rio. Apesar do que apontava ser o começo de um longo período de disputas, as Zonas Norte e Oeste do Rio, com bairros com forte presença da milícia, ambas tiveram queda de 34% nos tiroteios. Quintino Bocaiúva, Cascadura, Madureira, Campinho e Água Santa, bairros da Zona Norte da cidade próximos à Praça Seca, na Zona Oeste do Rio, somados, concentraram 33 tiroteios no período: 40% a menos que no período à morte de Ecko (55).

Nestes três meses desde o que apontava ser o começo de longas disputas, foram poucos os bairros conhecidamente com presença de milícia a terem aumento nos tiroteios.

Realengo, Santíssimo, Santa Cruz e Paciência, antigos redutos de Ecko, foram alguns dos poucos bairros onde o número de tiroteios cresceu, ainda que de forma modesta. Realengo aumentou de 27 para 28 tiroteios, Santíssimo de 2 para 3 tiroteios, Santa Cruz saltou de 7 para 14 registros, e Paciência de 2 para 6 registros. Foi na favela das Três Pontes, em Paciência, onde Ecko foi capturado e morto em operação da Polícia Civil.

Para Daniel Veloso Hirata, professor adjunto do Departamento de Sociologia e Metodologia em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, apesar da queda do número de mortes nas áreas dominadas pela milícia, continuam os confrontos localizados e realizados de forma mais discreta.

‘O aumento de tiroteios envolvendo agentes de segurança nestes primeiros sete meses de 2021 é mais um indicador, dentre tantos outros, da afronta que se faz cotidianamente contra a decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal de restrição das operações policiais, salvo em casos absolutamente excepcionais, durante o período da pandemia do Covid-19. O número de operações e de mortes veio nos primeiros quatro meses aumentando sistematicamente, com relação aos meses anteriores. Em seguida, esse número caiu um pouco, mas os tiroteios não. Isso ajuda a explicar que, apesar de nós termos nesses primeiros meses do ano o menor patamar histórico de homicídios no estado do Rio de Janeiro, durante toda a série histórica, o número de mortes decorrentes da intervenção militar responde nesses primeiros sete meses por 38% de todas as mortes no estado do Rio de Janeiro, decorrentes da ação de agentes de segurança. Não é surpreendente”, analisa Hirata.

Segundo o professor, a milícia está atuando de forma mais discreta.

“A queda do número de tiroteios em áreas sob o controle de milícias pode ser entendido de duas maneiras. Em primeiro lugar, é importante dizer, as milícias atuam de forma mais discreta, do que as facções do tráfico de drogas, e portanto, com ações muito menos espetaculares. Essa é uma característica da atuação das milícias que são compostas em grande parte por agentes estatais, particularmente policiais, sabem muito bem como são realizadas as investigações, sabem o impacto das ações. De forma que as milícias têm uma maneira de atuar é realmente mais discreta, mas não menos letal. Os homicídios não são menores do que em outras áreas que os números possam apontar, isso porque aumenta-se o número de desaparecimentos, utilizam-se outras técnicas de exercer o controle violento dos territórios que eles controlam. A queda do número de tiroteios não é um indicador suficiente para dizer que não estejam acontecendo os rearranjos após a morte de Ecko. Estão acontecendo de forma não ostensiva”, afirma o professor.

Segundo o professor José Cláudio, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”, a redução do número de mortes significa acordos feitos por grupos milicianos após a morte de Ecko.

“O aumento do número de policiais militares feridos em tiroteios e mortes dá continuidade a uma dinâmica de uma política de segurança baseada em confronto permanente. Mesmo com a restrição, por parte do STF, as operações continuaram. Reduziram um pouco no começo e, logo depois, houve um crescimento na Baixada Fluminense, algo expressivo. Vide o caso do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, de desrespeito a essa restrição. Passaram a crescer estas operações. Muitas dessas mortes têm a ver também com atuações fora de operações, no cotidiano da estrutura policial, voltada para confrontos permanentes. A guerra às drogas, que na verdade é a guerra aos mais pobres, confrontos em áreas de favelas e periferias, a toda a atuação miliciana que é calcada nas operações policiais. A milícia se constitui principalmente de policiais que atuam no seu interior. Então, vira um biombo de operações policiais e expansão miliciana com revide permanente do tráfico em cima das operações que sofrem”, explica José Cláudio.

“A acomodação do número de mortes após o assassinato de Ecko revela os acordos. Talvez, antes da morte dele, estes acordos já estavam sendo traçados. A morte dele expressa esses acordos. Se consolidando, tornou-se desnecessário. Ele foi descartado, mas comandava uma das maiores milícias do Rio de Janeiro ou vários grupos internos. Estes tinham seus interesses e passaram a fazer seus acordos, juntamente com o aparato policial, junto à estrutura econômica dessa região que passou a controlar e, principalmente, a estrutura política. Agora, após a morte dele, acordos estão sendo sinalizados: áreas controladas, negócios, distribuição de grana, grupos políticos que já estão aparecendo em função das eleições. Daí, os confrontos já não são tão intensos e necessários, já que os acordos estão sendo feitos em função de um projeto político-eleitoral muito intensificado pela atual disputa. Os grupos de extrema direita se consolidam a partir desta lógica de controle miliciano e da execução sumária. Outro elemento é que, nessa região onde a milícia atua em combinação a atuação policial, os registros começam a enfrentar redução, que a própria estrutura policial não tem interesse em registrar. Está aumentando muito o número de desaparecimentos forçados, uma prática típica da milícia que controla essa área. Não há corpo, não há crime. Há uma subnotificação”, conta o professor.

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