Uma moradora do bairro do Grajaú, de nome Ione, que reside próximo ao Parque Estadual daquele bairro, na Rua Olegarinha, está alimentando indiscriminadamente quatis em sua residência. Isso também tem ocasionado a migração de grupos de pombos para o local. Os vizinhos estão desesperados e reclamando bastante, pois estes animais têm invadido outras casas e prédios do entorno. Eles contam que várias pessoas tentaram falar com a moradora, mas ela não recebe bem os pedidos nem os atende. Inclusive, a gestão do Parque Estadual do Grajaú e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente já estão cientes do problema e já conversaram com a senhora sobre os riscos de alimentar indiscriminadamente animais silvestres. No entanto, segundo os vizinhos, a ação continua.
A bancária Simone Saturnino Braga, de 38 anos, reside na casa ao lado de Ione há apenas quatro meses, mas já sofre com a atitude da vizinha. “Ela alimenta os animais diariamente e eu escuto da minha casa eles brigando entre si pra pegar comida. O barulho é alto da algazarra. O bando já está morando no quintal da casa dela, muito perto de outras casas e dos animais dos vizinhos”, conta. Segundo Simone, a população destes animais vem aumentando, pois eles ficam concentrados em um só local e a reprodução é mais rápida. “Os filhotes não aprenderam a se alimentar na natureza, pois ela joga comida caseira para eles. Com esse comportamento, os animais acabam buscando alimentos nas outras residências no resto do tempo que eles têm. Diariamente, invadem a minha casa pra revirar o lixo. Eu tenho um triturador de resíduos e não jogo comida no lixo normal, mas todos os dias eles derrubam a lixeira no chão e rasgam os sacos”, afirma. De acordo com ela, o medo é grande. “Tenho dois cachorros, e uma é super caçadora, já quase matou os invasores algumas vezes. Tenho medo por elas, pois esses animais transmitem doenças. Inclusive, essa mania dela de jogar comida, além de gerar esses transtornos, fez com que vários pombos migrassem para cá, mesmo não sendo habitat deles. Aqui é área de mata, pombo não vive aqui. Mas ela joga restos de comida e eles foram chegando, estão se reproduzindo e aumentando na região também. A casa dela fica ao lado de um rio e isso também gera resíduos orgânicos nas águas, poluindo ainda mais o que já não é muito limpo”, diz.
O biólogo Mário Moscatelli faz coro com as palavras de Simone. “Em hipótese alguma se deve alimentar animais silvestres. Isso é ruim para eles mesmos e para as pessoas. Cada um precisa viver no seu ambiente. Animais silvestres alimentados se tornam dependentes de quem os alimenta e, quando faltar essa fonte fácil de alimento, eles ficam na mão. Além disso, a dieta dos animais precisa ser aquela encontrada na natureza. Eles podem potencialmente carregar doenças, por isso necessitam viver em seu habitat”, reitera Moscatelli, ressaltando que a pessoa pode até estar agindo de boa vontade, mas não é assim que funciona, para o bem dos animais. “Considero essa espécie extremamente simpática, mas há necessidade de se respeitar os limites de convivência pacífica, sem muita intimidade”, avalia.
Grupos de animais
O taxista Antônio Bordallo, de 58 anos, é outro vizinho a reclamar da atitude de Ione. “O ato de alimentar animais silvestres faz com que eles venham para perto de casas e apartamentos, trazendo doenças e transtornos . A associação de moradores está a par da situação e a síndica de um prédio que faz divisa com o terreno da casa já tentou alertar a moradora. Ao dar alimentação para os quatis, isso também traz pombos, uma praga voadora”, salienta.
Já de acordo com o morador Cláudio Martins de Souza, os animais aproveitam a facilidade e a oportunidade. “Os quatis se acostumam muito facilmente com a alimentação ministrada por humanos. Eles são muito inteligentes e, se acostumados a receber comida, passam a frequentar o lugar. Se a comida faltar ou for insuficiente, eles começam a mexer nas lixeiras, abordam as pessoas na rua e, eventualmente, são agressivos se perceberem alguém com comida. Os animais também podem atacar cães e gatos da vizinhança ao se sentirem ameaçados. Todo animal silvestre é um potencial depósito de parasitas e doenças que podem afetar os moradores (zoonoses). Outra consequência é para os próprios animais e para o meio ambiente. Eles desaprendem a buscar os alimentos naturais (e os filhotes não chegam a aprender) e podem ter problemas para se alimentar, quando a alimentação artificial faltar. Além disso, eles se alimentam naturalmente de frutas, insetos e pequenos lagartos, não da alimentação dos seres humanos. Ocorre um desequilíbrio no ambiente”, ressalta. O morador lembra que é proibido oferecer alimentos a animais silvestres no Rio de Janeiro (Lei Estadual 8145/2002, Artigo 5, parágrafo X).
“Eu comecei a perceber a existência dos quatis por aqui há mais ou menos um ano, mas eram poucos indivíduos. Atualmente, já testemunhei mais de vinte. Quanto à moradora, já houve algumas conversas com ela, mas se mantém irredutível por achar que os animais vão ser prejudicados se ela parar de dar comida. A intenção é boa, mas de boas intenções o inferno está cheio”, lembra Cláudio.
A confeiteira Joselia Crispim, de 55 anos, também vê problemas no ato de Ione. “Essa atitude atrapalha nosso cotidiano. Por exemplo: tenho que, diariamente, fazer limpeza na área externa da casa. São tantos pombos que tive de esvaziar a piscina. Ela vem alimentando os animais há mais de dois anos. Os quatis já estão na rua, podendo até vir a morder uma pessoa. Já tive uma conversa pessoal, mas não parou, continua alimentando os animais”, revela.
Quatis estão invadindo as residências do bairro. Foto da moradora.
O que dizem os especialistas
O biólogo Joel Soares Júnior ressalta que Unidades de Conservação de proteção integral são criadas para preservação de determinado ecossistema, o que permite as intrínsecas relações entre os seres vivos que compõem aquele ambiente. “Uma das exigências para a integralidade do ecossistema é o mínimo de interferência humana , tanto na fauna como na flora. Portanto, alimentar animais silvestres pode ocasionar diversos desequilíbrios, como o aumento populacional de determinada espécie, em detrimento de outras, causando um desequilibro para a fauna local. Outra consequência é a saída de indivíduos dos limites de seu habitat natural, o que já vem ocorrendo neste caso. Pode também promover o aparecimento e aumento populacional de espécies invasoras, como ratos e pombos, trazendo doenças e desequilíbrio populacional”, diz Joel, lembrando que introduzir animais de outras regiões em Unidades de Conservação de proteção integral, como parques estaduais, alimentar animais silvestres, assim como abandonar animais domésticos, são crimes previsto em lei e há pena de detenção inafiançável.
Já o também biólogo Marcello Melo afirma que a moradora está cometendo um erro. “Os quatis devem viver na Floresta da Tijuca e se alimentar de recursos naturais deste ecossistema. Ela está interferindo no processo natural, pois são animais silvestres de Mata Atlântica. Isso é uma infração ambiental e ele pode ser denunciada e responder a processo. A Patrulha Ambiental tem de ir ao local para notificar essa pessoa e remover os quatis para uma área de proteção ambiental”, avalia o profissional.
Poder Público em ação
No mês passado, membros do Parque Estadual do Grajaú e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente conversaram com Ione sobre a alimentação indevida dos animais. Os gestores esclareceram à cidadã que não era correto agir dessa forma, pois causava um desequilíbrio na natureza e fazia com que os animais saíssem da reserva e invadissem residências. Segundo uma fonte do Portal Eu, Rio!, nesta visita Ione alegou ser “implicância de vizinhos e que coloca apenas alguns alimentos para os bichinhos, ressaltando que não agiria mais desta forma”. O espaço para a manifestação da moradora continua aberto.
Acionado pela reportagem, o Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais disse que enviaria uma equipe ao local hoje (22) para verificar a situação atual.