No próximo final de semana, a praia de Abricó, na Zona Oeste carioca, vai celebrar os seus 15 anos de prática oficial do naturismo. O evento acontece no sábado (24) e no domingo (25), e será organizado pela Associação de Naturistas de Abricó. Na ocasião, haverá uma programação que inclui gastronomia, competições de grupos, além de uma campanha de limpeza da praia e de doação de roupas para caridade.
A técnica de enfermagemElisângela R. Santiago conta que conheceu a praia junto com o seu namorado e a partir de então não frequenta outro lugar.Desde de 2015, ela é a presidente da Associação de Naturistas de Abricó. Por isso, para Elisângela, o que começou como uma visita despretensiosa acabou desenvolvendo uma paixão pela localidade, além do comprometimento com a preservação natural.
"Desde os meus 8 anos, eu sou uma desbravadora. Sempre gostei de estar em contato com a natureza, mas não sabia que um dia pudesse fazer parte disso tudo. Hoje, aprendide uma maneira especial com o naturismo que isso é possível", disse a presidente.
De acordo com ela, Abricó tem mais de mil associados. Os sócios são cadastrados e contribuem mensalmente para a manutenção do local. Muitos colaboradores frequentam o lugar todos os fins de semana de sol. Essa assiduidade criou um elo quase familiar entre os frequentadores.
"Ver as pessoas nuas não é um problema. É normal sentir vergonha no começo, mas depois a gente se acostuma. Inclusive, a minha auto-estima melhorou bastante. Eu costumo dizer que muitos têm vontade, mas não tem coragem. Por isso, é melhor se arrepender de uma coisa que você fez do que daquilo que deixou de fazer", aconselhou.
Nenhuma nudez será castigada
Apesar da comemoração dos 15 anos, a história de Abricó com a prática do nudismo é bem mais antiga. O presidente da Federação Brasileira de Naturismo, Pedro Ribeiro, 60, foi um dos fundadores do formato praticado por lá. Todavia, ele relata que há registros que nas décadas de 50 e 60 algumas pessoas já faziam isso pela região, bem como, conhece praticantes daquele período. Essas informações comprovam que a tradição naturista em Abricó teria aproximadamente seis décadas de existência.
Vale destacar que a luta para transformar a praia em um ambiente naturista se iniciou bem depois dessa época. Isso porque, a ditadura brasileira reprimiu o movimento e fez com que muitas informações sobre o assunto fossem esquecidas e censuradas.
"Eu só conheci Abricó em 1985 quando soube que rolava o naturismo por ali. Fiquei muito curioso. Logo, comecei a achar que a praia deveria ser oficializada, pois tínhamos muitos problemas com a polícia. Eles apareciam e ameaçavam os praticantes de prisão. Algumas vezes, pediam até dinheiro ou nos levavam para um passeio nas viaturas. Por esta razão, achei que precisávamos lutar pela regularização", relembrou Pedro.
Para o líder, o pontapé inicial da liberação de Abricó foi dado por uma carta que escreveu para um grande veículo de comunicação da cidade. Nela, Pedro esclareceu que já praias naturistas no país como, por exemplo, Tambaba na Paraíba e a praia Brava em Cabo Frio. A iniciativa acabou despertando o desejo mais sério de levar o caso a outras esferas e também chamou a atenção da Associação de Naturistas do Rio de Janeiro (NATRIO) que apoiou o movimento.
Em 1992, foi entregue um abaixo-assinado na Secretaria de Meio Ambiente. O documento gerou a abertura de um processo para a oficialização da praia. Entretanto, a tarefa não foi tão fácil, pois houve demora administrativa na resolução da questão. No ano de 1994, nas gestões do secretário Alfredo Cerquis e do prefeito César Maia, a petição foi liberada.
"Insistimos bastante até conseguirmos o apoio da prefeitura. Na semana seguinte da autorização, uma liminar da justiça proibiu o naturismo em Abricó. Uma ação popular movida pelo advogado Jorge Béja conseguiu deferir essa decisão.contrária. A proibição durou até 2001e, enquanto vigorou, prendia aqueles que se atrevessem a ficar nus", afirmou o ex-presidente.
No período, os naturistas migraram para a praia da Reserva que também fica localizada na Zona Oeste do Rio. Lá, eles continuaram suas práticas clandestinamente. Até que uma reportagem, produzida sem a autorização do grupo, terminou revelando o novo recinto e provocando a ira da Polícia Militar. A força de Choque invadiu a praia e prendeu diversas mulheres que estavam nuas.
O fato repercutiu tanto na mídia nacional e internacional que as autoridades do estado passaram a dar atenção ao caso. Com isso, criou-se um ambiente favorável para que fosse revista a antiga decisão judicial. Finalmente, em março de 2001, o Tribunal de Justiça revogou a sentença e a prefeitura do Rio ganhou a ação, mas ainda não seria o fim da história. Em maio do mesmo ano, outra liminar voltou a proibir o naturismo em Abricó.
Definitivamente, em 30 de setembro de 2003, a Associação de Naturistas ganhou a batalha. Dois anos depois, o Supremo Tribunal de Justiça também determinou a licença. Em 2014, a lei de autoria da vereadora Laura Carneiro foi sancionada por Eduardo Paes. Ela permitiu o uso do local para a prática do nudismo.
Hoje, Pedro Ribeiro comemora a data e ainda é um saudosista de Abricó. Ele define o seu envolvimento com o movimento como algo visceral.
"Não vejo mais a minha vida sem o naturismo. São mais de 35 anos frequentando estes lugares. Por tal razão, eu digo que quem tem curiosidade deve conhecer. A filosofia é uma excelente maneira de descobrir o seu próprio eu. Assim como, entender o universo das outras pessoas, se respeitar e respeitá-las. É uma descoberta muito interessante e permite um conhecimento integral do outro. Sem vergonha ou qualquer tipo de falso pudor", revelou..