Uma vacina semelhante à Jynneos/Imvanex, imunizante da empresa Bavarian Nordic A/S usado para a prevenção da monkeypox, começará em breve a ser produzida no Brasil. O desenvolvimento do imunizante no país será viabilizado com base em dois frascos do vírus Vaccínia Ankara Modificado (MVA) enviados pelos EUA. A remessa, que chegou ao CTVacinas da UFMG na segunda-feira, dia 5/9, foi doada pela National Institutes of Health (NIH), agência de pesquisa médica norte-americana, por meio de acordo de transferência de material clínico firmado com a Rede Vírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
O professor Flávio da Fonseca, pesquisador do CTVacinas da UFMG e integrante da CâmaraPox do MCTI, explica que o material que chegou a Belo Horizonte é o que os pesquisadores chamam de "semente". "Estamos recebendo uma vacina que foi produzida com o vírus Vaccínia enfraquecido. Devido à semelhança genética desse vírus com o da monkeypox, ela consegue imunizar contra a nova doença, assim como protegeu contra a varíola humana no passado. É o que chamamos de proteção cruzada", diz.
Com a chegada dos frascos ao Brasil, os pesquisadores do CTVacinas darão início ao trabalho que possibilitará a multiplicação do imunizante. Como o Brasil nunca produziu uma vacina específica contra esse vírus, Fonseca informa que a equipe do CTVacinas fará ensaios para definir os parâmetros para sua produção.
Depois que o centro de pesquisa e tecnologia da UFMG estabelecer esses parâmetros, a fabricação do imunizante ficará a cargo da Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Ouça no podcast do Eu, Rio! a reportagem da Rádio Nacional sobre a busca da vacina nacional contra o Monkeypox, a varíola dos macacos.
A vacina contra a monkeypox que será replicada no país é destinada a adultos com idade igual ou superior a 18 anos e tem prazo de até 60 meses de validade quando conservada a temperaturas entre -60 a -40°C.
Pandemia trouxe dura lição sobre necessidade e urgência da biotecnologia vacinal
Flávio da Fonseca afirma que o Brasil abandonou a prática de desenvolver biotecnologia vacinal, e a pandemia da covid-19 mostrou que ter essa autonomia é importante para o país. "A pandemia nos deu uma lição muito dura sobre a importância de ter autonomia técnica e soberania na produção de imunizantes. Entre os países do Brics [bloco formado por Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul], apenas o Brasil e a África do Sul não produziram vacinas contra a covid-19, e isso colaborou para o alto número de mortes aqui registradas”, argumenta.
No caso específico da vacina contra a varíola, Fonseca lembra que ela era produzida no Brasil até meados da década de 1970. Naquela época, o imunizante tinha muitos efeitos colaterais. Esse problema começou a ser minimizado quando surgiram vacinas contra a varíola produzidas com vírus mais atenuados que não se multiplicam no organismo humano, mas são capazes de gerar a resposta imune.
"Tivemos que trazer o lote de sementes dos Estados Unidos, pois não tínhamos nenhum estoque de vacina da varíola no país para que pudéssemos replicá-la. A chegada dos frascos da vacina de terceira geração possibilita a produção nacional do imunizante da varíola que também previne a monkeypox. Essa estratégia vai ao encontro do nosso interesse em nos tornarmos autônomos e autossuficientes. A Bio-Manguinhos é hoje a maior produtora da vacina de febre amarela no mundo, e precisamos ser independentes na produção de vacinas para outras doenças também", defende o professor.
Com a chegada do lote de sementes, a previsão é que o Brasil consiga fabricar massivamente a vacina em no máximo seis meses. De acordo com recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), a produção poderá ser destinada inicialmente a grupos de risco, como os profissionais da saúde que lidam com pessoas contaminadas pelo vírus.
Mudar para atenuar, como na vacina contra a Covid-19, é base para Monkeypox
A varíola humana foi erradicada na década de 1970 por meio de ação vacinal coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). À época, o MVA, que é uma espécie de "primo" do vírus da varíola humana, foi um dos agentes utilizados nos programas de imunização. São poucos os laboratórios no mundo que dispõem desse vírus, base para vacinas de terceira geração.
O MVA foi modificado na Alemanha ao menos 500 vezes por meio de "passagens" em ovos de galinha de modo a ficar completamente atenuado. Ele sofreu mutações que o adaptaram ao hospedeiro aviário, mas também o deixaram incapaz de se replicar produtivamente em seres humanos e em outros mamíferos. Essas alterações possibilitam que, ao ser aplicado no corpo humano no formato de vacina, o vírus induza resposta imunológica sem se replicar. É o mesmo princípio da vacina que tem como base o adenovírus, utilizado em imunizantes contra a covid-19.
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais