A morte do aposentado Valdecir de Jesus, de 62 anos, no último dia 21, depois de ser alvejado por um tiro disparado por um ex-PM, no interior de uma delegacia da Polícia Civil, no Rio de Janeiro, expôs uma vez mais o despreparo profissional da maioria dos policiais que trabalha na segurança pública do Estado. Mesmo cercado por agentes que o prenderam e por aqueles que se encontravam de plantão na DP, o soldado reformado Jefferson Perceu Maciel Saraiva, 46, conseguiu desarmar um policial e, com a arma subtraída, matou Valdecir e feriu outras duas pessoas.
Os três agentes que prenderam Jefferson estavam atuando nesse dia na Operação Aterro Presente, um dos braços do programa de segurança privada mantido pela Prefeitura do Rio e pelo Sesc-RJ. Gerenciado pelo Governo do Estado, os policiais civis e militares que integram esse projeto são voluntários e só podem atuar quando estão de folga das suas funções nas polícias Civil e Militar. O trabalho é remunerado.
Com o intuito de procurar entender o que teria causado o mau procedimento dos policiais que faziam a guarda do preso na 5ª DP (Gomes Freire), o portal Eu, Rio ouviu especialistas do setor de formação de agentes de segurança. Edilson Santos da Silva, instrutor do Centro de Especialização em Treinamento Tático Avançado (CETTA), analisou o ocorrido na delegacia distrital e apontou os prováveis erros cometidos na custódia de Jefferson Perceu.
“Os policiais quando descobriram que o preso era um ex-PM devem ter relaxado a atenção sobre ele. Isso, provavelmente, por acharem que ele (Jefferson) não oferecia nenhum risco à integridade física das pessoas por ser um ex-policial. Ao contrário disso, eles tinham que ficar mais atentos quando descobriram que o detido havia sido afastado da Polícia Militar e que, momentos antes, ele havia desobedecido à polícia e resistido à prisão no aeroporto (Santos Dumont)”, analisou Silva.
Outra observação feita pelo instrutor é quanto ao posicionamento do policial quando por ocasião da retirada das algemas do preso para que ele assinasse o Termo Circunstanciado de Ocorrência.
“O policial que tirou as algemas do detento deveria ter se posicionado de uma forma que impediria o preso de subtrair tão facilmente a sua arma”, ensinou Silva.
O instrutor lembrou que o curso de formação de praças da Polícia Militar do Rio é muito curto e não capacita de forma satisfatória o policial que se deparará nas ruas com uma série de situações que exigirão dele procedimentos corretos de segurança.
“Com a duração de um ano ou menos um pouco, o curso não forma um bom policial. O Estado não oferece estrutura para isso. O que aconteceu na 5ª DP foi uma fatalidade, mas que poderia ter sido evitada se o governo oferecesse aos seus futuros policiais uma formação e treinamento adequados”, lamentou Silva.
Falta de um protocolo
Professor da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj), o ex-subsecretário de Segurança Pública do Rio Newton de Oliveira também acha que houve um relaxamento dos agentes na guarda do preso. Segundo Oliveira, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da Polícia Militar (Cfap) os alunos aprendem as técnicas de domínio e submissão de presos, mas que nem sempre elas são seguidas à risca pelos policiais.
“Eu acho que isso é conseqüência da falta de um protocolo que obriga a todos os agentes de segurança a segui-lo quando estão exercendo a sua atividade policial”, opinou Oliveira.
Como tudo ocorreu
Na manhã do dia 21 de dezembro, Jefferson Perceu chegou ao Santos Dumont gritando e abordando passageiros no saguão do aeroporto. Para conter a ação do ex-PM, a equipe de segurança acionou a Operação Aterro Presente, que conseguiu detê-lo e levá-lo à 5ª DP Segundo testemunhas, as algemas do preso foram retiradas para que ele pudesse assinar o Termo Circunstanciado.
Foi nesse momento que Jefferson, aproveitando-se da distração dos policiais civis e militares, furtou a arma do agente que estava ao seu lado e começou a atirar nas pessoas que estavam na delegacia e na rua. Foram ouvidos ao menos 15 disparos. O aposentado Valdecir de Jesus, que se encontrava na DP para fazer um registro de ocorrência, foi atingido com um tiro e morreu na hora.
Um policial civil que estava de plantão na delegacia e um motoqueiro que passava em frente à distrital também foram baleados pelo ex-PM. Logo em seguida, o agressor foi interceptado e ferido a tiros por um policial. Os três foram levados para o Hospital Municipal Souza Aguiar.
PM se cala
O major Peres, coordenador da Operação Aterro Presente, não quis dar entrevista. Por nota, a assessoria de imprensa do programa informou que o ocorrido está sendo apurado e que o policial que teve a sua arma subtraída pelo preso foi afastado da função, mas que até o momento não é atribuída ao agente nenhuma conduta criminosa. A Polícia Militar do Rio de Janeiro não quis comentar o fato.