"Não pense que porque me tornei deputado que não vou te mandar pra puta que te pariu. Lembre que não faço parte do politicamente correto". Difícil de acreditar, mas as afirmações partiram de um deputado federal recém-eleito que reagiu a críticas feita por um eleitor. O embate aconteceu em um grupo de WhatsApp denominado "Câmara do Povo", cujos participantes são, na maioria, moradores da cidade serrana de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Seguidores e amigos de Silveira, que se identificam no grupo como porta-vozes do parlamentar, vêm usando a dita profissão do deputado para intimidar os membros da oposição, especialmente do PT. No entanto, apesar da sua ficha de candidato informar que Silveira tem curso superior completo, o nome do deputado não consta nos registros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), pelo fato dele ainda estar cursando Direito na Universidade Estácio de Sá.
"Daniel Silveira é advogado e esta preparado para exercer o mandato (...) votamos nele para fiscalizar TODOS os órgãos públicos. Inclusive os que querem implantar o comunismo socialista no Brasil. (...) Em fevereiro ele vai mostrar pra que veio", postou um dos porta-vozes de Silveira no grupo, se identificando como Ney Torres, que seria também policial militar. Ao ser questionado por um integrante sobre o fato de o deputado eleito ter quebrado uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL), o mesmo apoiador argumenta que o objeto estava depredando um bem público e deveria ser quebrado. "Isso chama ordem pública. Ninguém pode sair colocando adesivo em cima de placas públicas. Isso chama vandalismo", posta Torres.
No mesmo contexto, outro apoiador de Silveira manda um recado para os integrantes da oposição. "Esquerdalha não cansa de passar vergonha. Estão em grupo errado. Fica avisado", escreve a pessoa identificada como Josué, que usou uma foto da vereadora Marielle Franco para ironizar os comentários, com os dizeres ""kkk MORRI".
Um dos participantes do grupo insistiu para Silveira postar a sua carteira da OAB e encerrar a polêmica, mas a resposta partiu de Torres. "Daniel Silveira está neste momento em Brasília para a posse do nosso presidente que vai colocar o resto da quadrilha [se referindo ao PT] na cadeia. Se ele tiver um tempinho pra vc, vou tentar um lugarzinho na agenda dele pra vc. Ai vc pergunta pessoalmente para ele", respondeu.
Segundo o integrante que fez o questionamento no grupo, no mesmo dia ele recebeu uma mensagem privada do parlamentar, acompanhada de uma foto dele mesmo e o seu nome completo. Na mensagem, Silveira cita nomes de membros da sua equipe que são advogados.
"Não estou exposto, me exponho propositalmente. O recado é muito claro, não vim brincar e não estou sozinho. Não pense que dormi e acordei querendo ser deputado federal, tudo foi muito bem planejado. Não se esqueça nem por um segundo deste pequeno detalhe e, de forma alguma, esqueça de onde eu venho. Está tudo muito bem costurado e ainda tem muito mais. O que venho fazer junto ao presidente vai mudar o rumo de muitas coisas. Seu problema é que acha que sou o "silveirinha", mas garanto, vai mudar muito sua opinião meu nobre. Desejo um feliz ano novo a você e sua família. Abraço", diz a postagem enviada pelo deputado ao membro do grupo, que pediu para não ser identificado. E acrescentou: "Não pense que porque me tornei deputado que não vou te mandar pra puta que te pariu. Lembre que não faço parte do politicamente correto".
O administrador do "Câmara do Povo", o Técnico da Informação Glauco Medeiros, repudiou o uso das imagens da vereadora Marielle Franco, assim como os comentários ofensivos dos seguidores de Silveira. De acordo com Medeiros, o senador eleito e filho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, também do PSL, estava no grupo e saiu logo após o bate-boca, sem fazer qualquer comentário.
Ao saber das discussões no grupo de WhatsApp, a viúva da vereadora Marielle Franco, Mônica Benício, comentou:
"Um deputado que faz apologia à violência e ataca o Estado Democrático de Direito ao quebrar a placa em homenagem a Marielle! Esse rapaz intimida e quer cercear, por meio do seu título parlamentar, a liberdade de cátedra dos/as professores/as. É uma vergonha para o estado do Rio de Janeiro".
Coleção de trapalhadas
Na coleção de trapalhadas que o deputado Daniel Silveira vem se envolvendo, tem o episódio ocorrido no início de outubro, quando ele participou da destruição de uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL), ao lado do também deputado eleito Rodrigo Amorim (PSL).
Em um vídeo que começou a circular nas redes sociais no dia 24 de novembro, Silveira faz ameaças à gestão do Colégio Estadual Dom Pedro II, em Petrópolis. Silveira afirma que vai mandar uma auditoria fiscalizar supostas irregularidades na instituição. "Todos os professores têm o meu respeito. Professores de esquerda têm o meu desprezo. Quero deixar isso claro", disse o deputado.
E acrescentou: "Diretora, sou deputado federal e meu caráter é de fiscalizador. Posso entrar em qualquer estabelecimento sem permissão. Entenda isso. Não é você que pode me proibir. Se você tem medo que um deputado federal esteja na sua escola, ainda mais um deputado com a minha vertente, conservadora, que combate a ideologia socialista comunista, isso me cheira a merda. E, se cheira a merda, vou fazer um favor. Vou solicitar uma auditoria na sua escola desde o princípio de sua gestão para ver se tudo está tão certinho para saber se realmente você detém a moralidade que você diz que detém".
Em tom de ameaça, o parlamentar segue com o discurso: "Iremos criminalizar e punir qualquer professor e diretor que esteja doutrinando adolescentes em escolas com ideologia socialista comunista. Vocês não darão mais um passo sem a gente intervir e punir vocês".
Em nota, o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE/Petrópolis) repudiou o fato, destacando que o parlamentar excedeu às suas atribuições ao entrar no colégio para fiscalizar. "O papel do parlamentar é fiscalizar e garantir que o poder público cumpra sua parte, vistoriando a infraestrutura, verificando se estão sendo garantidas condições adequadas à formação e rotina de trabalho dos educadores, recursos suficientes para ensino e aprendizagem, e não para arbitrar conteúdos, metodologia de ensino e gestão", destaca o texto.
O que dizem as entidades competentes?
Em nota, a OAB confirmou que o nome de Daniel Silveira não consta no Cadastro Nacional dos Advogados. Segundo o coordenador geral das comissões da OAB/RJ, Fabio Nogueira, se for constatado o exercício irregular inequívoco da profissão, podem ser adotadas medidas cíveis e criminais, mas o órgão precisa ser comunicado do fato.
O TRE informou, também em nota, que as informações que constam na ficha do candidato no sistema DivulgaCandContas do TSE (http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/) são prestadas pelo próprio partido/coligação, diretamente no sistema, no processo de pedido de registro de candidatura.
O Portal Eu, Rio! entrou em contato com o partido, mas até o fechamento da matéria não houve retorno.
O que diz o deputado? Veja a íntegra
A Coordenação do gabinete do Deputado Federal Daniel Silveira (PSL) esclarece que o deputado eleito não pertence à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não exerce cargo de advogado, e nem utiliza o título de jurista para quaisquer fins. O parlamentar é Bacharelando em Direito, fato esclarecido por ele próprio, durante a conversa no grupo de mensagens citada pela reportagem do portal Eu, Rio!, informação, porém, suprimida na reportagem.
A Coordenação do gabinete do Deputado eleito reconhece que houve um equívoco sobre a formação superior do parlamentar, por parte de um dos membros do gabinete, entretanto, o mal-entendido foi sanado.
Ainda de acordo com a reportagem, ofensas e injúrias foram feitas contra a memória da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, entretanto, diferentemente do que foi informado na matéria, o responsável pelo episódio não possui vínculo com o Gabinete do Deputado eleito Daniel Silveira.
O Deputado eleito Daniel Silveira lamenta a distorção dos fatos, e a desconstrução do contexto da conversa travada no grupo de mensagens citada na reportagem, e comunica que buscará na justiça o ressarcimento por danos morais.
Veja o vídeo com a reportagem: