Assim como os cuidados bucais com um dentista são necessários ao longo de toda a vida, para algumas pessoas – cujo número mundial ultrapassa a casa dos milhões - também o medo relacionado ao trabalho deste profissional resiste ao passar dos anos. Mesmo com novas tecnologias, há pessoas que tremem somente por imaginar o barulho do motorzinho.
“Pesquisas estimam que, de 9% a 15% da população dos Estados Unidos (cerca de 30 a 40 milhões de pessoas), evitam ir ao dentista por medo ou ansiedade, enquanto no Brasil este número é ainda maior”, adianta o cirurgião dentista Edinei Dias da Silva, formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“O Estudo Epidemiológico sobre 'fobia dental' revelou que 71,4% das pessoas com odontofobia foram apenas uma vez ao dentista na vida. Ao mesmo tempo, 19% foram duas vezes e 4,8% três vezes”, recorda o profissional, para quem os números endossam o raciocínio de que “não é comum e não se deve minimizar o medo de ir ao dentista”.
De acordo com Edinei, a “fuga” do consultório odontológico deixa a pessoa mais sujeita a doenças periodontais ou mesmo perda precoce dentária. “Problemas simples, como uma cárie inicial ou uma gengivite, que não forem tratadas em seu início, vão se agravar com o passar do tempo afetando a saúde bucal e sistêmica do indivíduo.”, observa.
Além disso, existe um agravante: não cuidar da saúde bucal aumenta a chance de ter outros problemas de saúde e diminui a expectativa de vida. “A saúde bucal precária tem relação com algumas condições que apresentam risco de morte, como as doenças cardíacas e infecções pulmonares”, explica o profissional.
A fobia, no entanto, é diferente de “ansiedade odontológica”, ou seja, a odontofobia e a ansiedade odontológica – assunto que tem ganhado cada vez mais destaque – não são a mesma coisa.
“Fobia, como o próprio nome diz, é um medo intenso e irracional e pode acometer com os indivíduos de diversas maneiras. No caso de pessoas com medo de dentistas, dá-se o nome de odontofobia. Estas pessoas precisam de tratamento médico”, conta o odontólogo.
Edinei Dias, Dentista. Foto: Divulgação
A ansiedade odontológica, por sinal, costuma “caminhar” junto com a fobia, uma vez que pacientes com odontofobia apresentam sintomas como insônia antes da consulta, nervosismo antes e durante o atendimento, vontade de chorar e até podem se sentir “doentes fisicamente”.
“Contudo, por mais que os termos pareçam sinônimos, eles não são”, explica Edinei. “A ansiedade odontológica é caracterizada por nervosismo, tensão ou apreensão em relação às consultas com um cirurgião-dentista, sem que haja um motivo aparente para essa sensação. Já a odontofobia é um transtorno mental e requer diagnóstico e tratamento. Ela existe em vários graus, mas, de maneira geral, é entendida como um medo intenso e pânico de ir ao dentista, o que vai além da ansiedade. pirém, os dois problemas são frequentes", afirma.
Pesquisa explicam “fenômeno”
“Pesquisas apontam que cerca de 50% da população fica ansiosa quando marca a consulta no dentista. Mas, o pior mesmo é que mais ou menos 10% das pessoas nem sequer cogita a possibilidade de marcar a tal consulta”, destaca o profissional.
Ele cita um estudo de Antonio Carrassi, professor da Universidade de Milão, na Itália, que aponta que mais de 40% de pacientes com acesso aos tratamentos odontológicos não se submetem a essa terapêutica periodicamente. Os entrevistadores reconheceram que o principal motivo dessa atitude é o medo do dentista.
Falando de Brasil, a pesquisa chamada “Um estudo epidemiológico sobre a fobia dental", realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), feita com 756 entrevistados do bairro de Moema, na cidade de São Paulo, demonstrou que 52,4% dos entrevistados tinham fobia a dentista.
Eles disseram que seu medo era devido à possível dor causada pela broca odontológica. Já 19% relataram ter medo da anestesia por injeção e 28,6% afirmaram ter medo da broca odontológica e da anestesia em conjunto. A maior prevalência de fobia deste estudo foi em pessoas casadas entre 25 e 34 anos de idade.
Edinei ainda responde a quatro perguntas sobre o tema:
1. Como a pessoa sabe que tem fobia?
Através da observação destes sintomas:
- tensão significativa ou problemas de relaxamento antes da consulta, podendo atrapalhar até o sono;
- nervosismo ao ver os instrumentos e o jaleco do dentista, sendo possível haver choro no atendimento;
- nervosismo crescente e angustiante na sala de espera;
- pânico ou intensa dificuldade em se manter calmo quando os instrumentos são colocados na boca.
2. Odontofobia é algo diretamente relacionado a um ‘trauma’ de consultório ou não necessariamente?
Há uma correlação para este trauma, como você deve imaginar, antes os métodos utilizados pelos dentistas eram muito desconfortáveis.
As anestesias, por exemplo, tinham ponta grossa e o medo do dentista já começava com elas.
Porém, a tecnologia aperfeiçoou os métodos utilizados e hoje se tornou bem mais confortável visitar o dentista.
Ademais, o medo de dentista é criado também quando os pais ou responsáveis transferem os seus medos para os filhos. Em vista disso, é comum que as crianças com fobia de dentista tenham pais na mesma situação.
Também, o medo é decorrente de algum trauma ou procedimento passado que não foi agradável para o paciente ou do imaginário popular de que tratamento odontológico é sinônimo de dor e sofrimento.
Há ainda, a posição da cadeira do dentista que pode levar a essa fobia. Alguns pacientes podem ter achado seu dentista “insensível, frio ou áspero”, enquanto tratava deles, levando a uma antipatia ou medo permanente de dentistas no geral.
Desenhos animados, livros, programas de TV e filmes muitas vezes retratam odontologistas de forma negativa. Alguns filmes de terror relacionados com dentistas também podem desencadear a fobia em indivíduos ansiosos e tensos.
Muitas vezes, o estímulo vem de outra experiência ruim do paciente que não tem correlação com o dentista, mas é muitas vezes a causa de odontofobia.
Um ambiente de consultório odontológico envolve jalecos brancos, cheiros, sons desagradáveis (barulho do motorzinho de dentista), substâncias antissépticas, aparelhos de perfuração e brilhantes luzes do teto. Mesmo com experiência em locais com configurações semelhantes, é possível o desenvolvimento da fobia. Não é à toa que médicos podem ter sintomas de odontofobia.
Felizmente, os procedimentos estão cada vez melhores, bem como o suporte emocional da equipe de atendimento. A criação de um vínculo entre paciente e dentista contribui diretamente para um atendimento eficaz e pouco indolor.
3. Como é o tratamento desta fobia?
Por mais contraditório que pareça, visitar regularmente o dentista contribui para que o medo da consulta acabe. Dessa forma, a prevenção ajuda as pessoas a cuidarem da sua saúde, permitindo que elas evitem a necessidade de um tratamento complexo depois. Outra forma de lidar com o problema é:
* Buscar um profissional bastante recomendado por conhecidos, que tenha um atendimento e um ambiente humanizado. Vale visitar pelo menos três dentistas diferentes para fazer uma escolha;
* Decidir que quer abandonar esse medo para cuidar da sua saúde bucal;
* Se possível, ir acompanhado ao dentista. Isso porque ter um amigo ajuda a distrair e relaxar antes da consulta;
* Ir na primeira consulta apenas para conversar, discutindo abertamente sobre os seus medos. Desse modo o profissional saberá com quem está lidando e dará um tratamento adequado para o visitante;
* Combinar sinais com o dentista para o caso de você sentir algum desconforto. Assim, ele poderá parar imediatamente nesses momentos;
* Exercitar a sua respiração quando se sentar na cadeira do dentista para se acalmar e trabalhar a ansiedade; se possível, levar fones de ouvido sem fio para a consulta a fim de ouvir músicas enquanto é atendido;
* Fazer o trabalho de esforço e recompensa. Assim sendo, sempre que você for ao dentista, vá depois a um restaurante ou cinema. Por causa desse tipo de associação benéfica, o seu tratamento odontológico será melhor recebido e tolerado por você.
4. Há casos engraçados envolvendo este tema, de um paciente que superou o medo, por exemplo?
Com certeza, nestes longos anos, presenciamos diversos casos, vou citar dois mais recentes:
Paciente marcou consulta de urgência por estar com dor de dente. Fui recebê-la na sala de espera e a conduzi até minha sala para conversarmos um pouco sobre o problema relatado. Descobri, durante a conversa, que a paciente estava extremamente nervosa e preocupada de qual seria o tratamento para a sua dor. Após pedir gentilmente que fôssemos até minha cadeira e sempre conversando e explicando a ela tudo o que eu ia fazer, até mesmo um simples movimento para levantar e deitar a cadeira, os equipamentos de segurança, óculos, babador, etc. Fiz o exame indolor com uma câmera intraoral que me permite ver detalhes do dente aumentado em 64x, o que facilita muito observar problemas em estágio inicial e tratá-los de maneira rápida e indolor, por estarem em fase inicial. Não era o caso da dor dela, que precisava de um tratamento de urgência de canal para aquele dente específico, mas como de costume faço a avaliação completa do paciente. Percebi que, durante o exame com a câmera, ela estava chorando, lágrimas caíam sem parar. Parei o exame, sentei a paciente e conversamos mais um pouco. Expliquei o tratamento necessário mostrando a imagem do dente em questão e o raio-x. Também mostrei outros problemas que ela estava, uns em fase inicial, outros já mais avançados e que também era necessário o tratamento para não se agravarem como o dente que estava doendo. Foi nesta conversa que ela me relatou o medo de dentista, por causa de um outro tratamento muito mal-feito e com insucesso que ela havia feito, há mais de cinco anos atrás: o tratamento de um outro dente que tinha uma cárie profunda que se transformou em canal. Ela contava e chorava dizendo que sentiu muita dor, que o profissional não aguentou seu comportamento e passou para outro e este mexeu três vezes neste dente e ela sempre com dor, mesmo anestesiada (outro medo era o da anestesia, da picada da agulha e de ter a sensação de dor ao se mexer no dente, que ocorreu neste relato com os outros profissionais). Conversamos muito e ela concordou com o tratamento de urgência, pois a dor era grande. A parte mais tensa deste tratamento foi a anestesia que ela chorava mesmo antes do ato. Eu, com minha equipe, falávamos com ela, um segurava sua mão, enquanto era anestesiada, acalmando-a, mas isto não impediu as lágrimas caírem. Contudo, no decorrer do tratamento, ela ficava aguardando a sensação de dor com os instrumentos intracanal para este tratamento, percebia pela expressão do olhar, da postura na cadeira, etc, e o tratamento foi conduzido com sucesso.
Finalizamos este dente naquele dia mesmo em sessão única e marcamos de continuar o seu tratamento após cinco dias. Quando ela retornou, a situação engraçada aconteceu: fui buscá-la na recepção. Assim que chegou, perguntei como ela estava, e me respondeu que bem mais tranquila que aquele outro dia e me relatou que seu marido, neste dia, ao acordar a percebeu tranquila e lhe falou: você esqueceu que tem dentista hoje? Você está muito tranquila, até dormiu bem, não estava lembrando? Ela sorriu ao me responder o que disse ao marido: "não estou mais nervosa nem com medo, pois tenho total confiança no meu dentista, que me compreendeu e me tratou sem qualquer dor. Isto me fez sorrir também por ter conseguido, através de um atendimento personalizado e pautado nos detalhes, fazer a paciente superar seu trauma.
O outro foi de uma senhora que levava o irmão para fazer o tratamento comigo e ficava no carro. Percebendo isso, a convidei para ficar mais confortável na sala de espera. Ela, no início, não quis. Mas, na terceira sessão do irmão, eu a vi na sala de espera. O tratamento de seu irmão levou umas nove sessões, pois era um caso bem complicado e demorado, ainda mais com a boa conversa que ele tinha. Na quinta sessão, eu perguntei a ela: "a senhora não deseja fazer uma avaliação para vermos como está sua saúde bucal?" Ela me olhou e disse: "não preciso, estou bem com meus dentes". Contudo, observei que seus olhos me olhavam fixamente e estavam sempre bem assustados. Ela, na sala de espera, ficava por horas aguardando a saída do irmão que sempre eu ia acompanhar até a porta conversando e sorrindo muito. Para meu espanto, quando finalizei a sétima consulta, ela, ao me ver conduzindo seu irmão, me perguntou: "doutor, seria possível dar aquela olhadinha que me propôs semana passada?" Com um sorriso, respondi: "claro que sim!" Acomodei o irmão na sala de espera e fomos ao meu consultório, falamos por umas duas horas e eu entendi o caso dela, uma fobia por barulho, cheiro e jaleco branco de dentista. Combinamos o início de seu tratamento juntamente com o atendimento do irmão na semana seguinte. Ela chegou e vi seu sorriso ao me ver. Eu estava de jaleco colorido e fomos para o tratamento, que iniciou com uma profilaxia e algumas moldagens. Finalizando, ela se tratou com muitos procedimentos complexos, enxertos ósseos, implantes, coroas sobre dentes e sobre implantes. Em todas as sessões de seu tratamento, conversamos durante cada procedimento e ela disse: "o senhor me entendeu completamente, mudou a cor do jaleco, usou técnicas que não causavam barulhos estranhos e materiais que não tinham cheiro de dentista. Sou muito grata, porque eu me sentia péssima com minha condição bucal e, por trabalhar com o público diretamente, isso me constrangia demais e agora vivo sorrindo novamente sem a máscara!"