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Sistema penitenciário: entre a superlotação e as falhas administrativas

Questão é pauta do Ministério da Justiça do governo Bolsonaro

Por Jonas Feliciano em 03/02/2019 às 11:23:10

Foto: Serviço de Comunicação do Depen

No ultimo dia 28 de janeiro, Nicolly Guimarães Sapucci, 22, foi morta em uma unidade prisional no município de Jundiaí, no estado de São Paulo. Na ocasião, a jovem visitava o seu namorado que está preso. Ela foi agredida com chutes, socos e tapas durante uma discussão entre o casal e acabou não resistindo aos ferimentos.

De acordo com a polícia, o namorado de Nicolly cumpre pena por roubo no Centro de Detenção Provisória de Jundiaí. O corpo da vítima só foi encontrado pela administração do presídio, após o final do tempo de visitação. Foram os agentes penitenciários que a encontraram ferida no chão da cela. Ela teve afundamento craniano por causa da violência dos golpes e ainda chegou a ser socorrida. Porém, não conseguiu sobreviver.

Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), foi aberto um inquérito administrativo para investigar e apurar os fatos. Além disso, o acusado foi isolado em caráter preventivo em uma cela disciplinar, bem como, foi solicitada a um juiz da região a sua internação em regime diferenciado.

Nicolly Guimarães além de perder a vida precocemente, deixou um filho de quatro anos. O seu assassinato não apenas se torna uma estatística dentro de uma triste realidade como também propõe um debate urgente. Uma discussão que põe em cheque a eficiência do sistema prisional brasileiro, a própria legislação criminal do país e as inúmeras falhas que acabam afetando diretamente quem está dentro e fora das grades.

Os dados oficiais do último relatório divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que a população carcerária brasileira, até junho de 2016, era de 726.712 presos. Desse total, 689.550 estavam no sistema penitenciário, 36.765 em Secretarias de Segurança ou Carceragem de Delegacias e 437 em presídios federais.

Contudo, a conta não fecha adequadamente. Enquanto são oferecidas 368.049 vagas nas unidades prisionais de todo o país, o déficit existente atinge a assustadora marca de 358.663 indivíduos privados de sua liberdade. Ou seja, o excesso de presos quase alcança o mesmo número das vagas oferecidas. A taxa de ocupação é de 197,45% e a taxa de aprisionamento de 352,6 presos para cada 100 mil habitantes revela outro aspecto impressionante. Um sinal indiscutível da superlotação de um sistema que gera poucas expectativas na recuperação desses infratores e no seu funcionamento eficaz.

Da década de 90 até 2016, o crescimento da população prisional cresceu de maneira considerável. O aumento registrado pelo Departamento Penitenciário Nacionalrevelou uma elevação percentual de 707%. Um salto de 90 mil presidiários para um pouco mais de 700 mil. Os estados de São Paulo (240.061), Minas Gerais (68.354), Paraná (51.700), Rio de Janeiro (50.219) e Ceará (34.566) são os cinco mais expressivos e lideram o ranking brasileiro.

Vale destacar que a natureza da prisão e o tipo de regime são fatores importantes dentro desse sistema. Eles podem explicar, por exemplo, o que gera a superlotação. Contudo, tais informaçõespodemvariar sensivelmente entre os períodos que são realizados os levantamentos estatísticos.

Asporcentagens representadas no gráfico abaixo indicam a distribuição por regime e origem da prisão:

Afinal, o que não está dando certo?

Hoje em dia, é um fato que grande parte da sociedade brasileira anda desacreditada em relação ao poder judiciário. O último Índice de Confiança na Justiça do Brasil (ICJBrasil), realizado pela Escola de Direito (FGV Direito/SP) no primeiro semestre de 2017, revelou que apenas 24% da população brasileira ainda acredita no poder judiciário. Infelizmente, esse é um dado que não é recente, pois a justiça do país vem sendo questionada desde o início dos anos 80.

Alguns dos aspectos analisados pela pesquisa analisam, por exemplo, questões que dizem respeito à confiança, à rapidez na solução dos conflitos, aos custos do acesso, à facilidade no acesso, à independência política, à honestidade, à capacidade para solucionar os conflitos levados a sua apreciação, entre outros comportamentos.

No caso da legislação criminal, a opinião pública não muda muito. Não à toa, nos últimos anos e com o reforço de parte de uma classe política, a expressão "bandido bom é bandido morto" se popularizou tão rapidamente. Atualmente, para muitos brasileiros, essa é a melhor saída para a resolução de todos os problemas.

Neste contexto, direitos como o auxílio reclusão e a visita íntima se tornaram temas polêmicos quando são inseridos nos debates, seja na esfera parlamentar ou mesmo social. Existem divergências e muitos questionamentos, mas também há pouco esclarecimento, bem como, a carência de ações que pretendem mudar o cenário atual.

No Brasil, é a Lei N°7.210, de 14 de julho de 1984, que rege as disposições de sentença e as decisões criminais. Por meio dos seus dispositivos legais, fica garantido o direito dos condenados à assistência material e à saúde, a assistência jurídica, educacional, social e religiosa. Contudo, na mesma legislação estão descritos os deveres dos penitenciários. Então, o que não está funcionando?

O advogado criminalista Jeferson Andre não é favor da reformulação da Lei de Execução Penal. Para ele, a LEP é ideologicamente alinhada ao Código Penal brasileiro de 1940. Por isso, é Importante frisar que dificilmente uma lei que já data quase 80 anos corresponde às exigências do cenário social. Jeferson acredita, por exemplo, que a superlotação do sistema penitenciário é uma prova suficiente de que a prisão não é a forma mais eficaz de punir.

"A ideia de que a legislação penal é branda é um grande engano. Nossa legislação criminaliza mais comportamentos do que a maioria das pessoas podem imaginar. Posso citar como exemplo dirigir sem estar devidamente habilitado, atear fogo em lixo, deixar funcionário público de cumprir obrigação funcional, entre outros. A verdade é que se todas as pessoas que cometem crime fossem punidas, todos nós já estaríamos presos. A execução penal no Brasil tem natureza progressiva e isso significa dizer que a pena precisa abrandar-se a medida que vai sendo cumprida, até que o apenado seja totalmente "reintegrado", afirmou o advogado.

Ainda de acordo com Jeferson, a nossa Constituição é uma das mais progressistas do mundo. Chamada à época de "constituição cidadã". Ele explica que o texto constitucional abriga os ideais dos tratados dos direitos humanos. Desse modo, a expressão "bandido bom é bandido morto" se oporia aos ideais de direitos humanos e, consequentemente, constitucionais. A Constituição veta tratamentos desumanos direcionados aos presos e o endurecimento da lei não resolveria o problema da superlotação.

"Em nossa história recente, o que se prova é exatamente o contrário. Países como a Dinamarca e Portugal tiveram uma resposta positiva em seu sistema penitenciário após a descriminalização de diversas condutas. E isso não ocorre apenas por uma questão óbvia (se não é crime, não há prisão), mas porque a diminuição da criminalização diminui também os conflitos sociais, diminuindo a incidência da prisão. Esses países buscaram outras formas de resolver esses conflitos. Eles recorreram a justiça restaurativa", concluiu.

Em 2017, o Senado Federal aprovou um projeto de lei que propõe a reforma da LEP. O PL 9.054/2017 teve origem a partir de um anteprojeto criado por uma comissão de juristas e coordenado por Sidnei Benetti, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A proposta promove uma extensa reformulação, além de uma norma que trata do cumprimento das sentenças e da ressocialização dos presos. De acordo com os responsáveis, a fase de execução é avaliada como a principal fonte de morosidade da Justiça criminal. Dessa maneira, ela é o centro das discussões sobre segurança pública e tem uma relação direta com a crise do sistema penitenciário.

De acordo com a Câmara dos Deputados, os juristas se preocuparam com ações de ressocialização do sentenciado, na desburocratização, na humanização da sanção penal e também com trabalho realizado dentro das cadeias. Tudo pensando em medidas jurídicas e administrativas que permitam a redução da superpopulação carcerária que é a terceira maior do mundo. Agora, o PL aguarda a criação de uma comissão especial para análise, mas a última informação de tramitação está registrada em dezembro de 2017.

O que diz o Ministério da Justiça

De acordo com a sua assessoria de imprensa, o combate à corrupção, assim como o combate ao crime organizado e ao crime violento, são prioridades do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Visando o aperfeiçoamento da Legislação para o enfrentamento desses três problemas, o MJSP vai enviar ao Congresso Nacional, no início desta Legislatura, um projeto de lei anticrime.

Em seu discurso de posse no MJSP, o ministro Sérgio Moro deu as linhas gerais de como será sua atuação no combate a estes crimes. Para Moro, o compromisso do Ministério vai contar com todos os esforços e a dedicação possível, dos Secretários, dos dirigentes e dos demais servidores. Ele pretende iniciar um ciclo virtuoso de diminuição de todos esses crimes. Tudo isso dentro de um ambiente de respeito às instituições e ao Estado de Direito, além de uma parceria com os Estados e os Municípios.

"Pretendo que a Secretaria Nacional de Segurança Pública, utilizando sabiamente o Fundo Nacional de Segurança Pública atue, não só com investimentos para auxiliar as polícias estaduais e distritais, mas também para padronizar procedimentos, gestão e estrutura, respeitadas as autonomias locais. Deve ter um papel equivalente ao da intervenção federal do Rio de Janeiro e que reestruturou a Segurança Pública naquele Estado. Aqui, evidentemente, substituindo a intervenção por cooperação. É imprescindível que o Departamento Penitenciário Nacional incremente a qualidade das penitenciárias federais para o absoluto controle das comunicações das lideranças de organizações criminosas com o mundo exterior. Eu desejo ainda que ele destrave os investimentos nas estruturas prisionais dos Estados e do Distrito Federal, quiçá elaborando e deixando à disposição deles projetos e modelos de penitenciárias, evitando que os recursos disponibilizados pelo Fundo Nacional Penitenciário fiquem imobilizados por falta de projetos e execução, como infelizmente ocorre. Precisamos, com investimentos e inteligência, recuperar o controle do Estado sobre as prisões brasileiras", discursou.

Sérgio Moro adiantou que o Banco Nacional de Perfis Genéticos que é um instrumento de vanguarda para a elucidação de crimes, especialmente crimes de sangue, e igualmente um inibidor da reincidência criminosa, deixe de ser apenas uma miragem legal. Ele afirmou que em quatro anos, seu compromisso é que sejam inseridos no banco o perfil genético de todos os condenados por crimes dolosos no Brasil ou de todos os condenados por crimes dolosos violentos. Para isso, vai contar com o apoio do Conselho Nacional de Justiça, já que há um projeto em andamento de coleta de dados biométricos dos presos.

"É parte dos nossos planos que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, o DRCI, aprofunde a cooperação jurídica internacional, para que o refúgio do criminoso no exterior seja uma alternativa cada vez mais arriscada. Não deve haver portos seguros para criminosos e para o produto de seus crimes. Quando países não cooperam, quem ganha é somente o criminoso. O Brasil não será um porto seguro para criminosos e jamais, novamente, negará cooperação a quem solicitar por motivos político partidários. A Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e todos os demais órgãos de controle e inteligência, entre eles o COAF, deverão agir com os recursos e as liberdades necessárias", concluiu o ministro.

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