Pesquisadoras do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo estão desenvolvendo uma vacina para evitar a proliferação de carrapatos e, com isso, a disseminação da bactéria responsável pela febre maculosa. Caso os cientistas tenham bons resultados, a vacina será utilizada em animais vítimas dos carrapatos, como bois, cavalos e capivaras.
Um estudo realizado no Laboratório de Bioquímica e Imunologia de Artrópodes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP revelou que a expressão de uma proteína durante a alimentação do carrapato-estrela (Amblyomma sculptum) é fundamental para a sua sobrevivência. Esses resultados apontam a proteína inibidora da apoptose, a morte celular programada, como um alvo promissor para o desenvolvimento de uma vacina contra o carrapato, que é vetor da febre maculosa brasileira. O artigo foi publicado na revista Parasites & Vectors e teve como primeira autora Marcelly Nassar, que realizou a pesquisa para sua dissertação de mestrado.
Aos menos três pessoas morreram recentemente após contraírem a bactéria transmitida pelo pequeno aracnídeo. As vítimas participaram do mesmo evento em uma fazenda no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas (SP), no dia 27 de maio. A doença, que causa febre alta, inflamação nos vasos sanguíneos e outras complicações, pode matar principalmente se houver demora no diagnóstico e tratamento.
Ouça no podcast do Eu, Rio! a reportagem da Rádio Nacional sobre o estudo da USP com vistas a uma vacina capaz de dificultar a proliferação dos carrapatos transmissores da febre maculosa.
A Rickettsia rickettsii, bactéria que causa a doença, é transmitida pela picada de carrapatos infectados. No Brasil, duas espécies desses aracnídeos transmitem a bactéria para humanos. O carrapato-estrela, utilizado no estudo, é o principal vetor, mas há também o Amblyomma aureolatum, que transmite a bactéria na região metropolitana da cidade de São Paulo. A Rickettsia rickettsii costuma permanecer nas populações de carrapatos pois coloniza os ovários, passando de uma geração para outra.
Na fase adulta, o carrapato se alimenta preferencialmente de cavalos e de capivaras, mas o número de casos no Brasil não justificaria a vacinação em pessoas. Se o alvo encontrado para a obtenção de um imunizante for promissor, o carrapato que se alimentar de um animal vacinado morrerá, interrompendo o ciclo de proliferação da bactéria. “A diminuição da densidade populacional dos carrapatos por uma estratégia vacinal, consequentemente, interromperia em grande parte a transmissão da doença para os seres humanos”, explica ao Jornal da USP Marcelly Nassar.
Proximidade de capivaras com populações humanas favorece a transmissão de bactéria letal por carrapatos, que podem ser controlados por estratégia vacinal – Foto: Julio Cesar Bazanini/USP Imagens“É uma estratégia vacinal diferente, mas espera-se que a resposta no hospedeiro seja a mesma”, descreve a pesquisadora. Atualmente, ela faz testes da aplicação do imunizante em animais em sua pesquisa de doutorado.
Alta letalidade da doença
Nos humanos, a bactéria coloniza as células dos vasos sanguíneos, o que causa uma inflamação (vasculite), cuja progressão pode ser fatal. A vasculite também leva ao surgimento de manchas na pele — ou máculas, e daí o nome da doença (“febre maculosa”) — que se espalham pelo corpo. Nem todas as pessoas infectadas têm máculas e os sintomas iniciais são muitos confundidos com outras viroses, como a dengue.
Nos primeiros dias, a pessoa infectada tem febre e sente dores na cabeça e no corpo. Se o paciente não tiver percebido que foi picado ou não se lembrar de dizer isso durante o atendimento médico, dificilmente haverá a suspeita de um quadro de febre maculosa. Assim, não será prescrito o antibiótico adequado, a doxiciclina.
O diagnóstico para febre maculosa é feito por reação de imunofluorescência indireta, que só é confiável após mais de dez dias a partir dos primeiros sintomas, quando o corpo já produziu anticorpos. Portanto, até a obtenção do diagnóstico positivo para Rickettsia rickettsii, possivelmente o tratamento com antibiótico não será mais eficaz. “Controlar a população do vetor, portanto, é a melhor medida para controlar a doença e evitar mortes”, explica a veterinária.
A pesquisadora explicou que poucos casos são registrados por conta da falta de dados. Dado o cenário, bloquear o vetor é a melhor medida para combater a doença. “Não temos um diagnóstico laboratorial efetivo nos primeiros dias da doença. Para esperar um diagnóstico positivo para Rickettsia rickettsii, possivelmente o tratamento não será mais eficaz”, diz ela.
A partir do estudo, pedaços dessa proteína (peptídeos) estão sendo produzidos para imunizar animais que produzirão anticorpos contra ela. O estudo faz parte da pesquisa de doutorado de Marcelly, atualmente em desenvolvimento. Os anticorpos devem neutralizar a proteína, levando à morte do carrapato ao se alimentar, assim como o tratamento feito durante a etapa anterior.
O artigo contou com apoio de vários órgãos de fomento, sendo o principal a Fapesp. Todos os testes com animais foram realizados de acordo com a Lei 11.794/2008, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, e aprovados pela Comissão de Ética no Uso dos Animais (CEUA) da USP.
Jornal da USP e Radioagência Nacional