“Nós, que vimos da Europa em contato com outras Marinhas, não podíamos mais admitir que na Marinha do Brasil, ainda, o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem.” Esse é um trecho do depoimento de João Cândido Felisberto, conhecido como o Almirante Negro, concedido ao MIS, Museu da Imagem e do Som, em 1968, um ano antes de sua morte.
No mês da Consciência Negra, seu único filho vivo, Adalberto Cândido, reverencia a memória do pai, que vai ser enredo da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Carnaval do Rio de 2024. E cobra reparação histórica e financeira que faça jus à sua importância histórica.
Candinho, como é conhecido, falou com a Agência Brasil sobre o heroísmo do líder da Revolta da Chibata, uma das mais importantes do país, contra os castigos físicos impostos pela Marinha aos marinheiros, na maioria, pretos e pardos.
Ouça no podcast do Eu, Rio! a reportagem de Fabiana Sampaio, da Rádio Nacional, sobre a exigência de Reparação Histórica para o líder da Revolta da Chibata.
O levante aconteceu no Rio de Janeiro em novembro de 1910, após o marinheiro Marcelino Rodrigues de Meneses receber 250 chibatadas por ter levado cachaça para o navio. Os marujos também protestavam contra as condições da carreira e os baixos salários. A revolta começou a bordo do navio Minas Gerais, nas águas da Baía de Guanabara, chegando a outros navios e destituindo os comandantes.
Sob a liderança de João Cândido, marinheiros amotinados comandavam os principais navios de guerra da esquadra. Adalberto Cândido destaca que o pai, mesmo sendo bem visto pelos oficiais da Marinha, nunca deixou de lutar pelos companheiros oprimidos.
Gaúcho, filho de escravizados, Cândido, apesar de se destacar por seu conhecimento, chegando inclusive a ser instrutor de aspirantes, nunca chegou à patente oficial de almirante, mas a engenhosa revolta o fez reconhecido pela imprensa da época como o “Almirante Negro”.
Candinho avalia que a importância histórica do pai só foi reconhecida nas últimas décadas.
Ele afirma que os jovens têm muito a se inspirar no legado de João Cândido.
A família espera desde 2019 uma reparação histórica com a inscrição do nome de João Cândido no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. O projeto de lei está em análise na Câmara dos Deputados.
Seus descendentes também buscam reparação financeira. O MPF instaurou inquérito civil para acompanhar as medidas de valorização e reparação à memória de Cândido. Ele foi anistiado duas vezes, a última, postumamente, em 2008, pelo presidente Lula, junto com outros marinheiros que participaram da revolta. Mas o artigo que previa a concessão de reparação aos descendentes foi vetado.
Após a revolta, João Cândido foi expulso da Marinha, chegou a ser preso em uma solitária entre 1910 e 1912, assim como outros companheiros. Solto, a perseguição o acompanhou durante vários anos. Chegou a trabalhar em barcos particulares, como timoneiro e carregador, mas foi demitido por pressão de oficiais da Marinha. O Almirante Negro viveu seus últimos anos como pescador no centro do Rio. Ele morreu em 1969 aos 89 anos.
Fonte: Agência Brasil e RadioAgência Nacional