Um episódio ilustra bem as dificuldades encontradas para o cumprimento da meta traçada pelo Planalto, de aprovar a Reforma da Previdência na Câmara: o ministro da Economia, Paulo Guedes, desistiu de última hora a comparecer a um debate na Comissão de Constituição de Justiça. Interlocutor frequente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Guedes divulgou nota atribuindo a desistência ao desejo de esperar a nomeação do relator da Reforma na CCJ.
Desde cedo, contudo, circulavam entre os deputados rumores de que o ministro não compareceria. Não por acaso, Maia elogiou o ministro em entrevista, depois de confirmada a ausência de Guedes na CCJ Numa inconfidência que contrariou o tom polido da nota oficial do Ministério da Fazenda, Rodrigo Maia disse que Guedes temia não encontrar apoio na Comissão. Coincidência ou não, na véspera do debate com Paulo Guedes os deputados governistas integrantes da comissão, na maioria, informaram que não iriam, ou ficariam calados, sem fazer perguntas. O que deixaria Guedes à mercê dos questionamentos da Oposição.
A confirmação para o público em geral veio às onze e meia da manhã de terça-feira (26), quando o Ministério da Economia distribuiu nota informando a desistência de Guedes:
"O Ministério da Economia informa que a equipe técnica e jurídica da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho estará à disposição para representar o ministro Paulo Guedes na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados para esclarecer pontos da PEC 06/2019, nesta terça-feira, 26 de março. A ida do ministro da Economia à CCJ será mais produtiva a partir da definição do relator."
O incidente compõe um cenário de crescente desencontro entre a bancada oficial, particularmente a do partido do presidente, o PSL, e os ministérios mais fortes, como Fazenda e Justiça. A demora no envio da proposta de mudança na Previdência dos militares, colocada como condição para o início da tramitação da Reforma geral, contribuiu para acirrar os ânimos.
Quando o projeto chegou, mais conflitos: a oferta de um aumento embutido na revisão da carreira militar, amenizando o impacto do aumento da alíquota previdenciária e do tempo de contribuição para o ingresso na reserva, agradou a numerosa bancada de oficiais. Em compensação, alimentou insatisfações no chamado Centrão, grupo de partidos menores decisivo na eleição da Presidência da Casa e na sustentação parlamentar dos últimos seis governos, seja do PT, de centro-esquerda, seja os dois posteriores ao impeachment, de direita.
O sacrifício cobra dos militares, de R$ 1 bilhão anual ao longo da próxima década, soa pequeno junto aos R$ 7 ilhões em renúncias fiscais e particularmente ao R$ 1 trilhão em dez anos esperado dos servidores públicos e dos trabalhadores no setor privado.
Empenhada no ajuste das contas públicas e no contingenciamento de verbas, enquanto a Reforma da Previdência não é votada, para evitar a deterioração das expectativas no mercdo financeiro e a volta de pressões cambiais e financeiras, a equipe econômica teve até agora apoio do Planalto para segurar a liberação de emendas parlamentares e submeter as nomeações a critérios rígidos.
A retórica agressiva contra a 'velha política' e as duras críticas, beirando a demonização, nas redes sociais, estimuladas pelo círculo próximo ao presidente da República, como o vereador e coordenador de campanha Carlos Bolsonaro, reduzem a margem de manobra nas concessões aos parlamentares.
O grupo de partidos identificado com a 'oposição moderada' pregada por Ciro Gomes, como PSB, PDT, Solidariedade e PC do B, anunciou a disposição de debater uma reforma da Previdência em bases distintas da proposta pelo Governo federal.
Só anunciou que retiraria do texto qualquer menção ao Benefício de Prestação Continuada (para quem não contribuiu, mas não tem condição de se sustentar sozinho) e às aposentadorias rurais.
Deixou a resistência a qualquer mudança no tratamento dos servidores públicos e nos trabalhadores do setor privado, na prática, a cargo do PT, do PSOL e a parlamentares isolados que consigam atrair, pouco para ir além da obstrução como estratégica. Mais do que a dividida esquerda, portanto, que teria a exclusividade das perguntas ao ministro Guedes, com o aval prévio de Maia (atacado pela família Bolsonaro mas ainda disposto a intermediar a agenda de reformas que interessa ao mercado financeiro, ao empresariado e aos investidores internacionais), o ministro parece ter se poupado das cobranças da bancada governista, unida em torno de interesses imediatos de suas bases eleitorais, como as verbas para obras e as nomeações na máquina federal.