Uma proposta lançada pelo vereador Edson Santos (PT-RJ) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro está sendo motivo de debates pela cidade. O Projeto de Lei 2.714/2023, que institui o Programa Tarifa Zero nos transportes públicos coletivos municipais, foi discutido com o Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (SENGE-RJ) e possui uma agenda de encontros com representantes da sociedade civil organizada, sindicalistas e políticos. O Portal Eu, Rio! entrevistou Santos para detalhar os objetivos da proposição e de que forma sua implementação auxiliará os passageiros de ônibus, VLT e BRT no cotidiano do município, visto que a mobilidade urbana, através do transporte, é um direito social do cidadão brasileiro, segundo o Artigo 6 da Constituição Federal.
Vereador Edson Santos. Foto: Divulgação
Portal Eu, Rio!: Qual foi o objetivo da formatação do PL 2.714/2023 e como está sua tramitação?
Edson Santos: Ele foi motivado por uma tendência que vem ocorrendo nas cidades brasileiras sobre a tarifa de ônibus não ser mais um ônus para o usuário. Hoje, no Brasil, 103 cidades já instituíram a Tarifa Zero, das mais variadas formas e situações. A mais conhecida é de Maricá/RJ, onde o orçamento municipal viabiliza o custeio de todo o deslocamento da população. Mas existem outras situações em municípios no Brasil, como é caso de São Paulo, onde é realizada apenas nos finais de semana. Este projeto está calcado numa visão de que o transporte, assim como a saúde e a educação, é um direito do cidadão, que precisa se deslocar na cidade em função de suas necessidades, seja para ir ao trabalho, ter seu lazer ou usufruir de serviços. Ele não pode deixar de fazê-lo por não ter o dinheiro da passagem, ou seja, é um fator de mobilidade urbana. É o “direito à cidade”. Existe um movimento em Brasília/DF que busca criar um Sistema Único de Mobilidade (SUM) no país, assim como existe o Sistema Único de Saúde (SUS), onde a União, Estados e Municípios custearão os deslocamentos da população nas cidades e regiões metropolitanas. A ideia da Tarifa Zero é iniciar essa discussão no município do Rio de Janeiro. Não será um “vota hoje, implementa amanhã”. O Projeto de Lei (PL) indica que ela pode ser progressiva, ou seja, a passagem atual a R$ 4,30, por exemplo, pode ser reduzida a R$ 4, R$ 3,50 ou R$ 2, desonerando a população com relação a seu deslocamento pela cidade. Essa é a ideia central do PL, que já está tramitando e se encontra na Comissão de Justiça e Redação da Câmara Municipal do Rio. Vai passar, ainda, por outras comissões, como a de Transportes e a de Finanças.
Portal Eu, Rio!: A Tarifa Zero já foi implementada em 10 cidades fluminenses, como Maricá e Paracambi. Qual é a diferença fundamental da proposta para a cidade do Rio?
Edson Santos: Exato. A Tarifa Zero já foi implementada em Carmo, Casimiro de Abreu, Comandante Levy Gasparian, Conceição de Macabu, Itaboraí, Maricá, Paracambi, São João da Barra, São Sebastião do Alto e Silva Jardim. O transporte, durante muitos anos, foi concedido a terceiros. Os empresários prestavam o serviço e, a partir de uma planilha de custos, o montante arrecadado pelo valor da passagem era sua remuneração devida pela Prefeitura. Agora já não é mais desta forma, pois Eduardo Paes implementou uma empresa pública de transporte, a Mobi Rio. Na verdade, essa proposta existia desde 1985, quando o então prefeito do Rio, Saturnino Braga, criou a Empresa Municipal de Transportes, uma empresa pública deste setor. Esse projeto de quase 40 anos atrás ficou congelado e o atual prefeito o recuperou. Agora, o valor da passagem não é recolhido pelo empresário, mas sim pelo município, que ressarce os proprietários das empresas pelo serviço prestado à cidade de acordo com os quilômetros rodados por cada ônibus, subsidiando parte dessa tarifa, que estaria custando aproximadamente R$ 7 se não houvesse este movimento político.
Portal Eu, Rio!: A Câmara do Rio tem se mostrado a favor das propostas do Executivo. O PL 2.714/2023, inclusive, terá de passar pelo crivo do prefeito Eduardo Paes para ir à votação. Não há uma clara inversão, já que é o Legislativo que cria as leis e o Executivo as administra e é fiscalizado pelos vereadores? O que tem a dizer sobre isso?
Edson Santos: Em determinadas questões, o Executivo tem o poder de legislar. Tudo que mexe com a criação de novos cargos e gera ônus aos cofres públicos municipais é exclusivo do prefeito. Não posso criar uma despesa aleatória sem passar por este crivo. Com relação a essa competência de legislar, portanto, há situações em que cabe ao Executivo tomar decisões. Porém, uma lei como essa é feita por várias mãos. Temos realizado diversas discussões com organizações da sociedade civil, sindicatos e com os colegas vereadores. Logicamente, também vamos conversar com o prefeito. A Secretária Municipal de Transportes/RJ, Maína Celidonio, se disse favorável à proposição. O nó é de onde virá o financiamento. Neste caso, o PL propõe uma série de medidas: via pedágio urbano, que já é cobrado, com uma parte revertida no transporte público; via orçamento municipal, com um montante de R$ 1 bilhão que já é direcionado a este setor; via valores arrecadados nos estacionamentos municipais, principalmente no Centro da cidade; impostos, como o Imposto Sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA); taxas de concessão do modal às empresas, entre outras. O Poder Público precisa fazer com que a população deixe de lado o transporte individual e passe a fazer uso do transporte público, desde que haja garantia de sua eficiência. Temos de buscar outras formas de financiamento, como através do vale-transporte, por exemplo. Pode ser criado um fundo onde estarão todos estes recursos da Prefeitura destinados ao financiamento do sistema público de transporte. Creio que são questões possíveis de serem feitas, além de uma efetiva política de transporte na cidade, que priorize a circulação dos ônibus, onde terá de haver uma previsibilidade de horários. Não há como ter Tarifa Zero privilegiando este modal se o passageiro fica, por exemplo, 40 minutos esperando o transporte no ponto. Deve ser como acontece com o VLT, por exemplo, que comunica a minutagem de chegada do veículo para o usuário. Para isso, é necessário priorizar a malha urbana. Inclusive, o projeto contempla ônibus, BRTs e VLTs.
Portal Eu, Rio!: Como está agenda dos debates com a sociedade civil organizada?
Edson Santos: Já tivemos discussões sobre o projeto no Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (SENGE). Teremos um debate no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) no dia 04 de abril e ainda ouviremos o Conselho de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT-RJ) para tratar deste assunto. Queremos sensibilizar as pessoas para este tema tão importante para a população carioca. Hoje, nós temos as cotas sociais e raciais nas universidades. Mas há estudantes que encontram severas dificuldades de chegar a estes locais de estudo. Este é um dos públicos-alvo para debater a Tarifa Zero. O jovem não pode deixar de ir à faculdade porque não tem o dinheiro da passagem ou essa tarifa se tornar um ônus para seu deslocamento!
Portal Eu, Rio!: De que forma a implementação da Tarifa Zero pode ser setorizada e gradual?
Edson Santos: A proposta é que a Tarifa Zero contemple os 100% da passagem, mas sua implementação pode ser progressiva. A invés de termos um aumento do valor, haver uma redução. Este recurso que ficará com o passageiro certamente circulará na economia da cidade. Pesquisas no Brasil mostram que a sociedade não tem o costume de poupar o dinheiro que sobra, mas sim gastar no comércio. O consumo dessas pessoas fará a economia girar no município.
Portal Eu, Rio!: Com relação às conversas com os demais vereadores sobre o projeto, como está a situação atual?
Edson Santos: Estão boas. Os colegas estão bastante receptivos. Já tive conversas, por exemplo, com o presidente da Comissão de Justiça e Redação, a principal da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Dr. Gilberto (Solidariedade), que verifica a constitucionalidade do projeto. Terei, ainda, uma agenda com o presidente da Comissão de Transportes e Trânsito da CMRJ, Felipe Michel (Progressistas), que analisará o mérito da matéria.