A família do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo vai buscar a responsabilização criminal e civil dos responsáveis pela morte dele. Macedo foi baleado ao tentar socorrer uma família cujo carro foi alvejado por 83 tiros, ao passar por uma patrulha do Exército, no domingo 7 de abril. O ataque a um homem desarmado não será, contudo, a única fonte de questionamento judicial da atuação do Estado nesse caso. A demora na transferência do catador, internado em um hospital que não dispunha das condições para uma cirurgia de pulmão, também será objeto de ação jurídica. Ao ser operado às pressas no próprio Carlos Chagas e não resistir, Macedo tinha em seu favor duas ordens judiciais seguidas de transferência urgente.
Diante da frustração da primeira, obtida no Plantão Judiciário na noite de terça (16), o escritório de advocacia moveu novo pedido de liminar no dia seguinte. A espera da definição sobre a que juiz caberia a decisão consumiu manhã e tarde da quarta, e quando a ordem judicial chegou ao Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, o catador já se encontrava na mesa de operação, pois seu estado passara de grave para crítico.
Para buscar uma compensação, ainda que parcial, a essa via crucis cujo desfecho se deu na Semana da Paixão, a família do catador recorreu a um dos principais escritórios do Rio, João Tancredo e Associados. Contra si, a causa tem a longa tradição de impunidade nas ilegalidades e mesmo atrocidades cometidas por agentes do Estado. A favor, conta com trunfos nada desprezíveis, a repercussão nacional e internacional da tragédia, que ajuda a explicar porque o Exército afastou de imediato e o Tribunal Penal Militar determinou a prisão preventiva de nove dos 12 militares presentes na ação, que resultou também na morte do músico e motorista de aplicativo Evaldo dos Santos Rosa.
Conta também para o sucesso da causa a experiência do time jurídico que atua no caso. João Tancredo, 62 anos, é advogado e atua na área de responsabilidade civil há mais de 35. Atuou e atua em casos emblemáticos do Rio de Janeiro e do Brasil como o naufrágio do Bateau Mouche (1989); as chacinas de Vigário Geral (1993), da Via Show (2003) e da Baixada (2006); o acidente Gol-Legacy (2006) e da Air France (2009); os assassinatos do menino João Hélio (2007), do ajudante de pedreiro Amarildo (2013), da menina Maria Eduarda (2017)e da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes (2018) e muitos outros.
É ele quem detalha para EU, RIO! os próximos passos das batalhas jurídicas em torno do caso, num quadro em que as mortes por agentes do Estado cresceram 19% nos três primeiros meses do ano, de acordo com o próprio Instituto de Segurança Pública do Rio.
O que se pode destacar na reação da família, ao receber a notícia da morte de Luciano?
A família naturalmente está indignada com conduta e com o descaso com a vida e aí das três esferas: federal, estadual e municipal. Luciano tinha uma determinação judicial de transferência que não foi cumprida pelo hospital e pelos médicos. E fizeram mais: fizeram uma cirurgia que não era autorizada, quando já havia uma determinação de transferência. Não é só descaso, é assassinato o nome disso. Lamentável que se trate as pessoas assim, porque são pessoas mais pobres, mais modestas, isso é muito descaso com a vida, não sei qual é a intenção dessas pessoas de fazer tanta maldade
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Quais as primeiras providências, no plano jurídico?
As medidas jurídicas a serem tomadas, primeiro, no que se refere ao não cumprimento da ordem judicial é a execução de umas multas que foram fixadas, segundo é representar contra os médicos que fizeram uma cirurgia não autorizada e que agravou o estado de saúde do Luciano o levando a morte e, também, contra a direção do hospital pelo descumprimento desta determinação. Imediatamente são essas medidas.
E quanto aos pedidos de indenização, em que vão se basear?
Em seguida nós vamos fazer algumas medidas judiciais no que se refere a indenização da família do Luciano. A esposa dele, a mãe e o filho que ainda vai nascer - é um direito próprio que a criança tem - tem direito à indenização pela violenta morte do Luciano. Não só uma violenta morte, mas o abandono que fizeram com ele, que fizeram com a família, levando-o a morte. O tiro não o matou, o que o matou também foi o descaso. Uma ação de indenização própria, buscando reparação por danos morais, que é o dano do sofrimento, e também reparação por dano material, que é um pensionamento que ele pagaria pra família e que, como ele faleceu, alguém tem que pagar. E nesse caso é a União, não tenhamos dúvidas disso. Essas são as ações num primeiro momento.