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Defensoria Pública percorre a Maré na busca de sinais de abusos da Polícia

Ações deverão investigar descumprimento de protocolos em vigor para reduzir riscos a moradores

Por Cezar Faccioli em 08/05/2019 às 08:24:01

Defensoria Pública pede investigações na Maré para esclarecer eventuais abusos de policiais. Foto: Agência Brasil

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sustentará duas frentes legais distintas para esclarecer eventuais abusos na operação policial de segunda-feira na Maré, que deixou oito mortos. Uma dessas frentes é o companhamento das investigações junto ao Ministério Público. 

A outra é a atualização dos termos da Ação Civil Pública que estabelece garantias para os moradores durante as operações policiais de maior impacto. Pelos relatos de moradores da Maré obtidos na terça-feira (7) durante a visita do ouvidor-geral, Pedro Strozenberg, e da subdefensora pública-geral, Paloma Lamego, helicópteros foram usados para disparar rajadas de tiros sobre a comunidade. 

Strozenberg explica que os relatos convergem pra um ponto inquestionável,a realização de pelo menos vinte disparos de cima para baixo. "A concentração em um espaço reduzido das marcas sugere uma rajada, mas será preciso esperar o trabalho da Perícia para confirmar essa impressão," detalhou.

A confirmação é essencial para caracterizar o descumprimento de uma decisão judicial limitando o uso de aeronaves em operações policiais.  Em junho do ano passado, a Defensoria Pública do Rio pediu à Justiça que proibisse o uso de helicópteros em operações policiais. O pedido, feito numa outra ação também referente à Maré, foi negado e o recurso junto a 2ª Câmara Cível ainda não foi julgado. 

O pedido dos defensores do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, acatado pelo juízo da 6ª Vara de Fazenda Pública, contemplava ainda o fim de incursões policiais nos horários escolares, assim como a não realização de operações para cumprimento de mandados judiciais no período noturno. 

Essa ação inicial, mesmo acolhida apenas parcialmente, levou a Secretaria de Segurança a anunciar, em outubro de 2018, por imposição judicial, um Plano de Redução de Danos estabelecendo como obrigatória a presença de ambulâncias durante as operações policiais e determinando o uso de equipamentos de vídeo, áudio e GPS em todas as viaturas das Polícias Civil e Militar. 

Esse Plano não foi formalmente revogado, apesar da mudança de governo, pois dependeria de autorização judicial para ser anulado ou mesmo flexibilizado. O Plano de Redução de Danos não proíbe o uso de helicópteros, mas prevê que seja feito um disparo por vez, e não rajadas de tiros.

"A decisão judicial faz referência explícita à negação da rajada, mas ela é permisiva ou omissa quanto ao uso de armas nos helicópteros. Cria-se assim uma fronteira de difícil comprovação tertemunhal, a de que tenham havido rajadas. O relato dos moradores é inquestionável, foram vinte disparos pelo menos de cima para baixo. Só que a perícia precisa confirmar essa impressão, obter elementos documentais que confirmem o uso de uma estratégia de acuamento, que impossibilitava a defesa. Só assim será possível verificar se houve descumprimento da decisão judicial, nesse aspecto bem específico. O entendimento da Polícia é mais abrangente quanto às situações que justificam o uso de aeronaves," admite Strozenberg, ao reforçar a importância de acompanhar e subsidiar o trabalho do Ministério Público, municiando a Justiça para o controle dos excessos policiais.

A operação policial da segunda (6) foi montada para a captura de Thomaz Jayson Vieira Gomes, o 2 N, depois 3 N, que a inteligência da Polícia Civil revelou estar abrigado no Complexo da Maré, sob proteção de uma das facções locais depois de ter assassinado o rival Shumacker Antonávio, o Piloto, na disputa pelo controle do tráfico no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. 

A Operação visava surpreender a facção de 3N e seus aliados antes que tivessem condições de atacar de novo o Complexo do Salgueiro, desafiando o poder do Comando Vermelho, mais forte facção do tráfico no Rio, mesmo perdendo áreas para a milícia e posições no atacado das drogas e armas para o PCC (Primeiro Comando da Capital), maior e mais ramificado grupo criminoso do País. Daí o poder letal reunido para a ação, com três blindados e um helicóptero apoiando uma força numerosa.

A alegada necessidade estratégica do fator surpresa teria levado a que recomendações vigentes para limitar o risco de danos a terceiros e mortes ou ferimentos a moradores. "O horário foi inadequado, pois coincidiu com aulas e saída de algumas turmas. Nesses casos, o protocolo prevê um aviso prévio de meia hora às direções de escola, para as necessárias providências. 

Não bastasse a ausência de aviso prévio, faltou a presença de ambulâncias prontas a socorrer eventuais feridos, medidas previstas no Plano de Redução de Danos," lamenta o ouvidor-geral. Fora isso, os relatos indicam ter havido alterações na cena do crime, que podem atrapalhar o trabalho da perícia, como corpos arrastados com lençóis para fora das casas onde as pessoas foram alvejadas. 

"São procedimentos padrão, que independem da decisão judicial. Sem as garantias legais necessárias, se reúne um poder letal gigante, que se legitima fora dos devidos marcos constitucionais," adverte Strozenberg. 

O ouvidor-geral lembra que- mesmo países que têm a pena de morte exigem a presença do devido processo legal e do direito de defesa, algo no mais das vezes distante nas operações.A ação civil pública já em curso na Maré será atualizada, para incluir os novos relatos e os desdobramentos das operações policiais recentes.


 "O Poder Judiciário tem que agir durante as operações, para garantir a efetividade das leis. A Defensoria Pública e a Comissão de Direitos Humanos, ao lado de organizações da própria Maré,reuniram relatos dramáticos, contundentes, mas que permitem entrever uma certa naturalização da violência. A meio quilômetro do local dos tiroteios, é como se fosse outro lugar, ninguém viu nem ouviu nada, a rotina pouco é alterada. Falta uma resposta efetiva do Estado, o medo prevalece. Seguiremos, todas as entidades, no local, para incentivar a busca dos direitos, mas o ambiente é de temor, sofrimento. Muitas vezes, é preciso, de fora, chacoalhar os danos emocionais, para que as pessoas se animem a reclamar dos prejuízos financeiros e emocionais que sofrem," conclui.

Fallet 

Em paralelo à Maré, a Defensoria Pública segue acompanhando as investigações sobre o episódio do Fallet, em Santa Teresa. A Polícia entrou em ação para controlar uma guerra entre facções criminosas, e resultaram do processo 13 mortes, todas da mesma facção. 

A Defensoria requereu perícia externa em apoio ao trabalho da Defensoria. "A reconstituição na semana passada, e os depoimentos dos policiais, trouxeram avanços, mas nada conclusivo," admite o ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.


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