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PJM denuncia doze militares pelas mortes em Guadalupe

Acusações vão de omissão de socorro a duplo homicídio qualificado, passando por tentativa de homicídio e exposição a perigo da população local

Por Cezar Faccioli em 10/05/2019 às 22:14:01

Foto: Redes sociais/ Reprodução

A 1ª Procuradoria de Justiça Militar ofereceu denúncia à 1ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar contra doze militares por terem, no dia 7 de abril de 2019, causado a morte de Evaldo Rosa dos Santos e Luciano Macedo e atentado contra a vida de Sergio Gonçalves de Araújo, expondo a perigo a população local, bem como por terem deixado de prestar socorro às vítimas. Os militares, um 2º tenente, um 3º sargento, dois cabos e oito soldados, foram denunciados pela prática dos crimes de duplo homicídio qualificado e tentativa de homicídio, previsto no art. 205, § ; 2º, III, do Código Penal Militar e omissão de socorro, descrito no art. 135, do Código Penal Comum.

Na nota informando a denúncia, a Procuradoria detalha o laudo pericial e enfatiza o contraste entre o número de disparos (257) e a ausência de quaisquer armas ou objetos potencialmente letais com as vítimas. A denúncia veio a público um dia depois que o Ministério Público Federal abriu procedimento investigatório criminal sobre o incidente, invocando um parecer da Procuradoria-Geral da República afirmando ser inconstitucional a norma determinando a investigação e julgamento pela Justiça Militar de crimes contra integrantes da população civil, mesmo que em operações de Garantia da Lei e da Ordem ou de intervenção federal na segurança pública. No mesmo dia, a sexta-feira, em que a denúncia veio a público, a Procuradoria foi visitada pelo secretário de Governo da Presidência da República, general Carlos Alberto dos Santos Cruz.

A nota da 1ª PJM tem por característica o relato minucioso das circunstâncias do incidente e a menção, item por item, dos dispositivos do Código Penal Militar supostamente infringidos pelos militares acusados. O texto lista as regras do Protocolo de Engajamento violadas no episódio, como a que determina o uso de força proporcional e a adoção de precauções que limitem o dano potencial a terceiros. O texto destaca que o incidente ocorreu em área densamente povoada, e com uso de armamento de alto potencial destrutivo. Segue, abaixo, a íntegra dos trechos da nota que descrevem o acontecido:

"A tropa estava em trânsito, quando foi avisada do roubo que acontecia logo a frente. Ao chegarem ao local do fato e encontrarem os criminosos, os militares efetuaram disparos de fuzil e pistola. Os autores do roubo empreenderam fuga em dois veículos, um Honda City roubado e um Ford Ka branco que utilizavam para o crime. Ocorre que dois desses disparos de fuzil atingiram outro Ford KA branco, conduzido por Evaldo Rosa e com mais quatro pessoas dentro. O primeiro disparo atravessou o carro, mas não fez vítimas. Já o segundo, impactou o veículo assim que este acessou a Estrada do Camboatá, entrando pela caixa de rodas do setor traseiro esquerdo atingindo a base das costas do motorista. Outros disparos efetuados pelos denunciad os no local atingiram o gradil do Piscinão de Deodoro e o muro da COMLURB, localizado na esquina entre a Travessa Brasil e a Estrada do Camboatá.

Com o condutor atingido, o veículo ainda rodou cerca de 100 metros, controlado pelo carona, antes de parar. Nesse momento, os ocupantes do banco de trás desceram do carro, buscando refúgio e ajuda num prédio próximo, conhecido como "Minhocão". Também foi nesse instante que a outra vítima fatal, Luciano Macedo, chegou próximo ao carro para prestar socorro.

Os militares, que perseguiam aos autores do roubo, chegaram em seguida e se depararam com um veículo com características semelhantes ao usado na fuga, um Ford Ka branco parado. Supondo tratar-se dos autores do roubo do Honda City, o tenente e, na sequência, os demais denunciados deflagraram disparos de fuzil e de pistola contra o veículo e contra Luciano Macedo, que ainda correu em direção ao Minhocão, mas foi alvejado no braço direito e nas costas. Os disparos atingiram também um bar e uma oficina, bem como alguns carros ali estacionados.

Evaldo Rosa, que permanecia desacordado no banco do motorista, foi atingido, pelas costas, por mais oito disparos de fuzil, sendo que dois disparos o atingiram de raspão. A vítima morreu no local dos fatos em razão de hemorragia subaracnoidea e laceração encefálica. O carona, agachado entre o banco e o painel, foi atingido com tiros de raspão nas costas e no glúteo direito.

Após o reconhecimento do local e constatados os feridos, os militares não prestaram socorro imediato às vítimas. Luciano Macedo só foi socorrido com a chegada da ambulância do Corpo de Bombeiros e morreu 11 dias depois, no Hospital Estadual Carlos Chagas, em razão de ferimento penetrante no tórax com lesão no pulmão esquerdo.

Segundo levantamento realizado pela Polícia Judiciária Militar, naquela tarde de 7 de abril de 2019, considerando o primeiro e o segundo fatos, os denunciados dispararam 257 tiros de fuzil e de pistola. Já com as vítimas não foram encontradas armas ou outros objetos de crime.

Para o MPM, no primeiro fato, quando do roubo do veículo, "os denunciados, atuando em legítima defesa de terceiros que estavam sob mira de pistolas, agiram com excesso ao efetuar, em união de esforços e unidade de desígnio, um grande número de disparos contra os autores do roubo, usando armamento de alto potencial destrutivo em área urbana. Embora a ação dos militares fosse dirigida aos autores do roubo, por erro, vitimou pessoa não envolvida no fato, fazendo incidir a segunda hipótese prevista no art. 37 do Código Penal Militar (erro na execução). A conduta dos denunciados desrespeitou o padrão legal de uso da força e violou regras de engajamento previstas para operações análogas, em especial o emprego da força de forma progressiva e proporcional e a utilização do armamento, sem tomar todas as precauções razoáveis para não ferir terceiros. Sendo assim, os denunciados incorreram no crime tentado de homicídio qualificado por meio de que possa resultar perigo comum".

Já em relação ao segundo fato, quando os militares disparam contra o veículo parado, o MPM conclui que "não existindo, naquele instante, agressão ou ameaça à tropa ou a terceiros, os denunciados, em união de esforços e unidade de desígnio,executaram uma enorme quantidade de disparos de arma de grande potencial destrutivo contra um veículo ocupado por duas pessoas e contra uma terceira pessoa, supondo, equivocadamente, tratar-se dos autores do roubo, fazendo incidir a primeira hipótese prevista no art. 37 do Código Penal Militar (erro sobre a pessoa). "A ação injustificada dos militares, além de ter causado a morte de dois civis e atentar contra a vida de outro, expôs a perigo a população local de área densamente povoada. Assim agindo, incorreram os denunciados no crime de homicídio qualificado por meio de que possa resultar perigo comum, nas modalidades consumada e tentada. Ademais, cessados os disparos, os militares limitaram-se a fazer o reconhecimento do local e dos feridos, sem prestar socorro imediato às vítimas, mantendo-se todos afastados destas. Dessa forma, incorreram no delito de omissão de socorro."
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