A cada ano, segundo associações dos blocos, ir para a rua fica mais difícil e custoso, o que tem feito com que alguns desistam de participar do carnaval, que este ano será nos dias 1º, 2, 3 e 4 de março.
“O carnaval cresceu muito, o crescimento foi trazendo uma série de problemas e exigências”, diz Rita Fernandes, presidente da Sebastiana - Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua do Rio de Janeiro, que é a principal liga de blocos de rua da cidade.
“A gente não está conseguindo, primeiro, vencer a burocracia, segundo, pagar pela burocracia e por tudo que ela traz junto, porque [estão exigindo] contratar arquiteto, contratar engenheiro, mandar fazer teste de carga, mandar fazer teste de fogo e contratar brigadista. São vários requisitos que acabam colocando esse carnaval num lugar que ele não tinha, que era muito mais descontraído e muito mais fácil de fazer”, ressalta Rita.
“Estão todos exaustos, muito cansados, porque carnaval é uma atividade que a gente faz por amor, por paixão. Não é um negócio, ninguém lucra. Não tem isso, não tem salário para ninguém. Então, precisa ter uma compreensão do que é o carnaval de rua. O carnaval de rua acontece porque os blocos são diversos e os coletivos se reúnem, os amigos se reúnem. É muito diverso. Então, essa diversidade precisa estar contemplada assim na forma do tratamento”, explica Isabela Dantas, diretora de relações institucionais do Coreto, uma associação com 40 blocos.
Pesquisa realizada em 2023 pelo Coreto mostra que, apesar da busca por formalização dos blocos, 71% dos representantes de 31 dos blocos que compõem a associação consideram a experiência de produção cultural do carnaval de rua como regular, ruim ou péssima. Entre os maiores problemas enfrentados estão o financiamento, apontado por 87,1%, e a liberação pelos bombeiros, indicado por 74,2%.
Exigências
Atualmente, segundo Isabela, para colocar um bloco na rua e fazer parte do carnaval oficial do Rio de Janeiro é preciso enfrentar principalmente três processos administrativos: na Polícia Civil, na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros. Nas polícias, é necessário informar o dia, o horário e percurso do bloco para obter um documento no qual esses órgãos não se opõem e podem, assim, organizar os efetivos. O maior problema, no entanto, tem sido para conseguir autorização junto ao Corpo de Bombeiros.
“Blocos que saem no chão, com seus instrumentos, sem caixa de som, sem carro de som, não precisam da autorização dos bombeiros porque eles não têm nenhuma estrutura, mas os blocos, mesmo pequenos, com pouca estimativa de público, se vão colocar caixa de som, tablado, se vão ter alguma estrutura, carro de som, aí precisam apresentar a documentação. Aí que começa a lista de exigências. É uma lista imensa, enorme”, reclama Isabela.
Entre os itens exigidos estão, por exemplo, plantas dos trajetos dos desfiles, com indicações de saídas de emergência, cópia da nota fiscal de aquisição, inspeção, recarga ou aluguel de extintores de incêndio, projeto de cada trio elétrico, com a localização de cada gerador, em escala ou cotadas no padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), assinado por engenheiro ou arquiteto.
“A gente tem que fazer, com o arquiteto, a planta da rua e do trajeto, na regra ABNT, e entregar propondo rotas de fuga. Isso é uma maluquice, é uma loucura. Não é um trabalho nosso botar rota de fuga nas ruas da cidade. Isso começou agora, há dois anos. Então, a cada ano que passa vão aumentando as exigências”, observa Rita.
Ela é também fundadora e diretora do bloco tradicional Imprensa que eu gamo. O bloco é um dos que decidiu não mais participar do carnaval oficial a partir de 2026. Este será o último ano que saem no formato atual. “A burocracia e o custo do bloco foram fatores decisivos para a gente parar. Ninguém aguenta mais. Deixou de ser um prazer, de ser uma brincadeira boa. Virou um negócio, entendeu? E a gente não quer isso”, revela.
Financiamento
Outra dificuldade apontada pelos blocos é com os patrocínios. Os blocos, que antes podiam angariar fundos, agora dependem de regras da prefeitura e precisam respeitar as divulgações dos patrocinadores oficiais do carnaval, sob a pena de serem multados.
“Na parte de financiamento, além do que ficou tudo muito mais caro, que a gente hoje tem que ter muito mais dinheiro, tem que ter mais patrocínio, era uma coisa que a gente fazia com venda de camiseta, fazendo pequenos eventos”, pondera Rita.
“Fomos obrigados a entrar na lógica da venda do patrocínio do mercado de carnaval. E está muito difícil porque a prefeitura - de dois anos para cá, 2023 e 2024 - colocou uma série de restrições para que os blocos pudessem ter seus próprios patrocínios” acrescenta.
Isabela ressalta que o carnaval de rua é responsável por levar milhões de pessoas às ruas e por movimentar a economia da cidade. Os blocos são parte importante desse carnaval. Apenas em 2024, cerca de oito milhões de pessoas curtiram o carnaval no Rio de Janeiro. Seis milhões de foliões estiveram espalhados em 399 desfiles de blocos de rua. Foram injetados na economia carioca R$ 5 bilhões.
“O carnaval de rua é um evento tão importante, é uma festa de pura expressão de manifestação popular, é uma festa riquíssima, é um período em que a cidade vive semanas de alegria, de união e de celebração. A gente percebe no Rio de Janeiro o movimento de atração de turismo para a cidade, como fomenta o comércio, como fomenta o setor de hotelaria e como a cidade fica cheia contribuindo para a economia local. É muito dinheiro que circula na cidade por conta do carnaval de rua que só acontece se os blocos estiverem na rua. Então, isso precisa ser visto, os blocos precisam ser tratados com mais consideração, com mais atenção”, garante Rita.
Corpo de Bombeiros
Procurado, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) diz que trabalha para garantir a segurança do carnaval de rua do Rio de Janeiro e que “tudo que é possível para facilitar a regularização dos blocos vem sendo feito, ao longo dos últimos anos”, enfatiza o porta-voz da corporação, major Fábio Contreiras: “A missão da corporação é proteger o cidadão no que tange a questões relacionadas a incêndio e pânico”, avalia.
Segundo Contreiras, seis meses antes do carnaval, o Corpo de Bombeiros lançou uma cartilha online para orientar os organizadores e responsáveis sobre a importância da legalização e cumprimento das normas de segurança para eventos de reunião de público.
Ele esclarece que, no caso do carnaval de rua, blocos que não preveem infraestrutura física - arquibancadas e arenas, carros de som ou trios elétricos - estão isentos de regularização junto à corporação. As exigências recaem apenas sobre blocos que possuem essas estruturas em sua característica.
“O objetivo é evitar, por exemplo, riscos de descargas elétricas, atropelamentos e desmoronamento de estruturas, além de assegurar a existência de postos médicos e ambulâncias para o primeiro atendimento em caso de emergências, sustanta.
Riotur
Em nota, a Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur), ressalta que é necessária a regulamentação dos blocos "para garantir a tranquilidade e conforto aos foliões" e diz que "sempre estabeleceu um canal direto com as ligas e blocos que compõem o carnaval de rua".
Para a Riotur, a infraestrutura mobilizada para que não haja alteração na dinâmica da cidade é feita por meio de uma organização prévia de todos os órgãos públicos envolvidos no evento.
A Riotur afirma, ainda, que cabe à própria empresa o alinhamento operacional com os órgãos públicos municipais, gradeamento de praças e monumentos, colocação de banheiros químicos e fornecimento de insumos para a limpeza urbana, entre outras estruturas, conforme previsto no caderno de encargos.
A empresa diz ainda que o cronograma de cadastro preliminar dos blocos de rua para o carnaval 2025 segue o calendário previsto. "Os blocos de rua interessados em desfilar obtiveram retorno ainda em outubro de 2024, permitindo a busca pelo nada a opor dos órgãos estaduais com três meses de antecedência", finaliza.