A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal, encaminhou ao ministro da Cidadania, Osmar Terra, pedido de esclarecimentos acerca de denúncias de que a pasta estaria mantendo fora do ar os conteúdos do portal Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid). A plataforma foi criada em 2002 e seria o único banco de dados oficial sobre consumo dessas substâncias no país, reunindo informações coletadas a partir de pesquisas nacionais e subsidiadas com recursos públicos. Segundo informações recentemente veiculadas pela imprensa, o portal está fora do ar há seis meses, quando foi transferido do guarda-chuva do Ministério da Justiça para a pasta da Cidadania.
No ofício ao ministro Osmar Terra, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que a Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) assegura a observância da publicidade como preceito geral e estabelece que dados de interesse público devem ser divulgados, independentemente de solicitações. De acordo com a legislação, é dever do poder público a gestão transparente da informação – propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação, e garantindo sua disponibilidade, autenticidade e integridade.
No documento ao Ministério da Cidadania, o órgão do Ministério Público Federal ressalta que constitui conduta ilícita – e que enseja responsabilização do agente público – utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública.
Estudo da Fiocruz – No ofício, a PFDC também solicita ao Ministério da Cidadania esclarecimentos quanto à devida publicidade à mais recente pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o consumo de drogas no Brasil. O estudo foi desenvolvido pela instituição por meio de edital aberto pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). O levantamento, de abrangência nacional, teria custado aos cofres públicos um total de R$ 7 milhões.
No documento, a PFDC solicita ao Ministério que esclareça se procedem as denúncias de descumprimento à devida publicidade de informações públicas e informe se os dados constantes tanto do portal Obid como da pesquisa realizada pela Fiocruz estão disponíveis ao público de forma ampla, imediata, autêntica e íntegra, independentemente de solicitação. A Fundação, sediada no Rio, divulgou uma nota oficial respondendo aos questionamentos públicos feitos desde o governo Temer sobre a pesquisa de uso de drogas realizada pela instituição, que teve a divulgação suspensa pelo Ministério da Justiça e, posteriormente, pela pasta da Cidadania e Desenvolvimento Social, que com a posse de Jair Bolsonaro. Na nota (íntegra disponível abaixo), a Fiocruz defende a qualidade e a seriedade do trabalho, inclusive por critérios científicos internacionais, mas explica que não fará a divulgação até ser autorizada pela Secretaria Nacional Anti Drogas (Senad), que fez a encomenda do levantamento.
"A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por prezar pela transparência e em razão de seu compromisso com a sociedade brasileira, vem a público prestar alguns esclarecimentos sobre o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, pesquisa realizada pela Fundação a partir de edital público lançado, em 2014, pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad), órgão ligado ao Ministério da Justiça.
A pesquisa teve início ainda em 2014 e se estendeu até o final de 2017, quando foi enviado à Senad relatório completo com os resultados previstos em edital de licitação. Ao todo, o projeto envolveu cerca de 500 profissionais de diferentes áreas, dentre entrevistadores de campo, pesquisadores da área de epidemiologia e estatística, e compreendeu as seguintes fases: planejamento, estruturação, logística, treinamento, coleta de dados, apuração, ponderação, calibração, tabulação, análise de dados, escrita de relatórios e tradução para outros idiomas. Quanto aos recursos, foram utilizados cerca de R$ 7 milhões do total de R$ 8 milhões disponibilizados pelo edital. A prestação de contas foi enviada ao órgão financiador em junho de 2018.
O 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira é mais robusto e abrangente que os dois anteriores, pois inclui, além dos pouco mais de 100 municípios de maior porte presentes nos anteriores, municípios de médio e pequeno porte, áreas rurais e faixas de fronteira. Foram entrevistados mais de 16 mil indivíduos. Essa abrangência só foi possível graças à utilização, exigida no próprio edital, do mesmo plano amostral adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para realização da já reconhecida Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O plano amostral adotado permite, portanto, um cruzamento desses resultados com dados oficiais do país. Vale destacar que a abrangência amostral foi solicitada pelo próprio edital e que todos os critérios solicitados foram devidamente atendidos.
Quanto à possibilidade de comparação dos dados, o grupo de pesquisa responsável esclarece que, em função do intervalo temporal, já que os levantamentos anteriores foram realizados em 2001 e 2005, houve mudanças na demografia do país e nos critérios adotados para classificação de dependência, segundo nova edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-4). Portanto, uma comparação dos dados atuais com os anteriores não poderia ser feita de maneira simplista e direta, mas sim a partir de análises estatísticas específicas. Essa etapa também foi realizada, com entrega de análises comparativas que utilizaram três abordagens diferentes.
Informamos ainda que o plano amostral empregado no 3º Levantamento foi, em 2018, submetido, aprovado e publicado nos anais do Joint Statistical Meeting, reunião das diversas Associações Estatísticas Mundiais, sendo referendado, portanto, pelo Consórcio Internacional de Estatística.
O reconhecimento faz parte da trajetória dos pesquisadores que constituem o Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), onde toda a pesquisa foi desenvolvida. O Laboratório é reconhecido, desde 2008, como Centro de Referência do Ministério da Saúde para as atividades de vigilância em saúde e realiza diversos estudos, já há algumas décadas, sobre as condições de saúde da população brasileira, com destaque para a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), um grande inquérito de abrangência nacional, também em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que permitiu traçar o perfil de saúde da população brasileira, a exposição a fatores de risco, a prevalência de doenças crônicas e o uso do sistema de saúde.
Até o presente momento, no entanto, a Senad se nega a reconhecer oficialmente o estudo em questão. Conforme enviado em ofício à Secretaria, a Fiocruz continuará respeitando o edital que baliza a pesquisa e tornará público o relatório apenas após anuência do órgão ou mediante outra via prevista formalmente na legislação pertinente. Diante dessa situação, a Presidência da Fiocruz, por intermédio da Procuradoria Federal junto à Fundação, acionou a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CGU/AGU), que faz intermediação de conflitos entre órgãos públicos, e aguarda posicionamento.
A Fiocruz orgulha-se do trabalho realizado pelos seus pesquisadores e assegura que o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira cumpriu o proposto em edital, respeitando todo o rigor metodológico, científico e ético pertinentes a este tipo de estudo, produzindo informações de extrema importância para o país e a sociedade brasileira."