"Eu saí da PM porque não acreditava mais que valia o risco, não via que havia algo maior envolvido, amigos morriam quase que diariamente e nada era feito. Somente estatística", afirma um ex-policial militar de 33 anos que não quis ser identificado e que atualmente estuda Psicologia em uma universidade particular.
Ele faz parte de um grupo cada vez maior de agentes da lei que deixam a farda para atuar em outra profissão, visando uma vida melhor para si e seus familiares. De acordo com a Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro, no período compreendido entre junho de 2017 até março deste ano, 1063 policiais deixaram de fazer parte dos quadros da corporação, sendo que aproximadamente 8,5% deles pediram baixa voluntária, que é quando o agente solicita sair, para procurar novos ares profissionais visando deixar de lado a insegurança do trabalho que, só em 2018 já vitimou mais de 50 policiais no estado do Rio.
Outro fator determinante para a mudança de vida do nosso personagem foi o nascimento da sua filha há cinco anos. "Eu não via propósito no que eu fazia, apenas jogos de interesses, só faltava coragem, ela veio com o tempo", revelou o ex-soldado que atuava em um batalhão na região leste fluminense.
Já um outro ex-soldado afirma que pediu baixa quando viu um amigo ser morto covardemente por bandidos simplesmente pelo fato de ser policial. "Até então eu nem pensava em mudar de vida, mas há quase quatro anos eu perdi um amigo que foi baleado por seis tralhas que descobriram que ele era PM", afirma o ex-agente de 34 anos em referência ao soldado Douglas Leonardo Alencar, lotado ao 12º BPM e que foi morto quando não estava de serviço, ao sair de uma agência bancária na Alameda São Boaventura no bairro do Fonseca, Zona Norte de Niterói, ele tinha 30 anos na época e deixou três filhos e uma esposa.
Mas nem todos que saem da Polícia Militar conseguem trilhar o caminho da lei, alguns acabam entrando para a criminalidade como é o caso do ex-sargento Marcelo Almeida da Silva de 54 anos. Ele foi preso por PM dos 7º BPM (São Gonçalo) na tarde da última terça-feira (19) em São Gonçalo após, fazendo uso de uma faca, tentar assaltar uma jovem próximo à Praça do Galo Branco.
O caso foi registrado na 72ª DP (Mutuá) e segundo os ex-colegas que efetuaram a prisão, Marcelo estaria cometendo crimes semelhantes na região em companhia de outro homem não identificado, ambos estariam em uma motocicleta modelo Honda Titan, de cor preta. A 4ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) foi acionada e ele foi levado para a Unidade Prisional da Polícia Militar que fica na Alameda São Boa Ventura. Durante o processo de prisão, foi constatado que Marcelo responde a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), procedimento que julga se o militar é capaz ou não de permanecer na instituição. Ou seja, pode culminar na sua exclusão.
De acordo com doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Ozéas Lopes, a desmotivação profissional associado com o receio de morte com certeza tem algum tipo de influência bastante significativo nesse processo migratório dos agentes da lei para outras profissões. "Você imagina a pressão de um pai, de uma mãe, de uma esposa, de um filho discutindo com policial que 2 mil, 3 mil reais ele consegue ganhar em qualquer lugar. A gente sabe que não arruma, mas que não compensa o risco", avalia.
Ele ainda lembra que as desistências se dão em sua grande maioria por parte dos soldados, os oficiais, de sargento para cima, que tem progressão de carreira geralmente seguem na corporação. "Você associa o policial que não é bem remunerado, não tem o reconhecimento interno dentro da própria corporação com tratamento diferencial entre oficiais e soldados, esses que tão na linha de frente", explica.
Por fim, o sociólogo ainda completa. "Sem as vezes uma assistência humana, muitas vezes sofrendo preconceito da sociedade por causa das práticas militares. Ele olha para 2 ou 3 mil reais acaba sendo mais interessante, eles fazem um processo de compensação a carreira passa ser estressante, desinteressante, deixa de ser meio de vida e se torna meio de morte e ai a pressão é muito grande e a pessoa desiste".