Aldeia Wajãpi discorda de laudo emitido pela PF sobre a morte de cacique
No último dia 16, a Polícia Federal concluiu que o líder indígena teria morrido por afogamento
Por Jonas Feliciano em 19/08/2019 às 20:19:21
Imagem: APIB
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra imagens do cadáver do cacique Emyra Wajãpi. O material é uma campanha que refuta o laudo técnico da Polícia Federal que constatou que a morte do líder indígena teria sido por afogamento. Produzido por Aikyry Waiãpi, as imagens mostram marcas de pancadas próximas ao olho direito, na cabeça e a orelha rasgada do líder indígena. Além disso, as costas e o pênis estão com ferimentos.
Segundo relatos de moradores da aldeia, o corpo não foi levado para o Instituto Médico Legal. O áudio de uma fonte local é reproduzido no vídeo. Nas informações gravadas, uma mulher afirma que foi retirada apenas uma parte do cadáver para a realização de exames.
"Acabei de receber a informação de um dos Wajãpis da aldeia. Eles falaram que realmente não trouxeram o corpo, que foram lá e tiraram um pedaço sem deixar os wajãpis se aproximarem e tiraram um pedaço e trouxeram. Mas o corpo mesmo não veio pra Macapá", afirmou a voz não identificada.
Ainda no mesmo vídeo, há a informação de que a Polícia Federal também esteve no local e se recusou a investigar os indícios de invasão deixadas pelos garimpeiros. Em depoimento, um membro da aldeia wajãpi relatou a ação da PF.
"Aí essa polícia chegou lá e nós mostramos os sinais. Mostramos as pegadas onde ele pisou, deixou sua marca. Pegada de sapato. Não deram importância nesse caso. Até eles falaram né: nós não viemos para entrar no mato. Nós não viemos pra ir atrás dos invasores", contou o indígena.
Na mesma filmagem, com cerca de dois minutos e vinte, também é reproduzido um áudio do general Viana Filho solicitando a presença da prefeita Beth Palaes, da cidade de Pedra Branca do Amapari, para viabilizar o encerramento do caso.
"Boa tarde, prefeita Beth. Eu queria ver a possibilidade, até pra dar mais fidedignidade as nossas informações, da senhora estar conosco, com o gabinete de crise em uma reunião, hoje ou amanhã de manhã, aqui no Amapá. Seria o ideal, o quanto mais rápido... Porque nós queríamos fazer uma nota para imprensa e encerrar todos esses comentários com a apresentação do "ral" da Polícia Federal. E com a presença da senhora isso seria valioso para todo o Gabinete de crise", disse o general em uma gravação datada de 29 de julho deste ano.
Vale destacar que a circulação do conteúdo remete à discordância dos povos indígenas sobre o laudo emitido pela Polícia Federal no último dia 16 de agosto. O documento trata da causa morte do cacique Emyra Waiãpi e descarta a possibilidade de homicídio, apesar de relatos de testemunhas da aldeia Wajãpi e dos indícios de assassinato.
A reportagem do Portal Eu,Rio! entrou em contato com a assessoria da Polícia Federal. No entanto, a PF afirmou que não se pronuncia a respeito de investigações em andamento.
O portal também procurou a assessoria do Exército Brasileiro para tentar esclarecer o caso, de acordo com o Centro de Comunicação Social do Exército o General Viana Filho, comandante da 22ª Brigada de Infantaria de Selva (Macapá-AP), tem mantido contatos regulares com todas as agências presentes na área do município de Pedra Branca do Amapari, inclusive com a prefeitura local, no sentido de apoiar a elucidação dos fatos recentes ocorridos naquela região.
O EB ainda ressaltou que em relação as eventuais mensagens enviadas às autoridades, não seria ético nem legal expor seus conteúdos, em respeito ao sigilo dessas correspondências.
Invasores em terras indígenas
Desde o final da tarde do dia 22 de julho, quando o chefe Emyra Wajãpi foi morto de forma violenta na regia?o da sua aldeia Waseity, proxima a aldeia Mariry. A Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB) tem emitido notas oficiais sobre o caso. Pouco tempo depois do episódio, a entidade se pronuniou afirmando que a morte não foi testemunhada por nenhum Wajãpi, e que so foi percebida e divulgada para todas as aldeias na manha do dia seguinte.
De acordo a primeira nota da ABIP, nos dias seguintes, parentes examinaram o local e encontraram rastros e outros sinais de que a morte foi causada por pessoas na?o-indigenas, de fora da Terra Indigena.
"Os Wajãpi da aldeia Yvytoto, que fica na mesma região, encontraram um grupo de não-índios armados nos arredores da aldeia e avisaram as demais aldeias pelo radio. À noite, os invasores entraram na aldeia e se instalaram em uma das casas, ameaçando os moradores. No dia seguinte, os moradores do Yvytotõ fugiram com medo para outra aldeia na mesma região (aldeia Mariry). No dia 26 à noite nos informamos a Funai e o MPF sobre a invasão e pedimos para a PF ser acionada. Na madrugada de sexta para sabado, moradores da aldeia Karapijuty avistaram um invasor perto de sua aldeia.
No dia 27, sabado, nos começamos a divulgar a noticia para nossos aliados, na tentativa de apressar a vinda da Policia Federal. Um grupo de guerreiros Wajãpi de outras regiões da Terra Indigena foi ate a regia?o do Mariry para dar apoio aos moradores de la enquanto a Policia Federal não chegasse. No dia 27 à tarde, representantes da Funai chegaram à TIW e foram ate a aldeia Jakare entrevistar parentes do chefe morto, que se deslocaram ate la. Os representantes da Funai voltaram para Macapa para acionar a Policia Federal. Os guerreiros Wajãpi ficaram de guarda proximo ao local onde os invasores se encontram e nas aldeias que ficam na rota de saida da Terra Indigena. Durante a noite, foram ouvidos tiros na região da aldeia Jakare, junto à BR 210, onde não havia nenhum Wajãpi", publicou a entidade. No dia 29 de julho, o Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina) divulgou novas informações sobre a invasão da Terra Indigena Wajãpi.
"Domingo, dia 28/07, as equipes de policia chegaram à aldeia Mariry no inicio da tarde e seguiram para a aldeia Yvytoto acompanhados por nossos guerreiros. Quando chegaram la, não tinha mais ninguem no local, apenas rastros dos invasores. Os policiais marcaram os pontos no GPS e tiraram fotos. Os guerreiros levaram a equipe da policia ate um local onde os invasores tinham se escondido no dia 26 de julho, mas la tambem não tinha mais ninguem. Depois disso, os policiais disseram que não poderiam procurar os invasores dentro da mata seguindo os rastros que mostramos e voltaram para a aldeia Mariry e depois para o posto Aramira, onde chegaram por volta das 21h30.
No Aramira, os policiais se reuniram com representantes da Funai, do Apina, das aldeias da região do Aramira e da Prefeitura de Pedra Branca. Eles falaram que a região da aldeia Yvytot e de dificil acesso e que não tinham cocondições de permanecer la e dar continuidade às buscas pelas dificuldades de deslocamento e alimentação. Na reunião, o delegado falou que vai estudar a região ao redor da aldeia atraves de imagens de satelite, para verificar se tem sinais de garimpos dentro da Terra Indigena Wajãpi. Se as imagens mostrarem sinais, vão fazer sobrevoos para verificar. Depois da reunião as equipes de policia retornaram para Macapa. Nos Wajãpi continuamos muito preocupados com os invasores que estão na região norte da nossa Terra Indigena", alertaram os índios.
No dia 30 de julho, a ABIP voltou a se pronunciar sobre o caso. Dessa vez, denunciou a tentativa do Governo Federal e das autoridades amapaenses de desqualificarem o relato das vítimas e a violência contra os indígenas daquela região.
"É inaceitável a tentativa do Governo Federal e de autoridades do Amapá de desqualificar a denúncia, reforçando para opinião pública uma versão que coloca em dúvida o relato das vítimas, que seguem à mercê do arbítrio e da violência dos criminosos.
Jair Bolsonaro, que se assume como o governo do agronegócio, já vai se consolidando como o governo genocida, fantoche de Trump, se omitindo à sua obrigação constitucional de proteger os bens da União, como as terras indígenas. São criminosas suas declarações que instigam a mineração em terras indígenas e que afrontam a Constituição brasileira e o Estado de Direito.
A preservação dos territórios indígenas, das matas e florestas é hoje uma preocupação mundial, diante dos índices alarmantes provocados pelas mudanças climáticas. Aqui se constata que a violência, a destruição do Meio Ambiente e de todos os bens comuns têm a conivência do Estado.
A APIB reivindica junto aos órgãos da administração pública federal e demais poderes do Estado medidas administrativas e judiciais cabíveis para pôr fim às invasões dos territórios indígenas que colocam em risco a integridade física e cultural dos nossos povos. E exigimos uma investigação séria sobre ocorrido pelas autoridades competentes, sob o rigor da lei", exigiu a entidade.
No início deste mês, a ABIP ainda publicou mais três notas informando sobre as investigações da morte do cacique Emyra e da presença de possíveis invasores na região das aldeias. Neste domingo (18), em seu perfil oficial no Instagram, a associação divulgou o vídeo se colocando ao lado dos povos, do movimento 342 Amazônia, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados exigindo investigações sérias e proteção do território dos Wajãpis.
A reportagem do Portal Eu,Rio! também procurou a ABIP para ouvir a instituição sobre os últimos fatos, mas até o fechamento dessa matéria não obteve resposta.