O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou o traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão e outros dez criminosos acusados de matar ao menos sete rapazes na comunidade Cinco Bocas, em Brás de Pina, na Zona Norte do Rio. Os corpos ainda não apareceram e há a suspeita que teriam sido dados para porcos comerem.
As vítimas foram identificadas como Matheus Silva das Neves, Alexandre Gomes Correia, Rafael Magalhães Celestino, Thiago Moreira Sbano, Adalberto Bispo Pereira Neto, Darlan Gonçalves e Victor Hugo de Queiroz Surcin.
O crime ocorreu na madrugada de 26 de maio de 2019, na Rua Castelo Branco e na Rua Sete, Lote 3, Quadra D2, ambas no interior da comunidade. Os assassinos efetuaram disparos de armas de fogo e golpes de ação contundente contra as vítimas.
Foram denunciados, além de Peixão, Rodrigo Ribeiro da Silva, o Mia, Loran de Azevedo Freaza, o Marrom, Moisés Severino da Silva, o Dino, Rafael Félix da Silva Valadares, o Lulão, Érick Silva La Rosa, o Ninho, Alan Pereira da Silva, o Gordinho, Thiago Ferreira Rangel e Silva, o Índio, Edilson de Jesus Júnior, o Pirâmide, Thiago de Souza Lima, o Betinho e Leiton Medeiros da Silva, o Artilheiro. Destes, apenas Índio e Gordinho estão presos. Um bandido que teria participado do crime, de vulgo Bebel, mas não foi denunciado, foi morto pela polícia.
Apesar da realização de várias diligências, os corpos das vítimas ainda não foram localizados. Entretanto segundo os autos, as investigações policiais apontam através de depoimentos de parentes das vítimas e moradores da região, um deles de um comerciante proprietário de um bar, que de fato as sete pessoas teriam sido assassinadas conforme descrito no começo da matéria.
Os bandidos agiram por motivo torpe, nascido da rivalidade entre traficantes de facções criminosas. Eles invadiram a comunidade e mataram as vítimas, pois são integrantes da facção Terceiro Comando Puro, tendo assim agido para eliminar traficantes da facção Comando Vermelho e assim dominar aquele território, o que efetivamente ocorreu, como se vê das publicações em redes sociais feitas após o êxito da invasão e que constam nos autos.´ ´
"O número de pessoas que concorreu para a empreitada criminosa, a grande quantidade de armamento empregado e o arrebatamento das vítimas de suas casas e de um bar durante o repouso noturno, revelam um modo de execução, típico de grupo de extermínio que tornou impossível a defesa das vítimas", cita o documento do Ministério Público.
Logo depois da consumação dos homicídios, em local não determinado nos autos da investigação policial, os assassinos ocultaram os cadáveres das vítimas exterminadas.´
"Os referidos cadáveres não foram localizados, havendo nos autos depoimentos e postagens em redes sociais de moradores segundo as quais os cadáveres das vítimas foram retirados do local e levados para local não determinado, onde foram descartados e dados a porcos para serem comidos", cita a denúncia.
As investigações demonstram que os corpos desapareceram logo após a tortura e morte das vítimas e há indícios suficientes que os cadáveres foram retalhados e dados para porcos comerem. As condutas apuradas demonstram postura violenta e inclinada a prática de ações criminosas violentas na comunidade Cinco Bocas, em Brás de Pina, região totalmente dominada por narcotraficantes.
Depoimentos reveladores
O irmão de uma das vítimas narra que o rapaz na data do crime por volta de meia noite e meia fora chamado no corredor do prédio por três homens, não identificados com roupas pretas e capuzes nas cabeças. O seu irmão desceu após eles ameaçarem jogar uma granada na casa. Ao entrar em contato com os suspeitos, estes passaram a agredi-lo com muita raiva e exigiram a chave da moto dele, que estava no nome de sua mãe. Com a posse da chave, se apoderaram da moto e levaram a vítima e o veículo com eles. A testemunha disse que o irmão era usuário de maconha e conhecido pelos traficantes locais.
Um líder comunitário da comunidade contou que a região tem sido palco de uma guerra travada entre traficantes do Comando Vermelho e do Terceiro Comando Puro. Que historicamente o CV dominava o tráfico de drogas na favela e, nos últimos anos, em razão da morte e a prisão dos antigos chefes do tráfico, ocorreu o início de uma guerra pelos pontos de vendas de drogas naquela região.
Segundo ele, inicialmente o TCP passou a controlar o tráfico em Vigário Geral e, no final de 2016, tomou a Cidade Alta, expulsando os integrantes do Comando Vermelho e diversas famílias que moravam naquela região. O TCP passou a dominar as favelas de Vigário Geral, Parada de Lucas, Cidade Alta e Pica Pau, expulsando os criminosos do Comando Vermelho para diversas outras favelas, entre elas a Cinco Bocas que passou a ser a fronteira entre o Comando Vermelho e o TCP na região.
A testemunha contou que, a partir de 2017 a região da favela Cinco Bocas se tornou bem mais violenta, sendo comum a presença de criminosos armados pelas vias públicas, roubos e confrontos com a eolícia. Falou qque o chefe de tráfico de drogas na Cinco Bocas era conhecido pelo alcunha de Ralado, entretanto foi morto em uma operação do BOPE, não sabendo como ficou a hierarquia do tráfico local.
Disse também que os criminosos envolvidos com o tráfico na Cinco Bocas, pelo que tem sido falado na rua, buscaram abrigo em outras favelas dominadas pelo CV na região.
No dia em que ocorreram os crimes, o líder comunitário contou que encontrava-se em sua residência, preparando-se para dormir quando passou a escutar muitos disparos de arma de fogo na região.
Ele passou a observar os acontecimentos atrás de uma cortina e pode ver com clareza diversos criminosos oriundos do TCP realizando disparos de arma de fogo. Que os criminosos efetuavam disparos, gritavam "polícia" e também gritavam "bonde do Peixão". A testemunha falou ter visto o bandido Índio dando ordens para revistar casas. Relatos indicam que haviam cerca de 50 criminosos armados.
No depoimento, ele falou que os criminosos adentraram na comunidade pelas Rua 28 e Rua 48 e se concentraram na Praça Novo Horizonte. Nesta praça, estava sendo realizado um baile funk e os bandidos efetuaram diversos disparos e lançaram uma granada. Houve uma breve troca de tiros entre os invasores do TCP e traficantes local do CV, entretanto estes fugiram da comunidade. Com o terreno dominado, os invasores começaram a rodar pela favela indo em alguns endereços a procura de desafetos.´
Os traficantes do TCP, segundo o relato, permaneceram na Cinco Bocas por aproximadamente quatro horas.
Índio teria sido o responsável pela invasão a mando de Dino e Peixão, indicando inclusive as casas de desafetos. E que a próxima favela a ser invadida pelo TCP seria a Kelsons, na Penha.
O líder comunitário relatou que não se encontra mais morando na comunidade Cinco Bocas, porque sabe que corre risco de vida, principalmente por ter apoiado manifestações de moradores contra a chacina que ocorreu no local e também por estar prestando depoimento. Informou que tem se sentido muito ameaçado uma vez que, seguindo orientação do delegado que cuida do caso, ele conversou com alguns familiares de vítimas e disse que eles confiassem na polícia e caso tivessem informações sobre pessoas que tiveram envolvimento no sequestro das vítimas, procurassem a Polícia Civil.
Ele relatou ainda que mensagens começaram a circular no Whatsapp e nas mídias sociais dando afirmando falsamente que estaria obrigando pessoas a comparecer a delegacia a mando do Comando Vermelho e, ainda, as referidas mensagens contêm tom ameaçador para a população dizendo que eles não devem se meter nessa ´guerra sangrenta´. Disse acreditar que essas mensagens de ameaça dificultarão o trabalho da Polícia, uma vez que muitas pessoas estão apavoradas e estão mudando de endereço e não querem ser localizadas pela polícia ´
Outro fato que ele contou é que, na madrugada a invasão, diversos drones sobre-voavam a Cinco Bocas e o declarante ouviu dizer que o líder do tráfico de drogas é quem faz o monitoramento das favelas com os aparelhos.´
Relatou ainda que Índio teria invadido várias residências a procura de criminosos do CV e também desafetos, chegando a espancar várias pessoas. Ouviu relatos de que outro bandido havia colocado alguns corpos no porta malas dos veículos e que nunca obteve a informação de que o corpo de algum destes rapazes teria aparecido, sendo de conhecimento comum na região que Peixão dá ordens para o sequestro e o esquartejamento de integrantes da quadrilha rival (Comando Vermelho), de desafetos e de pessoas que ele imaginou estarem colaborando com a polícia.
Todos os relatos que ouviu são no sentido de que os corpos das vítimas, totalmente picotados, são jogados como alimentos para porcos selvagens que são criados em Parada de Lucas, os quais comem inclusive os ossos. A destruição dos cadáveres é determinada por Peixão para que não chame atenção da polícia e para que não restem provas dos bárbaros crimes cometidos.
Mesmo não morando mais no local, o líder comunitário conta que atualmente a Cinco Bocas está sob um clima de terror, uma vez que durante as noites todos os moradores esperam o pior. Para ele, ninguém sabe ao certo qual é a facção criminosa que está dominada a Cinco Bocas, ora ouvindo relatos de que o Comando Vermelho voltou, ora ouvindo que está sob o domínio do Terceiro Comando Puro.