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Um passo foi dado, mas são necessários muitos outros para que se faça a diferença

COLUNISTA CONVIDADO - Doug Alvoroçado, pedagogo com pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado (AEE)

Em 03/11/2020 às 12:00:33

Há pouco tempo, uma das grandes discussões polarizadas da internet se referia ao decreto, assinado por Jair Bolsonaro, que recria as escolas especiais para crianças com deficiência ou necessidades especiais. De um lado se falava em separatismo, em problemas de socialização das crianças deficientes, em retrocesso, e que isso “seria um absurdo” após tanto esforço direcionado à inclusão. De outro, honestamente, não vi muito argumento a não ser o decreto em si e todo o discurso decorado de que os governos anteriores acabaram com a Educação – sendo que a Educação nunca teve a devida dedicação em nenhum governo da história do Brasil – e que, se ele foi assinado pelo Presidente, é claro que é bom.

Precisei me vestir com o manto da neutralidade para analisar a controversa questão, as abordagens utilizadas pela imprensa e o próprio decreto – que foi lido inteiro, ponto a ponto, uma vez que ela impacta diretamente na minha área de estudo.

Não sei se todos se lembram, mas o processo de inclusão de alunos deficientes em escolas e classes normais também fez um barulho enorme – menor que o do novo decreto, mas aposto que isso se deve ao fato de que as discussões polarizadas nas redes sociais ainda não reverberavam quando a ideia surgiu, lá em 2011. Lembro bem de uma manifestação que ocorreu em Brasília, naquele ano, que defendia o INES como um tipo diferente de escola especial, uma escola bilíngue para pessoas com deficiência auditiva. Foram vários movimentos nesse sentido, na verdade, mas essa foi marcante. Apoiando-se no argumento de que somente colocar crianças surdas numa classe com 20 crianças sem a mesma característica linguística e oferecer apoio didático não poderia ser chamado de inclusão simplesmente porque um processo de inclusão envolveria muito mais do que o governo da época previa, de investimentos em adequações das escolas, treinamentos de professores e funcionários, à regulamentação de diversos outros fatores sobre os quais ninguém falava. Só quem era contra.

A meu ver, embora bem intencionada, a Lei no. 13.146/2015 é menos potente porque não levou em consideração algo básico ao ser elaborada: a vontade das famílias e das pessoas incluídas. Porque são eles os principais interessados, que conhecem a fundo as dificuldades, os processos de desenvolvimento e aprendizado, os medos e pontos fortes e fracos dos incluídos. É lógico que sou a favor da inclusão, eu trabalho por isso, até milito, mas sou a favor de uma inclusão séria e não engessada, que realmente vai trazer benefícios ao incluído, levando em consideração principalmente a sua opção e a de sua família. E nem sempre isso acontece. Existe uma diretriz nessa Lei que inclui somente de 1 a 3 alunos com deficiência por cada classe de 25 alunos. Isso, na prática, obriga o incluído surdo, por exemplo, a deixar o convívio com outros alunos que aprendem como ele, com uma professora preparada para lidar com sua condição, com métodos adequados para ele, para estudar em uma classe liderada por um professor mal preparado e que involuntariamente (às vezes voluntariamente, o que é triste) cria uma cisão entre ele e as outras crianças que, ditas “normais”, não são pares linguísticos pois não se comunicam em libras e não têm a menor ideia da percepção de mundo do aluno deficiente. Que inclusão é essa que exclui? As famílias devem ter voz e voto, às vezes decisório, para a inclusão. Além disso, precisam ser respeitadas mesmo se não fizerem a melhor escolha para seus filhos – e aqui cabe um “melhor pra quem, cara pálida?” –, independentemente dos argumentos que ouviram de professores, especialistas e terapeutas.

Assim, após ler o decreto, pesquisar, relembrar fatos, incontáveis conversas com as famílias e crianças com deficiência, e apesar de eu não concordar com muita coisa que está acontecendo na Educação brasileira como um todo, cheguei à conclusão de que o decreto de Bolsonaro não foi tão negativo quanto se retumbou. Embora carente de diretrizes e prazos definidos que possam efetivamente melhorar a educação das pessoas com deficiência, o novo modelo corrige essa prática equivocada de desconsiderar diferenças e considerar a inclusão de uma vertente norteada por pessoas sem-deficiência e sem deficientes em sua família. Inclusão é caso a caso, e isso sempre defendi e defenderei em qualquer governo.

O decreto publicado em 30 de setembro perde força, no meu ponto de vista, por não mencionar que a prática de incluir caso a caso já acontece há muito tempo, em muitas situações e em muitas cidades. Outro ponto que enfraquece o texto é que ele não deixa claro que a família, embora com voto importante, deve ser orientada pelas entidades legais sobre o que os estudos apontam e, no caso específico de cada uma, o melhor recomendado. Por outro lado, as vozes contrárias ao decreto também perdem consistência ao gritar e apontar seus erros e chamando-o retrógrado, quando, de fato, elas não sabem o que realmente acontece no chão de sala de aula, onde - há muitos anos - é raríssimo que se usem recursos e ferramentas que tornem a vida real dos alunos incluídos minimamente próxima do que pensam ser o ideal. Dizer que a inclusão deve ser total e de todos é um forte argumento, mas que não se sustenta a partir do momento em que se sabe que um aluno “incluído” está numa classe de 40 alunos sem mediação e sem acessibilidade, tendo deixadas de lado suas potencialidades e necessidades. O que seria melhor neste caso? Por isso sou a favor da individualização de alguns processos.

Agora, para que o decreto e uma eventual nova lei que revise os processos de inclusão na Educação sejam realmente eficientes, é necessário que se institua limites, que se obrigue, de verdade, as escolas a cumprirem regras, procedimentos, que haja fiscalização e que o governo, e o MEC, deem real atenção para as escolas e necessidades dos estudantes do País. Do jeito que estamos, não há lei e nem decreto que resolva esta situação de forma efetiva para os maiores interessados nela: os alunos com deficiência e suas famílias.


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