Não, não estou falando de uma pessoa específica que é caracterizada como carta na manga. Até porque, a extrema-direita no mundo está se enfraquecendo com seus líderes sendo engolidas pelo povo na rua. Não precisamos de alguém específico. O coletivo tem muito mais força. Estou falando do filme polêmico do Coringa de Todd Phillips. Polêmico por que incomoda não pela violência, que se torna a desculpa preferida, mas sim dos problemas da nossa sociedade atual,
Senão vejamos. O arqui-inimigo do Batman, talvez o contraponto mais famoso de todos os tempos e uma figura emblemática, começou com a verdadeira idéia de aterrorizar o homem-morcego nos quadrinhos na década de 30, já que o herói lutava contra gangsteres comuns na cidade de Gothan. Conheci o criador do personagem, Jerry Robinson, que era do sindicato de cartunistas. Pessoa simpática que lutava pela regulamentação e certificação da profissão. Ele criou o vilão em 1940, com Bill Finger e Bob Kane que melhorou a personalidade e o visual do vilão. O Coringa foi baseada no personagem do filme O homem que ri, herança do cinema expressionista alemão de 1928. Nele, Gwynplaine é sequestrado quando criança e, por ordem do rei, ele fica com o rosto em um eterno sorriso macabro e quando cresce, vira atração de circo como palhaço. A atuação de Conrad Veidt, em pleno cinema mudo é magistral com sua imagem insólita marcada que influenciou totalmente no personagem atual. Veja no youtube.
As gerações mais antigas, tem a imagem do personagem personificado por Cesar Romero, já um ator consagrado que inclusive nem retirou seu famoso bigode para interpretar, em forma de sátira, com roupas berrantes e caracterizado pelo riso único. Todos têm esse personagem como referência visual e de atitudes infantis, mas engraçadas. Coube a Jack Nicholson dar um upgrade mais “sério” ao personagem, já que Tim Burton tinha uma estética mais sombria. Sempre achei que Nicholson tinha um sorriso que lembrava o vilão, fora ser o melhor ator daquele período disparado. Mas foi graças a interpretação de Heath Ledger, que o personagem ganhou as graças do público em geral. Ledger, com uma atuação que levou ao Oscar póstumo, mostrou a verdadeira dualidade do personagem e uma total loucura a altura de enfrentar o herói. A ideia da cicatriz para marcar o sorriso é genial. E pensar que antes, Ledger fez Brokeback Mountain de Ang Lee, de dois caubóis homossexuais e que levou a ira milhares de fãs de Batman no mundo todo. Houve manifestações, mas no final, Christopher Nolan, tinha muita, mas muita razão.
No Coringa, de Todd Phillips, vemos uma atuação magistral de Joaquin Phoenix, em um filme que conseguiu elevar o nível de seriedade, de sanidade e de mesmo tendo uma adaptação livre, deu um filme maravilhoso e bastante contundente de um personagem de heróis. Phillips propôs uma releitura do Coringa através do filme "O Rei da Comédia", que o Scorsese fez em 1983. As referências são grandes, inclusive da participação de Robert De Niro, que foi protagonista. Tá tudo lá: a fixação com o programa de tevê, as tentativas de uma carreira do stand-up, a personalidade doentia e relacionamento imaginário com uma mulher negra. O filme traz a idéia, que o Coringa, que sofria de problemas psiquiátricos, ainda tinha o riso inapropriado que tem origem nas suas doenças neurodegenerativas em que existe a afetação do bulbo.
Mas o mais importante é a crítica social forte e que de uma certa forma dialoga com o fenômeno de Bolsonaro e a extrema direita mundial. A agressividade de uma sociedade capitalista, que não se importa com o próximo, expõe a população a uma verdadeira fábrica de loucos, acaba com ajudas sociais (como aconteceu, no filme, da prefeitura acabar com o centro social e demitir funcionários), mostrar os ricos (como o caso de Thomas Wayne, retratado como um sujeito frio) em contraponto com os menos favorecidos e o clima de tensão social pronto para explodir. No fim, o público aceita a vingança do coringa como algo justo dentro da perspectiva cruel que vive.
Essa realidade dramática tem tudo a ver com o espírito de cidadela de nossa elite. Quando começam a estourar as cobranças e manifestações por descasos sociais, reforçam a guarda e exaltam a tática: Bate, mata, prende. Que é muito diferente de política de segurança pública. Por isso o pânico atual. A única ameaça que uma cidadela teme é uma revolta da guarda.