Desafios do Empoderamento: Um Olhar Interno

"Nossa premissa feminista é: eu tenho valor". (Chimamanda Ngozi Adichie)

Durante a jornada do empoderamento, muitas vezes nos defrontamos com desafios que se escondem nas dobras do nosso próprio ser, espelhados na imagem que o mundo nos reflete. Semana passada, um convite para uma reunião do programa Sororidade Conecta, fruto da parceria entre empresárias do SOMOS Empreendedoras e a CODIM Niterói (Coordenadoria de Políticas e Direitos das Mulheres), trouxe à tona uma reflexão profunda sobre a dificuldade de nos enxergarmos como a sociedade nos percebe.

Naquele encontro, fui designada a representar uma professora, por questões de agenda. Entretanto, apesar do lugar de prestígio onde fui colocada pelo poder público e do respeito que me é dispensado por todos, o evento revelou mais do que uma simples participação. No calor daquela sala, me vi oscilando entre minha presença e minha história de vida, uma complexa dança entre o empoderamento conquistado e os resquícios do passado. Instalei equipamentos, auxiliei colegas e permaneci à margem da roda de discussões. Quase uma figura invisível.

A epifania veio com uma intervenção surpreendente. Uma cursista, em tom de brincadeira, ameaçou me repreender. “Vou te bater”, disse ela, arrancando um sorriso meu. Intrigada, questionei seus motivos e ela me lançou uma verdade dura de encarar. “Você não sentou na roda, está para lá e para cá, como se ainda não tivesse se apropriado do seu novo papel de coordenadora do curso”.

Nesse momento, um raio de consciência atravessou as camadas do meu ser. Fui atingida pela realidade de quanto a trajetória de uma “Simoninha”, a menina que zelava pelas crianças da vizinhança e colaborava nas tarefas domésticas para garantir um simples picolé, ainda ecoava em minhas ações. Mesmo após anos de estudo e pesquisa em desenvolvimento humano e empoderamento feminino, me vi presa a um passado que insistia em influenciar o presente.

Essa experiência não foi apenas uma lição individual, mas um reflexo das lutas constantes que muitas mulheres enfrentam. O empoderamento, uma jornada complexa e multifacetada, envolve uma batalha interna para se desvincular de estereótipos, de papéis tradicionais que a sociedade ainda espera que desempenhemos. É uma trajetória de reconexão com nossa própria voz, uma luta para encontrar o equilíbrio entre as responsabilidades do passado e as aspirações do presente.

Em um mundo onde as expectativas sociais frequentemente colidem com nossa busca por independência e autenticidade, fica claro que a jornada de empoderamento transcende as barreiras externas e exige um mergulho profundo em nosso ser. É um ato de coragem e autoconhecimento, de desprendimento e transformação. A experiência na reunião me lembrou que empoderar-se é um processo contínuo, onde cada passo, mesmo os mais hesitantes, é parte essencial da busca por nossa própria identidade e poder.

Mesmo com mais de 20 anos de experiência liderando equipes e com três livros lançados, dois deles com o selo de best-seller, ainda me vejo balançando entre duas forças internas: a líder empoderada que construí com esforço e a menina negra pobre que, desde cedo, aprendeu a cumprir ordens sem questionar. A sombra dos ancestrais que viram gerações de mulheres negras nascendo para servir parece se entrelaçar com cada passo que dou rumo à autonomia.

A estrada do empoderamento não é uma linha reta, mas um labirinto de memórias, experiências e desafios. Cada conquista, por mais significativa que seja, pode ser tingida por um leve sabor de autoquestionamento. A reflexão após aquela reunião me fez perceber que a ideia de servidão, forjada por histórias que remontam gerações, ainda sussurra em meu ouvido, como um eco longínquo de um passado que parecia estar distante.

Os mais de 20 anos liderando equipes e os livros que viajaram por tantas mãos não conseguem dissolver a névoa que insiste em obscurecer o espelho no qual me vejo. Em meio a cada passo dado rumo ao sucesso, à representatividade e à autenticidade, a voz interna que me incita a servir, a me diminuir, parece tão real quanto minha voz mais firme.

No entanto, é justamente nesse conflito interno que reside o coração do empoderamento. Reconhecer a dualidade dentro de mim, entre a mulher forte e a menina que teve que se sacrificar, é um ato de coragem e autoafirmação. É olhar nos olhos daqueles ancestrais e sussurrar: “Aqui estou, trilhando um caminho que honra seu legado, mas redefine seu significado. Eu sirvo, sim, mas agora sirvo a um propósito maior: o de ser uma voz, não apenas um eco. De ser uma líder, não apenas uma seguidora”.

A jornada para o empoderamento é uma caminhada de reconciliação interna, onde o passado não é apagado, mas reescrito. O peso da servidão é transformado em uma força que impulsiona, em uma força que afirma. A menina que cuidava dos outros para garantir seu picolé de final de semana não desapareceu; ela evoluiu para uma mulher que luta por um lugar de poder, mas também para criar espaços onde todas as meninas possam crescer sem se perder.

Em cada hesitação e em cada momento de autoconsciência, encontro a oportunidade de redefinir minha narrativa. A luta pelo empoderamento não é apenas uma batalha contra as forças externas que tentam nos definir; é também uma jornada interna de autodescoberta e autoaceitação. E ao trilhar esse caminho, entendo que o empoderamento não é apenas uma conquista, mas um processo contínuo de evolução, onde a voz da menina e da mulher se unem em uma sinfonia de resiliência e superação.

E você, ao refletir sobre suas conquistas e realizações, consegue identificar alguma voz interna que a faz duvidar do seu valor? De onde vem essa voz e como você pode contestá-la?

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