Na sessão de hoje, o relator das ações, ministro Marco Aurélio, resumiu as alegações apresentadas em cada uma delas e apresentou um breve histórico de sua tramitação no relatório. Em seguida, foram ouvidos os advogados dos autores das ADCs e os representantes das entidades admitidas pelo relator para manifestar seus pontos de vista no julgamento, em razão de seu interesse na questão jurídica em discussão (amici curiae).
Sustentações
Na ADC 43, o Patriota, um dos destinos prováveis do presidente Jair Bolsonaro caso a briga com o PSL assuma evolua para um rompimento definitivo, reformulou o pedido inicial e passou a sustentar que a condenação em segunda instância é o bastante para atender ao princípio da presunção de inocência. Na sessão de hoje, seu representante, Heracles Marconi Goes Silva, defendeu a observância do duplo grau de jurisdição (condenação em duas instâncias) para que se inicie o cumprimento da pena. Segundo ele, é necessário que o Tribunal dê uma resposta satisfatória aos anseios da sociedade sobre essa questão.
Com base no princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), que estabelece que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", os autores das ADCs 44 e 54 pedem a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê, entre as condições para a prisão, o trânsito em julgado da sentença condenatória.
O representante da OAB, autora da ADC 44, Juliano Breda, afirmou que a inclusão do princípio da presunção de inocência no texto original da Constituição teve o objetivo deliberado de evitar o início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da condenação. Ele observou que a alteração no artigo 283 do CPP ocorreu exatamente para reafirmar a necessidade de esgotamento das possibilidades de recurso antes do cumprimento da pena e que a declaração da constitucionalidade desse dispositivo representa um ato de respeito à vontade do legislador.
Em nome do PCdoB, autor da ADC 54, Fábio Tofic Simantob afirmou que é injusto iniciar o cumprimento de qualquer pena sem que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) examinem os recursos contra eventuais ilegalidades e inconstitucionalidades ocorridas no processo penal. Também pelo PCdoB, o advogado José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff, ressaltou que iniciar o cumprimento da pena restritiva de liberdade sem que haja sentença definitiva em última instância é um desrespeito à Constituição.
A segunda parte da sessão desta quinta-feira (17) do Plenário do Supremo Tribunal Federal foi dedicada às exposições dos representantes de entidades interessadas na questão jurídica em discussão nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54 admitidas pelo relator, ministro Marco Aurélio, na condição de amici curiae. Todas defenderam que o STF declare a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) e afaste a possibilidade de início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (23), a partir das 9h30.
Para o representante do Instituto de Garantias Penais (IGP), Antônio Carlos de Almeida Castro, a regra do CPP está em harmonia com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, que trata do princípio da presunção de inocência. "O texto é absolutamente inquestionável e não possibilita interpretação diversa", disse.
Segundo o defensor público da União, Gabriel Faria Oliveira, e os representantes da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro, Rafael Muneratti e Pedro Carrielo, a jurisprudência que possibilita o início da execução provisória da pena após antes do esgotamento de todos os recursos representa um endurecimento penal que, ao se dirigir simbolicamente aos ricos da sociedade, atinge, inevitavelmente, a população carente. "Deve-se dar máxima otimização ao princípio constitucional da presunção de inocência no sentido de garantir também às pessoas pobres o direito fundamental de serem processados sem estarem presos preventivamente", afirmou.
Para o advogado Lênio Streck, que falou em nome da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), a norma do artigo 283 do CPP "diz o que diz e deve ser lida de forma literal". O dispositivo, afirmou, é norma constitucional espelhada, pois reproduz o que previsto no artigo 5º da Constituição da República. E, por se tratar de cláusula pétrea (que não pode ser suprimida por emendas constitucionais), não pode ser inconstitucional.
Presunção de inocência não se relativiza, por ser direito fundamental, para Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Em nome do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Maurício Stegemann Dieter sustentou que o princípio da presunção de inocência é regra que não pode ser relativizada por se tratar de direito fundamental. Na sequência, a advogada Silvia Souza, representante da Conectas Direitos Humanos, destacou que o entendimento contrário à constitucionalidade do artigo 283 do CPP atinge o princípio da vedação ao retrocesso. Ela defendeu o reconhecimento da presunção de inocência como garantia de qualquer cidadão e afirmou que a restrição de direitos atinge, principalmente, a população pobre, preta e periférica.
O Instituto Ibero Americano de Direito Público (IADP) foi representado pelo advogado Frederico Guilherme Dias Sanches, que assinalou que o julgamento não se refere a pessoas, mas à discussão sobre a constitucionalidade de um dispositivo do CPP. Para ele, a Constituição Federal será desrespeitada caso as ações sejam julgadas improcedentes, pois não é possível tornar inconstitucional cláusula pétrea.
Pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o advogado Hugo Leonardo salientou o papel do STF na sociedade e ressaltou que a Corte deve cumprir o que está escrito na Constituição, independentemente do clamor das ruas. Ele também citou ordenamentos de outros países sobre o princípio da presunção de inocência e à necessidade de qualificação da condenação penal para o início do cumprimento de pena e lembrou o que dispõem dois documentos internacionais – a Declaração Nacional dos Direitos Humanos e o Pacto San José da Costa Rica – assinados pelo Brasil e que contemplam o que está na Constituição.
A Associação dos Advogados de São Paulo também expôs seus argumentos na sessão. Segundo o advogado Leonardo Sica, o julgamento diz respeito à integridade da Constituição Federal e à restauração do sistema de credibilidade da justiça. Ele afirmou que o Brasil tem imitado "o que há de pior" no sistema jurídico de outros países, ao importar ideias estrangeiras sem as adaptações necessárias e levar pessoas para a prisão sem o direito ao contraditório. Por fim, citou entendimentos controversos adotados pela Justiça brasileira, como o fato de a pena alternativa não ter execução automática, mas a de prisão sim.
Fonte: Com site do Supremo Tribunal Federal