O enfraquecimento do microssistema brasileiro de combate ao crime de lavagem de ativos, impactos à imagem do país junto a organismos internacionais como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) e o Banco Mundial, além da possibilidade de que sejam instauradas apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita. Esses são apenas alguns dos pontos mencionados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em memorial entregue na terça-feira (19/11) aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O documento é parte das medidas adotadas pelo Ministério Público Federal (MPF) com o propósito de manter a possibilidade de que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal possam compartilhar informações com órgãos de persecução penal independentemente de decisão judicial.
A questão do compartilhamento de dados financeiros está pautada para julgamento na quarta-feira (20/11) no Plenário do STF. Em julho, o presidente da Suprema Corte, ministro Dias Toffoli, decidiu monocraticamente por suspender todas as investigações em curso no país que contam com informações compartilhadas pela UIF e demais órgãos de controle financeiro, repassadas sem autorização judicial. Na decisão, Toffoli sustentou o compartilhamento - sem prévia ordem judicial - deve se limitar à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados.
A deliberação de Toffoli atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, que respondia a uma investigação referente ao tempo em que era deputado estadual que tomou por base um relatório sobre movimentações financeiras sobre 75 pessoas da Alerj. Motorista e funcionário do gabinete de Flávio, o ex-Policial Militar Fabrício Queiroz despertou a atenção do antigo COAF ela emissão de dezenas de cheques, totalizando R$ 1,2 milhão, mas nenhum chegando aos R$ 10 mil que obrigam o banco a comunicar a movimentação ao Banco Central. Na hipótese de o Plenário do Supremo acolher o pedido de Augusto Aras, automaticamente fica revogada a decisão monocrátiva de Dias Toffoli suspendendo os inquéritos que se basearam em informações obtidas sem prévia autorização judicial.aval
No entanto, para o PGR, relatórios genéricos, como o modelo proposto, são inúteis à persecução de crimes relacionados à lavagem de dinheiro e à corrupção, pois inviabilizam o cruzamento de informações relevantes e o acesso a dados que de fato caracterizam os crimes listados.
Augusto Aras aponta que a decisão de condicionar o compartilhamento de dados financeiros à prévia autorização judicial, além de onerar excessivamente a Justiça com pedidos de quebra de sigilo, ocasionará a abertura de investigações desnecessárias, prejudicando todo o sistema de combate à lavagem de ativos. "Caso o MP passe a ter acesso apenas a informações genéricas, isso obrigará essa instituição, a fim de ter acesso aos dados detalhados, a requerer em juízo a quebra de sigilo de pessoas que, por vezes, não praticaram qualquer conduta suspeita ou indicativa de lavagem de dinheiro. Na prática, isso levará à instauração de apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita, fazendo-as constar desnecessariamente como investigadas dentro do sistema judicial criminal", aponta Aras em um dos trechos do documento.
O PGR garantiu que o compartilhamento das informações com órgãos de persecução penal não prejudica a privacidade e o sigilo dos investigados, uma vez que apenas parte das informações financeiras pode ser acessada pelos órgãos de investigação. Ele esclarece que o MP e a Polícia, ao receberem o Relatório de Inteligência Financeira (RIF), não têm acesso à integralidade dos dados financeiros dos contribuintes, somente àqueles que fundamentam a suspeita da prática criminosa. Jamais são enviados a tais órgãos extratos bancários, por exemplo, aos quais nem mesmo a UIF tem acesso. "Assim, o intercâmbio de informações por meio do RIF atinge apenas uma parte do direito ao sigilo de dados do contribuinte, justamente aquela parte referente a dados que consistem em indícios da prática de crimes. Todo o restante do sigilo continua preservado, inclusive em face dos órgãos de persecução penal", explica o PGR.
Consequências para o Brasil – Para Augusto Aras, condicionar o envio de relatórios detalhados ao MP e à Polícia à prévia autorização judicial é subverter a lógica de funcionamento das UIFs, descumprir os padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e tornar provável a inclusão do Brasil como um país "non compliant", que desobedece as recomendações e acordos internacionais de combate à macrocriminalidade. "O enfraquecimento do microssistema brasileiro antilavagem debilitará a capacidade do Brasil de reagir a crimes graves. Isso, ironicamente, interessa não aos cidadãos – titulares do direito ao sigilo discutido nestes autos –, mas sim àqueles que praticam os crimes que mais prejudicam a sociedade brasileira", sintetiza.
Outro aspecto detalhado no memorial são as consequências que o eventual descumprimento das recomendações do Gafi poderão causar ao Brasil. Entre os reflexos, estão a inclusão do Brasil em listas de países com deficiências estratégicas, a aplicação de contramedidas impostas pelo sistema financeiro dos demais países, podendo chegar à sua exclusão do Gafi, do G-20, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. "Esse tipo de sanção pode ter relevância na aferição dos riscos para investimentos no Brasil e para a checagem da credibilidade de seu mercado. Assim, para além de danos político-diplomáticos, as consequências de impacto imediato são relacionadas a restrições econômico-financeiras ao país", adverte o PGR no memorial entregue aos ministros do STF.
Fonte: Site do MPF