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Milícias e traficantes cobram por eletricidade em favelas do Rio, revela estudo

Estudo feito pela UFRJ aponta perdas não técnicas na distribuição de energia

Por Mario Hugo Monken em 15/12/2019 às 17:29:44

Foto: Divulgação/Light

Um estudo feito por especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nos últimos anos, denominado de "Perdas não técnicas na distribuição de energia elétrica: o caso da Light", revela que um inquietante fator que vem contribuindo para limitar a atuação da Light no combate à perdas não técnicas, as chamadas PNTs: a cobrança das quadrilhas de milícias e de traficantes pelo fornecimento de eletricidade, que se transformaram em uma nova fonte de renda para os criminosos.

Segundo a pesquisa, as facções criminosas realizam fraudes e vendem a energia elétrica para os moradores das comunidades, através da ação de “eletrotraficantes”. Desta forma, as ações de controle da rede e, principalmente, de cobrança não são interessantes para os “negócios” do crime organizado, que reagem com violência para impedir a entrada das equipes da Light nas comunidades.

Mais insegurança

Além disso, mesmo nas comunidades em que o poder paralelo não tem interesse em impedir a atuação da Light, a simples presença de criminosos armados confere um elevado grau de insegurança para as equipes da concessionária.

Nesta situação, a qualquer momento, há a possibilidade de confrontos armados com a polícia ou grupos rivais, o que impossibilita a entrada nas comunidades e configura risco de vida para as equipes.

Por outro lado, os tiroteios por vezes afetam os equipamentos da rede de distribuição, atingidos pelas trocas de tiros, causando uma alta reincidência na manutenção e troca destes equipamentos.

Diferente de outras distribuidoras que possuem também áreas com severas restrições, como é o caso da Eletropaulo, a área de concessão da Light apresenta grande e crescente presença do poder paralelo. Desta forma, os conflitos entre as quadrilhas das diferentes facções criam um ambiente de muita tensão e violência nas comunidades, contribuindo para o aumento das PNT e se refletindo na qualidade do atendimento

No Complexo da Maré, na Zona Norte da capital, foram realizados elevados investimentos para implementação de novas tecnologias de melhoria da rede, como medidores eletrônico, blindagem e cabos armados. No entanto, o elevado e crescente número de confrontos armados na região colocava a equipe da Light em risco constante. Frente a esta situação, a concessionária não conseguiu completar esta estratégia de inovações tecnológicas da rede elétrica, impondo uma perda em relação aos investimentos realizados, causada pelo conflito no âmbito do poder paralelo.

Clandestinidade

Outro problema que a Light tem constatado relaciona-se com unidades produtivas que são eletrointensivas. Algumas delas aproveitam-se da situação de conflito e firmam acordo com o poder paralelo, instalando as fábricas no espaço deste domínio paralelo. Por exemplo, fábricas instaladas na parte mais alta do morro, de mais difícil acesso e protegidas pelos grupos de poder paralelo, que cobram uma tarifa bem menor do que a Light. Em junho de 2017, a distribuidora realizou uma operação conjunta com polícia na comunidade do Chapadão, para a detecção de fraude em uma fábrica de gelo. Somente com o forte apoio policial foi possível autuar a fábrica, a qual recebeu o Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI) e foi registrada no boletim de ocorrência da delegacia.

O estudo explica que a atuação do setor de inteligência da Light poderia monitorar e identificar sinais de práticas ilegais na rede. Porém, o seu efetivo combate às ilegalidades muitas vezes depende do apoio da polícia para entrar nas comunidades e autuar os infratores. Neste sentido, um efetivo programa de combate às PNT, nos dois tipos de localidades das áreas de concessão, depende do Estado para reforçar a autoridade e da capacidade da polícia no combate ao poder paralelo das milícias e do tráfico e a posturas individualistas.

Melhorias e perdas com as UPPs

A pesquisa revelou que, no caso da Light, foi notório o impacto positivo causado pela retomada do acesso às comunidades feita pelas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), o que evidenciou a atuação da distribuidora em áreas de risco desde que as condições sejam possíveis de operar.
Entretanto, como a segurança pública no Rio de Janeiro se deteriorou com a crise econômica (queda do preço do petróleo) e política (Lava-jato), o recrudescimento da violência voltou a imperar em várias regiões do estado. Soma-se, ainda, as indicações de alianças entre facções e milícias, passando a compartilhar alguns territórios. Esse panorama enfraqueceu as instituições de segurança pública, como as UPPs e a própria polícia.

Com o enfraquecimento do programa das UPPs, a Light se viu forçada a abandonar várias destas áreas onde tinha realizado investimentos expressivos. Além disso, algumas áreas que antes eram classificadas como possíveis, devido diretamente à existência das UPPs, foram capturadas pelo poder paralelo das milícias e tráfico, tornando-se áreas de severas restrições operacionais. Como resultado, a Light teve grande dificuldade para recuperar o capital investido.

O recrudescimento da violência também afetou negativamente a aplicação do programa “Light Legal”, com o desenvolvimento das Áreas de Perdas Zero (APZ)3 . Houve evolução das PNT em três comunidades, Cidade de Deus, Tomazinho e Complexo do Alemão, onde o programa Light Legal foi aplicado. A retomada do domínio do crime e da violência impactou fortemente este programa, fazendo aumentar as PNT.

Pressão das milícias

Segundo o levantamento, nos locais em que é possível entrar e atuar, a Light consegue operar convenientemente, como ocorreu na comunidade do Borgauto, em Bonsucesso. A área corresponde ao terreno de uma antiga fábrica, ocupada pela favelização. Neste local, a distribuidora conseguiu regularizar mais de 750 clientes. Mesmo assim, enfrentou dificuldade frente ao aliciamento de moradores por quadrilhas de milícia, com a proposta de realizar ligações clandestinas na rede elétrica e pagar valores bem menores.

Este exemplo é muito comum nas regiões do Rio de Janeiro dominadas por milícias. Nestas áreas, a Light consegue atuar e realiza trocas e melhorias na rede para garantir a qualidade do serviço. Em seguida, esses grupos criminosos pressionam os moradores para que aceitem o fornecimento proveniente de furto ou ligações clandestinas e os paguem uma taxa fixa pelo consumo de energia elétrica. Em alguns casos, o preço final pago pelo consumidor ilegal é maior do que o oferecido pelo serviço legalizado, porém a opção clandestina é imposta por ameaças de violência realizadas pelo grupo miliciano dominante no local, o mesmo que detém o monopólio sobre outros serviços, como gás e TV a cabo. Neste sentido, a ação ilegal torna-se mais acessível e a impunidade faz o consumidor ver esta prática como algo natural, fomentando ainda mais a cultura de informalidade da sociedade.

Em função da necessidade de melhorar a imagem da concessionária junto às comunidades e de conscientizar a população de que o furto de energia é o principal responsável pela falta de luz, a principal alternativa de atuação da Light tem sido fortalecer a interação com a comunidade e com as lideranças locais. A distribuidora possui um departamento especifico para trabalhar na busca de parcerias com os líderes das comunidades e realizar palestras de conscientização na comunidade contra o furto de energia e o uso eficiente do serviço. Além disso, a concessionária promove visitas de estudantes ao Instituto Light, com palestras, conteúdos e exposições educativas. A intenção é atingir ao público jovem para que, desde novos, aprendam sobre a utilização racional da energia elétrica e os perigos da realização de ligações clandestinas.

O estudo foi elaborado por três integrantes do Gesel, sigla do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ.

O link com a pesquisa completa pode ser acessado neste endereço: http://www.gesel.ie.ufrj.br/app/webroot/files/IFES/BV/livrolight.pdf

O Portal Eu Rio entrou em contato com assessores de imprensa da Light e aguarda posicionamento da empresa sobre essa pesquisa.
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