O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu em parte medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363 para estabelecer que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na Medida Provisória (MP) 936/2020 somente serão válidos se os sindicatos de trabalhadores forem notificados em até 10 dias e se manifestarem sobre sua validade.? Segundo a decisão, que será submetida a referendo do Plenário, a não manifestação do sindicato, na forma e nos prazos estabelecidos na legislação trabalhista, representa anuência com o acordo individual.
A Agência Estado, no serviço de informações para o mercado financeiro Broadcast, informou que o Governo Federal estuda recurso judicial para manter a MP com o texto integral. O argumento é de que a maior dificuldade em obter a suspensão de salários fará com que mais empresas optem por demitir seus empregados. De acordo com o Broadcast informou ter apurado junto a integrantes da equipe econômica, a projeção é de 8,5 milhões de suspensões e 2,5 milhões de demissões. Com a maior dificuldade de acerto, a balança iria se inverter, com as demissões chegando a 8, 5 milhões.
Pelo dado mais recente da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), o Brasil soma 12,3 milhões de pessoas (11,6% das pessoas em idade ativa). O número é do trimestre encerrado em fevereiro, e portanto não reflete ainda os efeitos da desaceleração da economia e da pandemia de coronavírus, como os fechamentos do comércio não-essencial e as restrições à circulação de pessoas nos maiores estados. Confirmadas as projeções da fonte governista, portanto, o País alcançaria 20 milhões de pessoas sem emprego, o maior contingente da história brasileira.
Ainda de acordo com o Broadcast, o Planalto avalia um recurso mais rápido, que poderia ser apreciado diretamente pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. Não seria necessário esperar a chegada do recurso ao plenário do Supremo, no final de abril. O problema é que esse recurso poderia piorar as relações do Executivo com a maioria dos ministros da corte máxima do País, algo pouco prudente, dado o histórico recente de derrotas sucessivas nas instâncias inferiores.
A ADI foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da MP 936/2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e introduz medidas trabalhistas complementares para enfrentar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Entre elas está a possibilidade de redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.
Lewandowski defere pedido da Rede Sustentabilidade e invoca cláusula pétrea da irredutibilidade salarial
No exame preliminar da ação, o ministro salienta que a celebração de acordos individuais com essa finalidade sem a participação das entidades sindicais parece afrontar direitos e garantias individuais dos trabalhadores que são cláusulas pétreas da Constituição Federal. Ele destaca que o constituinte originário estabeleceu o princípio da irredutibilidade salarial em razão de seu caráter alimentar, autorizando sua flexibilização unicamente mediante negociação coletiva.
Segundo Lewandowski, a assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o equilíbrio entre as partes da relação de trabalho "certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano" (artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, da Constituição). "Por isso, a norma impugnada, tal como posta, a princípio, não pode subsistir".
O ministro ressalta que, diante das graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19, é necessário agir com cautela, visando preservar resguardar os direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, evitar retrocessos. Sua decisão, assim, tem o propósito de promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação, "especialmente necessária nesta quadra histórica tão repleta de perplexidades".
Lewandowski sustenta que o afastamento dos sindicatos das negociações, com o potencial de causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores, contraria a lógica do Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral. Ele explica que é necessário interpretar o texto da MP segundo a Constituição Federal para que seja dada um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato na negociação e com sua aprovação.
Fonte: Site do Supremo Tribunal Federal