A dura rotina que a COVID-19, o novo coronavírus, impôs a todas as famílias tem sido motivo de ampla discussão. O que antes era um desejo dos pais - passar mais tempo com os filhos - se tornou realidade de uma forma restritiva, em que colocar os pés para fora de casa parece algo arriscado. Mas pode ser diferente, conforme os depoimentos de pais de países em que a pandemia já está instaurada há mais tempo.
Em Hong Kong, cidade-estado da China, Raymond Lau se viu isolado com os filhos de forma abrupta. Lá, ele e sua família quase não tiveram tempo de assimilar que tudo aquilo alteraria, em breve, a rotina por meses. "As crianças estão bem mais suscetíveis à irritação. Uma forma que encontrei de solucionar isso foi criar uma rotina e me ater a isso", relata ele, cujos filhos são alunos da Little Kickers, uma rede internacional de ensino por meio do esporte, que está ajudando as crianças ao redor do mundo a ficarem ativas durante o período de isolamento social.
Isso vai de encontro ao que diz a psicopedagoga e diretora de escola, Esther Cristina Pereira. "Estamos passando por um momento inédito na História. Logo, é natural que nós - e as crianças – precisemos de um período para se adaptar", avalia Esther, acrescentando que a educação também deve constar na rotina. "Há a hora de estudar, de brincar e de cumprir os deveres domésticos. Mas tudo isso deve ter um horário pré-estabelecido, assim o jovem vai se adequando ao cotidiano diferente", aconselha.
Veja abaixo o relato dos pais sobre ações que podem ajudar as famílias a melhorar a rotina dos filhos e, consequentemente, ter um dia a dia mais sustentável durante a quarentena:
Exercícios para gastar energia
Muitos pais ainda têm a dúvida: é possível sair do lar? Se você mora em casa, o quintal é um ambiente excelente para os pequenos praticarem exercícios ao ar livre. "Com os meus filhos, eu mantive um cronograma de exercícios, alimentação e hora de brincar", conta Lau. "Tudo depende do que é acessível neste momento: faça exercício se puder sair de casa por um curto período de tempo. Isso já é algo diferente para as crianças, mas recomendo que usem máscaras e mantenham as mãos limpas, sempre. E, ao chegar em casa, troquem a roupa e tomem banho", lembra.
A Little Kickers Brasil, inclusive, tem feito um trabalho de ensino à distância com os alunos (com apoio dos pais) para estimular que eles tenham atividades diferentes e práticas para realizar em casa. Semanalmente, os pais são guarnecidos com atividades para estimular as crianças, uma alternativa que a escola encontrou para manter o atendimento e o vínculo com os alunos, mesmo longe temporariamente dos pequenos
Horários de brincar e estudar
Kelly Rolleston, moradora da cidade de Piacenza, na Itália, teve a rotina virada de cabeça para baixo. Ela tem dois meninos, Noah e Joshua, de três e seis anos de idade respectivamente, que estão em casa há cinco semanas, desde que deixaram de ir à escola. Agora, tudo o que eles têm são os avós e um pequeno espaço ao ar livre, que Kelly diz que já "ajuda muito, uma vez que muitos dias podem ser difíceis para os pais".
"Nós estabelecemos que, pelo menos 30 minutos pela manhã e 30 minutos à tarde, eles deverão se exercitar ao ar livre", conta. "Com isso, começamos a perceber que eles estão muito melhores emocional e fisicamente. As crianças são muito criativas, e aprender o inglês entre as aulas é muito bacana pra elas".
Blindagem das dificuldades
Victoria Jennings, de Madri, conta que ela e os filhos estão vivenciando os momentos mais difíceis da quarentena agora. Segundo dados recentes, a capital da Espanha é uma das cidades mais afetada até o momento, com mais de mil óbitos por conta da COVID-19. Esse receio, aponta ela, pode ser transmitido para as crianças.
"Estamos na terceira semana de quarentena e há 23 dias em casa. Meu filho de cinco anos de idade tem reclamado bastante de cansaço, mas acredito que é porque esteja entediado. Há alguns dias, ele reclamou de estar em casa", conta. "Muitos estão chorando não só de medo da situação, mas de frustração. O que tenho feito e ajuda muito é organizar os dias cheios de aula: a escola dele tem ensino EAD, por conferência, das 9h às 16h. Isso ajuda a ocupar a mente dele".
Tudo é temporário, pontua a psicopedagoga Esther Cristina Pereira, e vai passar. Mas é importante registrar os ensinamentos que ficarão dessa experiência. Por isso, ela recomenda que seja feito um "diário da quarentena": algo que os jovens possam escrever seus sentimentos, para entender o que estão sentindo neste momento.
Criatividade no estímulo
Na Malásia, as medidas de isolamento também são tão recentes quanto no Brasil. Em meados de março, os casos de coronavírus no país saltaram e a quarentena foi instaurada. Para Kalvinder Singh, pai de Ryan, a solução foi realizar exercícios e criar uma casinha para o filho no quintal. "Ele passa bastante tempo lá, e tem se entretido bastante", diz Singh, que mora em Kuala Lumpur.
Na avaliação de David Duo, de Beijing, na China, as aulas online têm sido um estímulo vital para sair do lugar comum. "20 a 30 minutos de brincadeiras bem elaboradas ajudam a tirar as crianças do sedentarismo", opina. "O grande desafio é manter as crianças ativas. Os pequenos podem, nesse período, sair um pouco da tela de TV e tablets para gastar energia. Além de tudo, é uma troca saudável".