O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), admitiu que interferiu na estratégia da Polícia Civil para a elucidação da morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Witzel disse que sugeriu ao delegado responsável à época pelo caso, Giniton Lages, que prendesse imediatamente os executores do crime, ainda que sem o esclarecimento sobre a existência de um eventual mandante.
A polícia prendeu, em março de 2019, o policial militar aposentado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz sob acusação de atuarem no duplo homicídio. A existência e identificação de um eventual mandante ainda não foi esclarecida.
A declaração de Witzel ocorre em meio às acusações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de interferência na Polícia Federal. O governador critica a atuação do ex-aliado de campanha no caso e afirma que não faz ingerência na Polícia Civil.
O caso Marielle também já foi pivô de discussão entre os dois. Bolsonaro responsabiliza o governador do Rio de Janeiro por vazar o depoimento do porteiro de seu condomínio que apontou envolvimento do presidente no caso no dia do crime —informação depois desmentida pela própria testemunha.
Bolsonaro disse ainda que soube sobre a menção ao seu nome pelo próprio governador, dias antes do depoimento vir a público. Witzel nega.
O governador fluminense afirmou na entrevista que não teve acesso à investigação ao sugerir a medida. Relatou que a conversa foi feita tendo como base sua experiência como juiz federal.
"Me comprometi em ajudar, com meus conhecimentos, sem ter acesso à investigação, mas apenas com a minha experiência, a solucionar o caso Marielle. Quando perguntei ao delegado o que ele tinha em mãos, sem que ele me mostrasse a investigação, ele me disse: "Já tenho os executores". Eu falei: "Se você já tem os executores, eu te recomendaria pedir a prisão deles [e] abrir uma nova fase da investigação para descobrir os mandantes do crime", disse o governador no Roda Viva.
Wilson Witzel. Foto: Divulgação
O relatório da Polícia Civil foi concluído no dia 7 de março de 2019, com pedido de prisão dos dois. O Ministério Público fez a denúncia no dia seguinte.
A prisão dos dois acusados ocorreu dois dias antes do crime completar um ano, no dia 14 de março, quando se intensificaram as cobranças por resultados das investigações.
Giniton Lages, responsável pela primeira fase da apuração, foi afastado do caso. Ele está atualmente numa delegacia distrital.
O governador havia assumido o cargo dois meses e meio antes e ainda sofria duras críticas pelo ato de campanha de que participou em 2018 no qual dois parlamentares eleitos pelo PSL exibiram uma placa em homenagem a Marielle quebrada.
No Roda Viva, Witzel disse que não teve participação na danificação da homenagem à vereadora e que repreendeu a atitude dos aliados —os atuais deputados federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ). O vídeo exibido na ocasião não mostra essa crítica do governador.
Procurado, a assessoria do governador reafirmou a fala de Witzel, destacando que o governador não teve acesso à investigação.
O Ministério Público afirmou em nota que suas ações "não são previamente submetidas e muito menos pautadas pelo Poder Executivo, ou por qualquer outra estrutura administrativa, incluindo, por óbvio, as estratégias de prisão de criminosos".
"Exatamente por isso, os integrantes do GAECO/MP-RJ decidiram não participar da coletiva realizada no Palácio Guanabara no dia da prisão dos envolvidos no bárbaro crime, o que poderia suscitar ilações descabidas", diz a nota.
"Em crimes de homicídio, numa investigação complexa, é absolutamente comum que a identificação dos mandantes, quando ocorra, se dê após a identificação dos executores. De toda forma, é o resultado da investigação que definirá aqueles que serão denunciados e, consequentemente, responderão à ação penal", declarou o MP-RJ.