Uma esperança de alívio para os sintomas das pessoas portadoras de esquizofrenia: estudo inédito publicado no último dia 21 na revista Schizophrenia Research e disponível no ScienceDirect - um dos principais veículos de literatura científica peer-reviewed (estudos revisados por pares independentes) no mundo – mostrou que o treino cognitivo digital, com neurogames visuais e audiovisuais cientificamente projetados, foi capaz de melhorar a capacidade cognitiva e reduzir os sintomas do transtorno, que atinge cerca de 1% da população mundial.
O trabalho, que envolveu cerca de 80 participantes em sua maioria pacientes e do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), foi realizado em colaboração com pesquisadores da Inglaterra e dos EUA e contou com apoio da FAPERJ, do CNPq, do Ciências sem Fronteiras e do National Institutes of Health dos EUA.
- Como já havia uma literatura científica validando os efeitos positivos desse tipo de treinamento cognitivo, tanto em pessoas saudáveis como as que se encontram em condições clínicas específicas como os portadores de esquizofrenia, optamos por pautar essa primeira pesquisa aqui no Brasil comparando a evolução do treino entre praticantes de neurogames de treinamento visual e de games que, além do aspecto visual, também contam com recursos de treinamento das funções auditivas – explicou o coordenador do estudo, professor da UFRJ, Dr. Rogério Panizzutti.
Segundo Panizzutti, a dose de 20 horas de treinamento já surtiu efeitos positivos entre os participantes do estudo, mas com 40 horas o efeito foi ainda maior. “Os neurogames visuais tiveram mais efeito, mas os auditivos também beneficiaram os participantes. No Brasil estamos falando de um universo de aproximadamente 2 milhões de pessoas que sofrem com a esquizofrenia. Acredito que podemos minimizar bastante o impacto negativo dessa doença na vida das pessoas com esse tipo de treinamento cognitivo, inclusive pela sua facilidade de execução, pois basta apenas um computador ou dispositivo mobile conectado à Internet”, contou.
Resultados não publicados ainda indicam que parte dos efeitos positivos permanecem um ano após o período de treinamento. “A qualidade de vida dos participantes também melhorou após esse período, conforme relato da maioria dos participantes”, considerou o coordenador do estudo.
- Se existem novas tecnologias acessíveis para facilitar a vida das pessoas, por que não usá-las? Em vez de drogas e medicamentos, estamos utilizando ferramentas digitais cientificamente desenvolvidas para oferecer mais autonomia, independência, socialização, melhorando a capacidade cognitiva desses pacientes – ressaltou a psicóloga, Larissa Genaro, uma das pesquisadoras do estudo, explicando que os neurogames utilizados nesta pesquisa são os da plataforma BrainHQ, criada e desenvolvida pelo neurocientista Dr. Michael Merzenich, um dos pioneiros dos estudos e pesquisas sobre neuroplasticidade.
BrainHQ é a única plataforma de treino cognitivo digital com mais de 100 estudos e pesquisas científicas comprovando reais benefícios para as funções cognitivas e a saúde mental. A maioria dessas pesquisas foram conduzidas por cientistas independentes de renomadas universidades e centros de pesquisa como Universidade da Califórnia, Stanford e Johns Hopkins, conforme informa o próprio site/plataforma no Brasil (br.brainhq.com).
O programa treinamento com os neurogames foi traduzido e adaptado ao português sob a supervisão do também neurocientista Rogério Panizzutti, e é disponibilizado no Brasil e países de língua portuguesa pela NeuroForma Tecnologias, startup carioca acelerada pelo programa Startup Rio, do Governo do Estado.
- Os neurogames utilizados no estudo têm diversos níveis de complexidade. Alguns trabalham aspectos sensoriais de processamentos auditivo e visual primários para estabelecer uma base cognitiva que dê suporte ao processamento das funções cognitivas superiores como a socialização, memória de trabalho, concentração, linguagem. Esses exercícios usam algoritmos para propiciar adaptabilidade, ou seja, os exercícios se adaptam automaticamente à performance do usuário, ficando mais difíceis à medida que eles acertam e arrefecendo o grau de dificuldade quando eles não atingem seus objetivos – explicou o neurocientista.
O estudo, de acordo com o seu coordenador, agora continua incluindo pessoas com transtorno bipolar e depressão, com psicose. Outros estudos nestas linhas de pesquisas também estão em andamento pelo mundo. “Com a pandemia de Covid-19 estamos trabalhando para que os participantes possam fazer tudo de forma remota on-line sem terem que sair de casa para irem ao laboratório na universidade”, finalizou Panizzutti.
Confira abaixo, alguns depoimentos dos participantes do estudo, todos portadores de esquizofrenia:
“O treinamento me fez ver que eu ainda tenho capacidade mental para aprender”.
“Sei que não vou sair e passar num concurso, mas para quem estava com dificuldade de memória, na aprendizagem, foi muito bom”.
“A capacidade de raciocínio melhorou, ficou mais fácil e rápido entender as coisas”.
“Achei que melhorou bastante minha concentração e a memória, principalmente, a concentração, acho que o treino com os games ajudou bastante”.
“Fiquei mais positiva, acho que melhorei muito, mas sei que ainda tenho dificuldades de socialização”.
“A gente perde a capacidade de (organizar) o pensamento, perde a noção de
aprender. O treinamento com os neurogames ajuda a pensar melhor. Agora paro
e penso, ficou mais fácil”.
“Senti que melhorei, senti mais razão de viver. Aquela sensação de que a mente não está tão adoecida e ainda está funcionando. Eu ainda tenho esperança, agora com o bem estar que o treino com os games produz”.
“É como se fosse um jogo. A gente realmente fica entretido com a atividade. Meu raciocínio e minha memória ficaram mais vivos”, afirmou um dos primeiros usuários que completaram o treino de 40 horas.
Publicação da ScienceDirectt: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0920996420302693