A proibição de operações policiais nos horários de entrada e saída das escolas e creches toma por base uma constatação dramática. Um em cada três tiroteios acontecidos no Grande Rio, ano passado, aconteceram nos arredores de unidades escolares. Foram 2.335 tiroteios/disparos nessas áreas, o que equivale a 32% de todos os tiroteios registrados pelo Fogo Cruzado na Região Metropolitana do Rio em 2019 (7.365).
A Vila Kennedy, com 376 tiroteios, foi "campeã" pelo segundo ano consecutivo no número de tiros no entorno de escolas e creches da região metropolitana do Rio. O estudo considerou as 7.386 escolas e creches públicas e privadas nos 21 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em um raio de 300 metros das unidades, em dias letivos e horário escolar (de segunda à sexta-feira de 06 às 22 hrs).
A decisão, anunciada na quinta-feira pela Justiça Estadual, atende parcialmente à ação movida pela Defensoria do RJ, mas chama atenção pela demora na análise de uma questão que envolve vidas ainda em seu início. A Ação Civil Pública (ACP) foi movida 13 de fevereiro pela Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente (Cdedica) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), pedindo que a Justiça proíba a realização de operações das forças de segurança no entorno das creches e escolas públicas estaduais e municipais.
Com base no estudo feito pelo Fogo Cruzado e a Fundação Getúlio Vargas entre 2016 e 2017, e o levantamento sobre escolas afetadas pela violência armada em 2019, a liminar obriga que o Estado adote uma série de medidas que priorizem o direito constitucional à educação, como a proibição de operações das forças de segurança no entorno de creches e escolas durante o horário de entrada e saída de alunos e funcionários, assim como a utilização das unidades de ensino como bases operacionais durante tiroteio, e o voo de helicópteros nessas áreas a uma distância de menos de 2 quilômetros. A proposta pede ainda que diretores das unidades de ensino e saúde criem um protocolo para que tenham tempo hábil para executar as medidas necessárias a fim de reduzir os danos à integridade física das pessoas.
O descumprimento de tais medidas acarretará em uma indenização no valor de R$ 1 mil por dia de aula perdido aos alunos em razão dos tiroteios e uma condenação do Estado no valor de R$ 1 milhão por danos morais coletivos, em razão da violência, que deverá ser revertido ao Fundo para a Infância e Adolescência e utilizado no desenvolvimento de projetos que reduzam os danos causados aos estudantes impactados com a constante violência institucional.
Confrontos com uso de helicópteros blindados, os 'caveirões aéreos', mataram 27 pessoas e feriram dez
O armamento cada vez mais pesado, com armas de alto calibre e elevado poder de destruição, tanto pelos traficantes e milicianos, quantos pelos policiais que expõem a si próprios e os moradores a risco, tem um novo símbolo. O 'Caveirão' blindado capaz de transpor as barreiras, ganhou asas. Somente em 2019, houve 23 operações policiais com helicópteros sendo usados como plataformas de tiros. Ao todo, 37 pessoas foram baleadas nessas situações: destas, 27 morreram. Um protocolo firmado pelo Governo do Estado, durante a intervenção federal na segurança, limitava o uso das belonaves a situações de extremo risco. Como as outras exigências do acordo firmado com a Secretaria Municipal de Educação e a Defensoria, com a supervisão da Justiça Estadual, em pouco tempo foi abandonado.
Três anos e dois meses, sem avanço, separam mortes de Maria Eduarda e João Pedro, ambos de 14 anos
Neste sábado, 30 de maio, completam-se três anos e dois meses da morte da adolescente Maria Eduarda de Oliveira, de 14 anos. Ela foi atingida na cabeça na Escola Municipal Daniel Piza, na Pavuna, na quadra, durante uma aula de Educação Física. Maria Eduarda, 14 anos, foi alvejada com um tiro de fuzil durante uma operação policial. Ao morrer, a jovem tinha a mesma idade de João Pedro, morto no Complexo de Salgueiro, em São Gonçalo, quando a casa em que estava recebeu 72 disparos, em uma operação contra o tráfico de drogas da Polícia Federal, com apoio da Civil. Maria Eduarda e João Pedro, com três anos a separar os dois casos, ilustram o maior problema da política de segurança do Estado, as mortes de jovens nas favelas.
Ao longo dos três anos desde a morte de Maria Eduarda na Escola Municipal Daniel Piza, na Pavuna, entre 30 de março de 2017 e 29 de março de 2020, foram registrados 6.898 tiroteios em áreas escolares. A estudante de 14 anos não foi a única vítima: somente em 2019, 5 pessoas foram baleadas dentro ou a caminho de escolas – destas, 1 morreu. Entre as vítimas do ano passado estava a adolescente Barbara Ferreira Cleto, de 12 anos, atingida por uma bala perdida quando estava na quadra do colégio em que estudava, na Vila Kennedy, zona oeste do Rio, no dia 12 de fevereiro, primeira semana do período letivo.
No ano seguinte à morte de Maria Eduarda, jogadora de basquete revelada por um projeto da Rio 2016, os tiroteios no entorno de áreas escolares continuaram. Entre os dias 30 de março de 2017 e 29 de março de 2018, a plataforma Fogo Cruzado registrou 6.575 na região metropolitana do Rio: destes, 1.774 ocorreram no período letivo durante o horário escolar no perímetro de 300 metros de escolas e creches da rede pública e privada. Das 7.386 unidades de ensino existentes na região metropolitana***, 1.663 foram afetadas por tiroteios no seu entorno.
Dois anos após a morte de Maria Eduarda os números foram ainda maiores, entre os dias 30 de março de 2018 e 29 de março de 2019, foram 9.637 tiroteios no Grande Rio, dos quais 3.176 ocorreram em áreas escolares – 2.615 unidades de ensino foram afetadas.
Hoje, 3 anos desde a morte da estudante, entre os dias 30 de março de 2019 e 29 de março de 2020, os números são menores, mas a violência armada no entorno das escolas continua. Dos 6.114 tiroteios ocorridos na região metropolitana do estado, 1.948 deles foram no entorno escolar. Ao todo, 1.758 unidades de ensino tiveram suas aulas afetadas pelos tiroteios.
Ainda neste período entre 30 de março de 2019 e 29 de março de 2020, a Zona Norte do Rio, com 750 registros, concentrou 38,5% do total de tiroteios ocorridos no entorno escolar (1.948). Em seguida vem Zona Oeste (420), Baixada Fluminense (306), Leste Metropolitano (292), Centro (100) e Zona Sul (80).
O Rio de Janeiro teve o maior número de tiroteios entre os municípios da região metropolitana neste período, foram 1.350 no total. Seguido de São Gonçalo (179), Belford Roxo (108), Niterói (99) e Duque de Caxias (63). A Vila Kennedy foi o bairro com mais tiros (137). Cidade de Deus (104), Maré (63), Complexo do alemão (57) e Tijuca (52) completam o ranking. A Pavuna, onde fica a escola em que Maria Eduarda foi atingida e morta, ficou na 18ª posição entre os bairros com mais tiroteios no entorno de escolas, com 23 registros no total.