Nem Nelson Teich, que saiu por não querer assinar o decreto da cloroquina como profilaxia preventiva. Nem Carlos Wizard, que deixou a assessoria do Ministério da Saúde antes mesmo de ter assumido posto formal, não sem antes insinuar que prefeitos e governadores inflavam as mortes pela Covid-19.
O homem que convenceu o presidente Jair Bolsonaro a mudar no peito e na raça os números da pandemia foi Luciano Hang, o Véio da Havan, para a esquerda, o 'Zé Carioca, para o ressentido e magoado Olavo de Carvalho, guru da família do presidente. Dessa vez, não tem como os assessores do presidente e o entorno de Fábio Wejngarten jogarem a culpa na 'grande mídia'. Valor e Estado de S. Paulo, o 'Esquerdão' no jargão dos apoiadores de Bolsonaro, noticiaram, mas o Antagonista, veículo simpático ao Planalto desde a campanha, também cravou: a idéia de lançar só as confirmações do dia, abdicando dos registros das mortes acontecidas anteriormente, foi apresentada por um vídeo de Luciano Hang nas redes sociais.
O Estado de S.Paulo explicou que a mudança no tratamento dos dados foi sugerida em um vídeo do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e defensor de Bolsonaro, no qual diz "não condizer com a realidade" informar que mais de mil mortes pela covid-19 foram confirmadas num único dia. A publicação do véio da Havan foi enviada pelo secretário-executivo da Saúde, coronel Elcio Franco Filho, para a sua equipe. A distribuição do vídeo foi noticiada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pelo Estadão. Nesta segunda-feira, Luciano Hang voltou a postar a comparação, ao anunciar uma live com médico e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, por sua vez o homem que teria explicado ao empresário que 'a curva estaria em baixa', pelos dados do Portal da Transparência.
A reportagem do Estadão explica que a somatória dos dados, usada desdee o início da pandemia, segue o padrão internacional. Ao dividir os números, sem levar em conta o fato de que o registro formal do óbito muitas vezes é feito bem depois do falecimento, é que a pasta deixaria de fora os pacientes que tiveram a morte confirmada por covid-19 fora do período considerado. Uma pessoa morta na segunda-feira, mas com a comprovação da causa mortis pelo novo coronavírus no dia seguinte, não apareceria terça-feira nem em qualquer outra estatística, uma vez que o governo não divulgaria mais o histórico.
O método, mesmo com essas limitações evidentes, tem multiplos padrinhos, a exemplo da cloroquina preventiva e o AZT, remédio de fases agudas da AIDS, receitado pela janela do carro no drive-thru para o novo coronavírus, adotado pelo governo de Rondônia, um dos mais alinhados ao presidente.
A Prefeitura do Rio ensaiou essa mudança, de registrar como mortes por Covid-19 apenas os casos que os cartórios já tivessem registrado. Logo no primeiro dia, resultou em uma diferença de 1.177 mortes no total geral acumulado, em relação aos dados apontados nos prontuários hospitalares. O prefeito Marcelo Crivella recuou.
A secretaria municipal de Saúde passou a anotar à parte das mortes efetivamente ocorridas nas últimas 24 horas, para ter uma noção mais precisa da evolução da doença ao longo do tempo. Mas seguiu divulgando os número acumulados. Alguém mais esperto pouquinha coisa, no séquito de assessores do prefeito, reparou que o efeito de redução da curva se dissipava, à medida que o tempo passava, caso os registros seguissem em alta.
A entourage do Planalto, livre do loquaz Mandetta e do lacônico Teich, não teve pelo visto quem fizesse a mesma ponderação. Como a curva passava a girarr abaixo dos mil mortos por dia, cifra que incomodava o presidente Bolsonaro, rapidamente o ministro interino, general Sidney Pazuello, procedeu a mudança. Resta saber por quanto tempo. Nesta terça-feira, 18 horas, voltam a acontecer as coletivas de balanço dos dados da doença no Ministério da Saúde. A iniciativa dos principais veículos de comunicação, de maior tiragem, das secretarias de Saúde de Estados e Municípios, do Tribunal de Contas da União e da Câmaa dos Deputados, de divulgarem consolidações próprias, com base nos critérios rejeitados pelo presidente, por Osmar Tera e por Luciano Hang, pode ter contribuído.